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Após a pesquisa participante realizada de abril de 2013 a dezembro de 2014, bem como a leitura e análise das tessituras da estratégia formativa a partir da implantação do Núcleo de Estudos e Formação Docente, com as professoras que atuam no AEE com alunos com deficiência intelectual e/ou múltiplas da APAE de Feira de Santana, é possível agora tecer algumas exposições que elucidam a intencionalidade da pesquisa.

Nesse sentido, a proposta não é trazer dados determinantes, definitivos e decisivos. Mas, a partir dos dados recolhidos e analisados, apontar algumas pistas e possibilidades acerca do objeto de estudo pesquisado.

A tese defendida neste estudo é que uma estratégia de formação continuada, baseada nas teorias do vínculo afetivo, da reflexividade crítica e da formação experiencial, é uma possibilidade para o enfrentamento das dificuldades encontradas nas práticas pedagógicas de professoras de alunos com deficiência intelectual e/ou múltipla.

Além de focalizar as melhorias nas práticas pedagógicas, o olhar firmou-se nas possibilidades sócio afetivas que os encontros pedagógicos puderam proporcionar às professoras participantes. Podemos afirmar que a concepção de formação continuada aqui revelada ultrapassa cursos isolados, mas atende a uma dimensão de formação científica e de fortalecimento dos vínculos afetivos e pedagógicos.

Para defender essa dimensão foi necessário compreender as relações e inter- relações no lócus da pesquisa por muito tempo, pois os resultados evidenciaram que, muitas vezes, as professoras precisam de apoio, amparo, socialização de suas dificuldades e não apenas uma mera repetição de conceitos sobre deficiências. Mas, além disso, compreensão de seus anseios e desejos pedagógicos. Por isso, a escuta sensível foi fator crucial para que pudesse perceber nas narrativas e atitudes das professoras as suas necessidades afetivas no ambiente escolar. Professoras que choravam nos encontros pedagógicos ao relatarem sobre a regressão de aprendizagem de seus alunos, outras que choravam pela morte da aluna que estava se desenvolvendo tão bem, a emoção de algumas ao relatarem que, às vezes,

sentiam-se perdidas em organizar o trabalho pedagógico para os alunos com Transtorno Global do Desenvolvimento... Enfim, as questões afetivas permeavam todos os encontros e elas precisavam ser ouvidas e terem suas experiências compartilhadas.

O fato de não ter realizado observações diárias na sala de aula das professoras não permitiu afirmar se essa práxis foi mecânica e repetitiva. Contudo, as conversas realizadas durante os encontros pedagógicos e também os discursos das coordenadoras pedagógicas permitem inferir que houve reflexos positivos no cotidiano escolar.

Diante dos dados, podemos constatar que a formação continuada, nos moldes em que foi pensada e aplicada, constitui-se como uma alternativa para ressignificar as práticas pedagógicas e sanar muitas das problemáticas e lacunas que são deixadas pela formação inicial. Acredito que há uma necessidade emergencial em repensar a forma como os cursos de graduação têm organizado suas grades curriculares e conduzido a formação dos seus acadêmicos, pois da forma como se encontra atualmente, afirmamos que uma estratégia formativa sistematizada a partir da experiência docente, reflexividade crítica e vínculo afetivo é uma possibilidade de concretizar práticas mais conscientes, inovadoras e colaborativas, que ajudam a enfrentar os desafios e dificuldades no AEE.

O título deste capítulo, “uma reconversão do olhar para materializar a inclusão”, tem sentido de apontar também pistas em que práticas inclusivas possam ser mais exitosas se forem alvo das estratégias formativas diferenciadas. Sabemos que muito se tem discutido acerca da inclusão escolar e muitos problemas ainda se encontram atrelados a como solidificar a inclusão nas escolas. Por isso, houve a intenção de colocar a reconversão aqui, pois dá a ideia de transformar uma coisa que já havia sido transformada antes.

Os debates sobre como incluir alunos com deficiência43 têm tomado novos contornos; mas, nas salas de aula, os professores têm encontrado desafios cada dia maiores para poderem cumprir leis que são aprovadas. Estudos em várias regiões do país apontam dificuldades em garantir o processo de ensino e aprendizagem aos

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Embora reconheça que a inclusão escolar esteja vinculada a todos os alunos, ao longo do estudo o foco foi nas pessoas com deficiência, pois se constituem como objeto de estudo.

alunos, tais como: falta de preparação profissional e de conhecimentos acerca das deficiências, falta de materiais adaptados, falta de suporte da equipe escolar.

Não podemos esquecer que a Declaração de Salamanca (1994) foi um marco para a inclusão escolar, determinando que as escolas devam ser capazes de desenvolver uma escolarização centralizada na criança, independente da deficiência que possua, mesmo as que apresentam deficiências graves. Fica expresso no documento que a aprendizagem deve, portanto, ajustar-se às necessidades de cada criança, em vez de cada criança se adaptar aos supostos princípios quanto ao ritmo e à natureza do processo educativo.

A partir desse contexto, questionamos: como defender que a efetivação da escola inclusiva necessita de um novo olhar e aperfeiçoamento nas práticas pedagógicas, sem oferecer uma formação inicial e continuada de qualidade aos professores? A formação docente é peça fundamental ao falar de inclusão escolar, mas não me refiro aqui a qualquer tipo de formação, mas a uma estratégia formativa centrada na realidade de seus participantes, preocupada com a atualização científica, a reestruturação de práticas, a legitimação dos saberes pedagógicos, e calcada em estudos de casos reais deparados pelos professores diariamente. Defendo ainda, uma formação para professores de salas distintas e escolas distintas, para que possam socializar e transformar suas experiências e saberes em conteúdos de formação.

Por isso, ouso apontar para a possibilidade da estratégia formativa pesquisada e narrada neste estudo ser ampliada e adaptada a vários outros contextos e escolas variadas do Brasil e do mundo, como um esforço de reconverter o olhar para a inclusão escolar.

A estratégia formativa formulada nesta tese se constitui numa possibilidade de superar as problemáticas enfrentadas pelos professores cotidianamente, além de estreitar os laços entre a escola regular e o Atendimento Educacional Especializado. O fato de valorizar os saberes científicos, pedagógicos, as experiências dos professores, e de sistematizar a realização de tarefas a partir de grupos operativos, em que a socialização e a ação colaborativa são fatores cruciais, permite que os conhecimentos, anseios, dúvidas e incertezas sejam dialogados e seja o fio tecedor de novas formas de intervenção junto aos alunos.

Segundo Oliveira (2009, p. 64) “uma escola que se pretende ser inclusiva, deve proporcionar uma abertura às ideias do outro, ou seja, proporcionar uma abertura ao diálogo entre a educação regular e a educação especial, não de forma dicotômica, como se observa na maioria das vezes, mas de forma que um complemente a outra” A partir dessa conjuntura de elementos discutidos até aqui, é possível apontar para alguns caminhos que acreditamos ser plausíveis:

 O NEFD ofereceu apoio às professoras subsidiando suas ações e reflexões, bem como apontando caminhos para superarem as dificuldades encontradas no cotidiano escolar;

 A interação e os vínculos afetivos devem permear toda a trajetória pedagógica das professoras e precisam ser aspectos primários na formação de professores;

 Os encontros pedagógicos da escola podem ser entendidos como espaços formativos;

 A formação a partir das experiências se constitui como uma via colaborativa para o aprendizado coletivo;

 Existiram mudanças nos elementos estruturantes da prática pedagógica (decisões, princípios, ideologias, estratégias) das professoras participantes do NEFD;

 A participação no Núcleo e a troca de experiências entre as participantes melhorou a organização da prática pedagógica para alunos com deficiência intelectual e/ou múltiplas;

 Após a participação das professoras no NEFD fortaleceu-se o vínculo afetivo entre as professoras e aumentou o hábito de trabalhar em grupo dentro da instituição;

 A presença sensível das professoras serviu como amparo e conforto em situações de enfrentamento das dificuldades da prática pedagógica;

 A participação nos encontros pedagógicos incentivou a constituição de professores reflexivos e estimulou a discussão coletiva dos saberes produzidos no AEE.

Os dados desse estudo, apesar de serem dados de uma única instituição da APAE, ilustram que existe a necessidade de repensar a formação de professores dentro do ambiente escolar para que a mesma não continue sendo concebida de forma amortizada, mas que seja possível repensar os processos formativos que levem em consideração as diversas manifestações de saberes docentes, pois reconheço que para ser professor é preciso contemplar no âmbito da formação não apenas saberes técnicos, porque os professores vão lidar no seu cotidiano com saberes de outra ordem: os didáticos, experienciais, curriculares, pedagógicos, políticos, culturais, afetivos.

Por isso, é necessária uma série de estudos enriquecedores para que possamos identificar de que forma poderemos minimizar as problemáticas que estão atreladas à formação docente, principalmente dentro de um cenário de sociedade inclusiva.

REFERÊNCIAS