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3 O PERCURSO DO NÚCLEO DE ESTUDOS E FORMAÇÃO DE DOCENTE: UMA TRÍADE ESTRUTURANTE

3.2 DIÁLOGOS SOBRE A PRÁTICA REFLEXIVA DO PROFESSOR

Outro elemento estruturante que fundamenta e norteia as ações do NEFD é a perspectiva de reflexividade crítica do professor como uma possibilidade de reelaborar sua prática pedagógica. Para compreender esse aspecto, é necessário retratar aqui a especificidade do trabalho docente, entendendo o que caracteriza o ser professor e as condições objetivas e subjetivas que interferem de forma direta na sua prática reflexiva.

No sentido de fazer uma análise mais profunda acerca do trabalho docente, Basso (1998) afirma que é necessário estabelecer as relações entre as condições subjetivas (que estão atreladas à formação do professor) e as condições objetivas (que abarcam as condições efetivas de trabalho, referindo-se às questões de organização da prática, participação no planejamento escolar, preparação das aulas,

bem como a remuneração do professor). Corroborando com esses elementos, podemos citar Imbernón (2010) que enfatiza que existem vários aspectos que ajudam no desenvolvimento da profissão docente, como o salário, a demanda do mercado profissional, o clima de trabalho nas escolas e também a formação permanente.

Basso (1998) faz menção às condições subjetivas que são próprias do trabalho humano, já que as mesmas se constituem numa atividade consciente, porque o homem age conscientemente ao delinear sua ação, mantendo uma maior ou menor autonomia. Para exemplificar esse aspecto, o autor faz referência ao trabalho fabril, que é altamente objetivado e tem uma autonomia limitada na realização das atividades pelos operários. Fazendo analogia ao trabalho docente, o autor diz que seu processo de trabalho não se objetiva na mesma proporção, deixando uma porção de autonomia maior, “pois a presença de professor e alunos permite uma avaliação e um planejamento contínuos do trabalho, orientando modificações, aprofundamentos e adequações do conteúdo e metodologias a partir da situação pedagógica concreta e imediata” (BASSO, 1998, p. 02).

Diante desse cenário, pode-se elucidar que as condições atreladas à formação do professor são fatores que corroboram na constituição da reflexividade crítica, inclusive capazes de ajudar na superação dos problemas enfrentados e impostos pelas próprias condições objetivas de trabalho. Diria ainda que a formação permite ao docente uma autonomia diferenciada, uma autonomia que não é alienada, mas reflexiva. O NEFD, portanto, tem alicerce numa formação continuada que permite a conscientização da reflexão crítica sobre sua prática.

Em relação à autonomia do professor, Jiménez Jaén (1988 apud CONTRERAS, 2012, p.41) traz em seu posicionamento o seguinte:

A determinação cada vez mais detalhada do currículo a ser adotado nas escolas, a extensão de todo tipo de técnica de diagnóstico e avaliação dos alunos, a transformação dos processos de ensino em microtécnicas, dirigidas à consecução de aprendizagens concretas perfeitamente estipuladas e definidas de antemão, as técnicas de modificação de comportamento, dirigidas fundamentalmente ao controle disciplinar dos alunos, toda a tecnologia de determinação de objetivos operativos ou finais, projetos curriculares nos quais se estipula perfeitamente tudo que deve fazer o professor passo a passo ou, em sua carência, os textos e manuais didáticos que enumeram o repertório de atividades que professores e alunos devem fazer (grifo nosso).

Segundo Contreras (2012), isso está associado ao espírito de racionalização tecnológica do ensino, que faz o professor ter a sua função reduzida ao cumprimento de prescrições externamente determinadas, tendo a perda do conjunto e o controle sobre sua tarefa. Podemos, portanto, inferir que a autonomia do professor passa a se igualar com as do trabalho fabril, que fora destacado por Basso (1998).

Contreras (2012, p.71) ainda menciona que “os professores ocupam uma posição subordinada na comunidade discursiva da educação. Seu papel em relação ao conhecimento profissional representado pelas disciplinas acadêmicas é o de consumidores, não de criadores”. Kimball (1988), também citado por Contreras (2012), vai além da concepção da perda de autonomia, e defende que os professores não podem ser considerados profissionais, pois eles necessitam de autoridade acerca das deliberações que são tomadas no processo de ensino e aprendizagem, o que corresponde a dizer que o conhecimento que os professores têm não os empossa de autoridade. O autor ainda complementa que, em decorrência desse contexto, os professores não podem ser considerados responsáveis pela educação na escola.

Diante desta aspiração de Kimball (1988), é inevitável não perguntar: e qual tem sido a responsabilidade do professor no contexto escolar? Quais tarefas cabem ao professor realizar no processo de ensino e aprendizagem? Considero uma agressão dizer que o professor não é responsável pela educação. Sei que não é o único responsável, mas o é juntamente com os alunos, constituindo-se em um dos principais atores sociais da educação. A intenção aqui não é defender que os professores não apresentam suas fragilidades, mas, além de pensar nas lacunas, é preciso pensar também nas potencialidades, nas possibilidades de educar alunos dentro de um sistema social que muitas vezes não prioriza o campo educacional.

Em confronto com o que foi afirmado por Kimball e Contreras, Alarcão (1996) enfatiza que os professores assumem uma função importante na produção e estruturação do conhecimento pedagógico porque fazem uma reflexão na interação e sobre a interação que se origina entre o conhecimento científico e sua apropriação pelo aluno; além disso, fazem também uma reflexão entre a instituição escola e a sociedade em geral. A autora ainda complementa enfatizando que o professor “tem um papel ativo na educação e não um papel meramente técnico que se reduza à

execução de normas e receitas ou à aplicação de teorias exteriores à sua própria comunidade profissional” (ALARCÃO,1996, p.176).

Associando a perda da autonomia que fora é citada pelos autores mencionados anteriormente, é inevitável não falarmos da prática reflexiva do professor. Entretanto, antes de compreendermos essa reflexividade atrelada ao professor, é necessário o entendimento do que é ser reflexivo: Segundo as reflexões de Alarcão (1996, p.175), “é ter a capacidade de utilizar o pensamento como atribuidor de sentido [...]. A reflexão baseia-se na vontade, no pensamento, em atitudes de questionamento e curiosidade, na busca da verdade e da justiça”. Na obra de Schon, o conceito de reflexão é compreendido “como o modo de conexão entre o conhecimento e a ação nos contextos práticos, em vez de derivação técnica, de esboço e de racionalização das regras de decisão” (SCHON, 1983 apud CONTRERAS, 2012, p. 126).

Jonh Dewey foi o primeiro estudioso a colocar em discussão o conceito de professor reflexivo, considerando ser o pensamento reflexivo a melhor forma de pensar. Para Dewey, o profissional reflexivo está sempre investigando e buscando outros conhecimentos. Foi a partir dos seus estudos que se originaram os escritos de Schon, teórico que fez com que o termo professor reflexivo alcançasse destaque no cenário educativo (PIMENTA; GHEDIN, 2002).

É importante enfatizar aqui que este estudo traz as contribuições de Schon, mas amplia para uma perspectiva de Pimenta (2006), que reconhece também o apoio da reflexão no exercício da docência, dos saberes dos professores e das escolas como espaços de formação continuada, e que tece ponderações ao conceito defendido por Schon inicialmente.

As inquietações de Schon eram uma tentativa de entender as situações incertas, instáveis e singulares que os professores não conseguem dar conta por meio de repertórios técnicos. Ele diz que existe uma gama de ações que os professores realizam no dia-a-dia da prática docente e que são espontâneas, já que não implicam uma pausa para pensar nessas ações antes de concretizá-las. Isso é fruto de competências que são apreendidas com as experiências e, neste caso, o conhecimento está na ação. Entretanto, existem situações que evocam os professores a pensarem sobre o que fazer enquanto estão fazendo determinada ação, ou seja, implicam reflexão em relação à situação deparada para assim poder

ter atitudes adequadas. A isso, Schon considera reflexão na ação (SCHON, 1983 apud CONTRERAS, 2012).

Em relação a essas situações do dia-a-dia, Contreras (2012) acredita que, conforme a prática do professor fica repetitiva e constante, seu conhecimento na prática se torna mais tácito e espontâneo – conhecimento esse que o torna um especialista, e confiante nesta especialização. Porém, quando aparecem situações inusitadas que exigem outra atuação (intervenção), o professor necessita compreender o novo caso, propor e concretizar soluções.

Diante desse cenário, a limitação que o conceito de Schon traz é, segundo Pimenta (2006, p.43), o “individualismo da reflexão, a ausência de critérios externos potencializadores de uma reflexão crítica, a excessiva (e mesmo exclusiva) ênfase nas práticas, a inviabilidade da investigação nos espaços escolares e a restrição desta nesse contexto” (PIMENTA, 2006, p. 43). Nesse sentido, a autora apresenta algumas possibilidades de ressignificação e ampliação da concepção que Schon expõe, em que a proposta do professor reflexivo está pautada nos seguintes aspectos: 1) Transição da perspectiva do professor reflexivo à do professor intelectual crítico reflexivo, isto é, da dimensão individual da reflexão para o seu caráter público e ético; 2) Epistemologia da prática à práxis, que significa a edificação de saberes através da análise crítica e teórica das práticas e da ressignificação da teoria a partir do conhecimento da prática; 3) do professor pesquisador à realização da pesquisa no espaço escolar com a colaboração de pesquisadores da universidade, favorecendo na escola a análise permanente de práticas; 4) da formação inicial e continuada; 5) da formação continuada pautada no coletivo e no desenvolvimento profissional dos professores.

Foi levando em consideração esses cincos aspectos que o NEFD foi pensado, a fim de trazer esse subsídio para as professoras, e na tentativa de trazer impactos na forma como as práticas pedagógicas foram pensadas e materializadas no contexto do AEE da APAE.

Fazendo uma analogia dessas reflexões no campo educacional para as pessoas com deficiência, embora o professor na sua prática pedagógica diária vá se “especializando”, tendo mais intimidade com as estratégias de ensino para as pessoas com deficiência, sabe-se que outras demandas são exigidas no AEE. Em única sala, o professor se depara com vários alunos, cada um com suas

peculiaridades. Alguns alunos com limitações maiores, decorrentes da severidade da deficiência, o que na maioria das vezes não permite o trabalho ficar recorrente e estável.

Acredito que incorporar na sua prática cotidiana a reflexividade crítica exige uma autorreflexão constante, o que não é tão simples assim. Outra problemática que podemos levantar é que muitos educadores não têm a atitude periódica de refletirem sobre suas ações, sobre o seu EU professor, e acabam por realizar e/ou organizar seu trabalho pedagógico de maneira intuitiva.

Podemos mencionar aqui o teórico Stenhouse, que trouxe a ideia da singularidade das situações educativas. A ideia discutida é que cada sala de aula, cada aluno, cada situação do processo de ensino e aprendizagem carregam características que são únicas e singulares e, por isso, é impossível o docente dispor de um conhecimento com métodos a serem seguidos no ensino ou de uma uniformização dos processos educativos. A proposta defendida é que se atendam as especificidades que cada situação, classe, aluno apresenta (STENHOUSE, 1987 apud CONTRERAS, 2012).

Nóvoa (1992, p.25), preocupado com a formação de professores, sistematizou uma perspectiva de formação crítica e reflexiva com o objetivo de fornecer “aos professores os meios de um pensamento autônomo, e que facilite as dinâmicas de autoformação participada, com vistas à construção de uma identidade profissional”. O mesmo autor aponta para três aspectos vinculados a essa formação, que são: produzir a vida do professor, produzir a profissão docente e produzir a escola, que serão detalhados a seguir, com base nas reflexões de Nóvoa (1992):

Produzir a vida de professor - Tem a pretensão de possibilitar aos

professores um espaço de socialização entre as dimensões pessoais e profissionais, e isto significa dizer que, na medida em que os educadores apreendem os saberes e conteúdos da sua formação, os mesmos podem concretizá-los através de sua prática pedagógica e da experiência compartilhada com os demais atores sociais.

Produzir a profissão docente – Prioriza uma formação que instiga a

constituição da reflexividade crítica, com a responsabilidade da própria ampliação profissional e que seja ativa na sistematização de implementação das políticas educacionais.

Produzir a escola – versa em apontar o ambiente escolar como um local não

só de atuação, mas de formação permanente, integrada no cotidiano dos professores e da escola.

A partir desses três aspectos, o autor evidencia uma “dimensão outra” para pensar a formação do professor, pois reúne a necessidade de socialização de saberes, a constituição da reflexividade crítica e uma formação que tem consonância com o cotidiano da prática docente. Portanto, existe a necessidade de sistematizar propostas de formação continuada que possa reverberar nas práticas pedagógicas dos professores.