• Nenhum resultado encontrado

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1. Digestão anaeróbia de efluentes e resíduos

A digestão anaeróbia é amplamente empregada em todo o mundo para tratamento de esgoto, lodo de esgoto ou biosólidos, uma vez que a redução da demanda química de oxigênio (DQO) ocorre com a produção de metano, que pode ser utilizado para geração de energia térmica e/ou elétrica (KHAN et al., 2016a). Além da produção do CH4, existem estudos acerca do emprego da digestão anaeróbia para a produção de hidrogênio e ácidos graxos voláteis (AGVs) que são matéria prima para obtenção de diversos produtos de valor agregado (KHAN et al., 2016b). Dessa forma, a digestão anaeróbia se enquadra na definição de biorrefinaria proposta por Diep e colaboradores (2012) como instalações que convertem biomassa ou a fração orgânica de efluentes em energia e/ou produtos químicos de modo sustentável.

A digestão anaeróbia ocorre em função da presença de um consórcio microbiano formado por micro-organismos hidrolíticos, acidogênicos, acetogênicos e metanogênicos, os quais atuam de forma combinada e coordenada para degradar a matéria orgânica na ausência de oxigênio molecular (AMAYA; BARRAGÁN; TAPIA, 2013; AQUINO; CHERNICHARO, 2005). A Figura 2.1 apresenta de forma esquemática as etapas que compõe a digestão anaeróbia.

31 Figura 2.1. Representação esquemática das principais etapas do processo fermentativo anaeróbio (adaptado de Rittmann e MCcarty (2001)

Na hidrólise as bactérias fermentativas hidrolíticas liberam exoenzimas que hidrolisam os materiais particulados complexos em materiais mais simples, o que os possibilita atravessar as paredes celulares dos micro-organismos. Nesse caso, as proteínas são degradadas a aminoácidos, carboidratos complexos são transformados em açúcares solúveis (mono e dissacarídeos) e os lipídios são convertidos em ácidos graxos de cadeia longa e glicerina. A taxa da hidrólise é considerada um fator limitante para a taxa global de digestão anaeróbica de resíduos lignocelulósicos (CHERNICHARO, 1997)

Na etapa acidogênica os micro-organismos anaeróbios fermentam os produtos da hidrólise em compostos orgânicos simples como os ácidos graxos voláteis - AGVs (principalmente os ácidos acético (C2), propiônico (C3) e butírico (C4)), álcoois, cetonas, dióxido de carbono e hidrogênio (CHERNICHARO, 1997). Esses micro-organismos são os que mais se beneficiam energeticamente e, por conseguinte, as bactérias acidogênicas possuem baixo tempo mínimo de geração (~30 minutos) e as mais elevadas taxas de crescimento do consórcio microbiano (AQUINO; CHERNICHARO, 2005).

A reação que fornece às bactérias acidogênicas um maior rendimento de energia para o crescimento é a de conversão da glicose em ácido acético, equação (2.1). Já a formação de ácido butírico e propiônico, como será detalhado adiante, é a resposta das bactérias à acumulação de hidrogênio durante sobrecargas, equações (2.2) e (2.3) (MOSEY, 1983).

32 C6H12O6 + 2H2O → 2CH3COOH (acético) + 2CO2 + 4 H2 ∆Go = -206 kJ(2.1) C6H12O6 → CH3CH2CH2COOH (butírico) + 2CO2 + 2 H2 ∆Go = -255 kJ(2.2) C6H12O6 + 2 H2 → CH3CH2COOH (propiônico) + 2 H2O ∆Go = -358 kJ(2.3) Já na etapa acetogênica, microrganismos sintróficos são responsáveis pela oxidação dos produtos gerados na fase acidogênica em acetato, hidrogênio e dióxido de carbono. O termo sintrófico é usado porque a existência dos mesmos depende da atividade de micro- organismos consumidores de hidrogênio, uma vez que as reações acetogênicas só são termodinamicamente favoráveis (∆Go<0, variação da energia livre de Gibs padrão) em baixas concentrações de seus produtos -hidrogênio e acetato- de acordo com as equações (2.4) e (2.5). (AQUINO; CHERNICHARO, 2005).

CH3CH2COOH (propiônico) + 2H2O → CH3COOH (acético) + CO2 + 3H2 ∆Go = 76,1 kJ(2.4) CH3CH2CH2COOH (butírico) + 2 H2O → 2CH3COOH (acético) +2H2 ∆Go = 48,1 kJ(2.5) Na fase metanogênica os micro-organismos atuantes são as arqueias metanogênicas, as quais são consideradas um subgrupo do domínio Arqueia e são micro-organismos anaeróbios obrigatórios. Em função da afinidade pelo substrato as arqueias metanogênicas podem ser divididas em metanogênicas acetoclásticas (utilizam o ácido acético como substrato) e hidrogenotróficas (utilizam o hidrogênio como substrato). Há ainda as bactérias nitrato- redutoras (BNR) e as bactérias sulfato-redutoras (BSR) que fazem uma ‘respiração anaeróbia’, ou seja, utilizam sulfato e nitrato como aceptores finais de elétrons na presença de hidrogênio (produzido nas reações acidogênicas e acetogênicas) para formar nitrogênio e sulfeto, respectivamente (CHERNICHARO, 2007).

Os micro-organismos metanogênicos acetoclásticos são os mais importantes do consórcio microbiano para produção de CH4, haja vista que são responsáveis por aproximadamente 70% da produção desse gás, de acordo com a equação (2.6) (AMAYA; BARRAGÁN; TAPIA, 2013):

CH3COOH → CH4 + CO2 ∆Go = -31 kJ(2.6)

Tais micro-organismos são de crescimento lento, com um tempo de geração entre 2 e 3 dias à 35oC e, além disso, são dependentes das bactérias produtoras de ácidos, haja visto que a alta velocidade de crescimento das bactérias acidogênicas (2-3 horas à 35oC) gera uma sobrecarga de ácidos quando ocorre sobrecarga orgânica (MOSEY, 1982). A elevada geração de ácidos pode ocasionar em um abaixamento do valor de pH caso a alcalinidade não seja

33 suficiente para tamponar o sistema. Este pH fora da neutralidade afeta seriamente as metanogênicas que já são de crescimento lento. A elevação da geração de ácidos leva ao acúmulo da pressão parcial de hidrogênio, o que desencadeia o crescimento de organismos consumidores de hidrogênio (Ex. reações de produção de ácido propiônico) ou que produzem pouco hidrogênio (Ex. reação de produção de ácido butírico) levando a conversão da matéria orgânica em outros produtos que não os substratos diretos da metanogênese (ácido acético). Isso leva ao acúmulo de AGVs no meio, que tende a abaixar o pH e diminui, ainda mais, o crescimento das metanogênicas. Esse processo pode ocasionar na falha completa do sistema anaeróbio, caso seja concebido para produção de biogás.

O metano também pode ser produzido por micro-organismos hidrogenotróficos a partir da redução de dióxido de carbono (equações (2.7)).

4 H2 + CO2 → CH4 + 2 H2O ∆Go = -33,9 kJ(2.7)

Nessa via de formação de metano o aceptor final de elétrons é o oxigênio combinado, na forma de CO2 dissolvido ou bicarbonato, e por isso é também conhecida como respiração anaeróbia. As arqueias metanogênicas hidrogenotróficas são de mais rápido crescimento (tempo de geração mínimo de 6 horas) e, além de contribuírem para produção de em média 30% do metano gerado, são responsáveis por regular a velocidade da degradação de propionato e butirato devido à quantidade de hidrogênio que fica disponível no meio (AQUINO; CHERNICHARO, 2005; MOSEY, 1983).

Os micro-organismos metanogênicos são muito suscetíveis às alterações ambientais, tais como variações bruscas de temperatura, oscilações de pH, aumento na concentração de ácidos orgânicos e presença de material tóxico no meio (SPEECE, 1996), como será detalhado na seção a seguir.