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Capítulo 1. Enquadramento Teórico

1.2. Comunidade e a Identidade

1.2.4. Diferentes leituras de uma mensagem audiovisual

Para podermos compreender as razões que levam a que uma mesma imagem possa ser compreendida de maneira diferente por um conjunto de pessoas, é preciso não só analisarmos a imagem em questão, como também perceber o contexto histórico/social/cultural em que está inserida e analisar a própria audiência que recebe e descodifica essa imagem. Banks (2001: 15-16), considera que o significado não provém apenas das imagens em si, mas sim do contexto social de onde estas vieram. Esta posição é partilhada Campos que refere que a imagem “(...) é, portanto, factor de firme envolvimento comunitário, está densamente carregada de significado simbólico (...)” (2013: 12).

Uma imagem traz consigo aquilo que ela é, o texto, e pode ser apenas interpretada dessa forma, por aquilo que é: todavia esse texto pode conter em si camadas que podem ser interpretadas de uma outra maneira pelos indivíduos.

16 Sigla de “Visual for quality television”.

Um dos autores que explicou as trocas de comunicação foi o linguista e filosofo, Saussure (2011). Este autor argumentou que o processo de comunicação humana está dependente da criação de signos - palavras, imagens, objectos, acções, por exemplo. Sem transmissão de signos, de pessoa para pessoa, a comunicação não acontece.

Os signos podem ser simples (imagem de um animal por exemplo) ou complexos marcadores que contêm informação relativa à ideia/objecto que se estão a referir. Estão dependentes e são definidos por dois elementos: o significante e o significado.

Para Barthes (1984: 75–79), o conteúdo, significado e representação da imagem depende de dois aspectos fundamentais: o cunho denotativo, a representação literal do real; e o cunho conotativo, ou seja, significados, que são diferentes consoante as culturas e respectivo sistema simbólico. Campos entende igualmente “(...) [a] imagem, adquire significados oscilantes e é de difícil distinção.” (2013: 11).

Hall no seu ensaio “Enconding/Decoding” (2005) abordou a maneira como as audiências interpretam e descodificam os “textos media”: a audiência descodifica ou interpreta as mensagens dos conteúdos media, dependendo do background cultural individual, económico e experiências pessoais. Esta posição é também partilhada por Livingstone que considera que a interpretação de cada indivíduo depende dos “(...) symbolic resources associated with their socio-economic position, gender, ethnicity, and so forth.” (2003: 343). Philo e Miller acrescentam ainda que a interpretação das mensagens está igualmente relacionada com o significado que cada indivíduo atribui individualmente às mensagens que vê: “(...) audiences create their own meanings from the text (...) The suggestion is that a text will mean completely different things to different audiences.” (2001).

Sullivan argumentou que a interpretação da audiência serve como uma liberação face ao texto original (2012: 135). Isto acontece uma vez que a ligação entre os signos e os referentes nunca é a mesma, porque está dependente do perfil da audiência, o que faz com a interpretação dos objectos seja sempre diferente: “(...) the connection between signs and referentes is not given or «natural», but is instead the result of human social relations and the rules of particular symbolic codes.” (2012: 138).

Para Hall, existem dois momentos cruciais nas trocas de comunicação: encoding e o decoding. O primeiro momento determinante, para as trocas de comunicação, acontece quando o emissor codifica correctamente a mensagem. Para que possa ser transmitido na televisão a mensagem visual tem que ser transformada correctamente

em discurso televisivo, ou seja, mais do que ser um evento comunicativo tem que “(...) become a story.” (2005: 118), para que o publico crie empatia e familiaridade com o que está a ver.

O segundo momento acontece quando o significado é descodificado com sucesso. Segundo Hall apenas quando o encoding e o decoding acontecem é que existe um processo de comunicação, e só assim, a mensagem contida nessa mesma comunicação pode ter efeito sobre o espectador: “(...) influence, entertain, instruct or persuade (...)” (2005: 119).

Existe, no entanto, a possibilidade de os códigos da fonte e do receptor não serem simétricos, o que faz com que os níveis de “entendimento” e “não entendimento” como Hall afirma, nos processos de comunicação não sejam os mesmos (2005: 119).

Apesar de cada interpretação ser bastante singular, existem por vezes determinados grupos de audiências que constroem leituras, daquilo que estão a ver, texto ou subtexto, muito semelhantes e encontram significados iguais para a mesma coisa. Fish chamou a estas audiências as “comunidades interpretativas” (1980: 14): as interpretações do texto original que são partilhadas ajudam a delimitar e a definir as diferentes comunidades e subcomunidades fandom. Igualmente, as diferentes expressões artísticas destas comunidades e subcomunidades contribuem para a formação destas comunidades interpretativas (Stein e Busse 2009:197).

Segundo Hall, existem três razões para explicar o media decoding. A primeira é a que algumas audiências têm uma posição de hegemônica dominante, em que a audiência aceita a mensagem segundo os códigos em que foi criado, aceitando-a sem a questionar e com os códigos que lhe foram atribuídos. A segunda é uma posição negociada, onde a audiência interpreta a mensagem com uma mistura de elementos adaptativos e opostos (2005: 127): descodifica a mensagem segundo os códigos convencionais mas também segundo as suas próprias experiencias individuais. A terceira é de que algumas audiências descodificam a mensagem de uma maneira globalmente contraditória: o espectador descodifica a mensagem com os códigos que considera preferenciais, o que faz com que a mensagem seja apreendida de uma forma diferente, alternativa à original (2005: 127). Nesta última posição a audiência foca-se assim no significado conotativo dos signos, ou seja, o subtexto.

Fiske (1987) também estudou as audiências e a televisão, processo ao longo do qual percebe que a audiência têm um poder muito grande nos conteúdos, posição igualmente defendida por Fish (1980), Hobson (1991) e Larsen e Zubernis (2012).

Hobson acrescenta ainda que um “(...) program is made by its production team (...) but only exists as a means of communication or cultural form when it is transmitted and received by the viewers.” (1991: 167). Fish considerou que só existem textos se estes forem experienciados por uma audiência: “(...) the reader’s response is not the meaning; it is the meaning.” (1980: 3). As audiências vão desenvolver interpretações que coincidem com os seus interesses e experiencias com o texto ou colecção de textos. Este mesmo autor, enfatizou ainda que as estratégias de interpretação “(...) exist prior to the act of reading and therefore determine the shape of what is read rather than (..) the other way around.” (1980: 171-177). Estes processos de descodificação começam quando a audiência recebe o conteúdo, descodifica e lhe associa significados e diferentes leituras, o que faz com este processo criativo sirva, para além de trazer prazer à própria audiência, como uma fonte de “enduring popularity” (Sullivan, 2012: 154) para a própria série de televisão.

Fiske considera os programas televisivos são um texto aberto (1987: 39), um texto polissémico (1987: 52) e ainda um “(...) producerly text.” (1987: 76). Estas três características, têm a capacidade de levar a que o espectador utilize as competências que já possui e cada espectador tem a capacidade de interpretar à sua maneira aquilo que está a ver. Não existe apenas um significado universal para toda a audiência. Este somatório faz com que a audiência participe numa “democracia semiótica” (1987: 195).

Um exemplo de como a televisão tem “producerly text” está nas séries de televisão, cuja programação obedece a épocas intervaladas o que faz com que as audiências nesses intervalos de tempo imaginem o que vai acontecer, levando a “excessos semióticos” (Fiske, 1987: 72). Os media fandoms são assim um exemplo do efeito destes excessos semióticos, uma vez que vão dissecando cada aspecto das séries, especulando sobre as mesmas e criando conteúdos sobre os objectos media originais.

Entre as experiências que informam os media fandom estão “(...) past experiences with other media.” (Sullivan, 2012: 154) ou intertextualidade, a qual pode ser definida como:”(...) the fundamental and inescapable interdependece of all textual meaning upon the structures of meaning proposed by other texts” (Gray, 2006: 3-4). Esta definição salienta o facto de as audiências não interpretarem as series de uma maneira isolada, mas sim a partir de outras mensagens/conteúdos a que já tenha assistido. Os conteúdos criados pelos fandoms, nomeadamente os fan videos, podem

ser entendidos como exemplos de produção intertextual, mas simultaneamente são um reflexo dessa mesma intertextualidade (Busse e Stein, 2007: 193).

A complexidade das ligações não se estabelece apenas entre a fonte original do texto e os fãs e entre os fãs, estabelece-se também entre os fãs e os próprios autores e/ou produtores. Estas ligações estabelecem-se no sentido em que os argumentistas/produtores tentam influenciar a opinião dos fãs, na medida em que podem manipular as mensagens contidas no texto original (texto vs subtexto), dado que o seu interesse é manter as audiências e atrair fãs. Mas o inverso também se verifica, existe também uma tentativa dos próprios fãs manipularem ou pressionarem os argumentistas/produtores para que a sua vontade prevaleça. Esta disputa de poder entre produtores/argumentistas e fãs tem-se tornado ao longo dos anos menos prejudicial para os fãs, na medida em que a cultura participativa e as mudanças tecnológicas vieram munir os fãs de forma a perpetuarem e transformarem os conteúdos originais em algo novo e que os satisfaça de alguma maneira.