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2.4 Um Breve Caminhar sobre a Evolução Histórica e Conceitual da Dignidade

2.4.1 Dignidade da pessoa humana

A dignidade é qualidade moral que, possuída por alguém, serve de base ao próprio respeito em que é tida. Segundo dicionários jurídicos a palavra dignidade aparece também associada à respeitabilidade - originário do latim respectus, que significa consideração, merecimento. A respeitabilidade relaciona-se com o conjunto de qualidades atribuídas à pessoa e que a fazem merecedora, de atenção por seus semelhantes (ZISMAN, 2005)

O sentido de dignidade para a pessoa humana (do latim dignitas que significa “valor intrínseco”, “mérito”, “prestígio”, “estima”, “nobreza”) deve ser valorizado na construção de toda e qualquer definição, irrelevante o paradigma que se leve em conta e corroborando com o entendimento de que a dignidade, assim como outras categorias, não deve ser entendida apenas sob o enfoque jurídico (KANT, 2005 apud SARLET, 2008). Kant referiu expressamente que o Homem constitui um fim em si mesmo e não pode servir “simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”.

A dignidade da pessoa humana na Antiguidade Clássica pautava-se quase que exclusivamente pelos atributos externos do indivíduo, sendo mais digno aquele que ocupava importante posição na sociedade (mulheres e escravos viviam à margem da sociedade). Não havia,

portanto, a concepção de dignidade da pessoa humana como algo inerente ao ser humano (SARLET, 2011).

Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Eles são dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (DOTTI, 1998, p.9). Embora venha sendo discutido desde os gregos, o conceito de dignidade ainda se apresenta como um tema relativamente recente no contexto das organizações.

Para se compreender claramente o significado e o conteúdo da dignidade da pessoa humana é no mínimo uma tarefa difícil de ser obtida. Segundo Michael Sachs uma das maiores dificuldades para essa compreensão reside no fato de não se cuidar de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente ou, como preferem outros, atribuída a todo e qualquer ser humano. Pelo pluralismo e diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas6, vale lembrar que a dignidade evidentemente não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida em que este a reconhece7 (SARLET, 2011).

O fato de os seres humanos (todos) serem dotados de razão e consciência representa justamente o denominador comum a todos os homens, expressando em que consiste sua igualdade (MIRANDA, 1988). Aqui, outra abordagem merece ser trazida - a de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e da comunidade em geral (SARLET, 2011). O autor apregoa que como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente cirando as condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo, portanto, dependente (a dignidade) da ordem comunitária.

Ainda na tentativa de clarificação do sentido da dignidade da pessoa humana, deve-se considerar que apenas a dignidade de determinada pessoa é passível de ser desrespeitada, quando inexistem atentados contra a dignidade da pessoa em abstrato. Essa ideia já era apresentada no pensamento Kantiano, através da sua concepção de que a dignidade constitui atributo da pessoa humana individualmente considerada. Segundo ele não se deverá confundir as noções de dignidade da pessoa e de dignidade humana, quando esta for referida à humanidade como um todo (SARLET, 2011). Vale ressaltar que Miranda, 1988 (apud ZISMAN, 2005, p.24) diferencia dignidade da pessoa humana e dignidade humana. Para este autor, dignidade da pessoa humana estaria relacionada ao homem concreto e individual; enquanto a expressão dignidade humana dirigir-se-ia a todos os homens, como um conjunto.

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Extraído de obra de E. Pereira de Farias, Colisão de Direitos, p. 50, por sua vez arrimado nas lições de Gomes Canotilho e de Celso Lafer.

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Referendado por M.A.Alegre Martinez, La Dignidad de la persona..., p. 21; J. Afonso da Silva, A dignidade da pessoa humana..., p. 91, inspirado em Kant; e mais recentemente, C.L. Antunes Rocha, O princípio da dignidade da pessoa..., p. 26.

A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada em 1948, pelas Nações Unidas, influenciada pelas concepções de Kant, sugere a existência de um dever de respeito no âmbito da comunidade dos seres humanos (SARLET, 2011). Em suas obras, Kant defende que o homem não pode ser traduzido em um valor, por compreender que ele está acima de qualquer preço, não possuindo equivalentes em razão da sua dignidade. Ao não ser passível de substituição, a vida humana representa a razão principal da própria vida humana (ARAÚJO, 2011).

Zisman (2005) expõe a sua preocupação em não existir ainda um poder efetivo de uma ordem internacional para garantir a proteção à dignidade da pessoa humana. A autora faz menção à existência da ONU - Organização das Nações Unidas, como uma tentativa de assegurar esse direito. Não obstante o fato da ONU ser formada por quase todos os Estados do mundo, estes detectam os desrespeitos aos direitos fundamentais, fiscalizam e notificam os violadores, mas ainda não possuem poder para impor as regras basilares de proteção à dignidade da pessoa humana. A autora ainda chama a atenção para a dificuldade de como se estabelecer regras internacionais, como formalizar o direito internacional consuetudinário (a partir dos costumes), se são tão distintas as culturas.

Para Günter Dürign na citação de Sarlet (2004, p. 44-45), “... a dignidade da pessoa humana consiste no fato de que “cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como de formatar a sua existência e o meio que o circunda.”

Comparato (2001, p. 28), referindo-se aos direitos humanos em geral e, fazendo alusão à ideia de inerência, adverte que “... o ser do homem não é algo de permanente e imutável: ele é, propriamente, um vir-a-ser, um contínuo devir8”. O autor ainda afirma que cada indivíduo é moldado não apenas pelo seu próprio passado, mas também pelo passado coletivo do momento em que vive. O ser humano é permanentemente inacabado, como indivíduo e como sociedade.