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TÍTULO I – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2. DIGNIDADE SOCIAL DA PESSOA HUMANA

2.4 Dignidade social e bem-estar material

No contexto da dignidade social sob a perspectiva de heteronomia e reconhecimento, observa-se que o ser humano que não é reconhecido não é somente aquele que se sente ou é efetivamente menosprezado ou desvalorizado em suas atitudes, crenças ou representações. O ser humano sem reconhecimento tem negado o próprio status de participante na interação social, a partir de padrões culturais ou econômicos institucionalizados que qualificam alguém como desmerecido de respeito ou estima.187

A também examinada noção de autonomia traduz a noção de que a pessoa possa decidir, por si própria, o que pensar e o que fazer de sua vida ou, nas palavras de Rawls, seja capaz de “emoldurar, revisar, buscar uma concepção de bem e deliberar em conformidade com ela”.188 Do mesmo modo, considerando a já alentada ligação entre dignidade inerente,

autonomia e livre desenvolvimento da personalidade, tem-se que a dignidade da pessoa humana “depende não simplesmente de ter o indivíduo capacidades subdesenvolvidas e subutilizadas de autonomia e liberdade, mas também de seu exercício; não somente em ser

capaz de ser autônomo, mas também de ser realmente autônomo.”189

Ora, com base na noção hegeliana de liberdade subjetiva e considerando o ser humano necessariamente integrado em uma comunidade, a dignidade da pessoa humana perpassa então, necessariamente, pela capacidade de auto-afirmação do indivíduo no plano social que o rodeia.

Nesses termos, a dignidade somente é viável quando houver promoção das condições de uma contribuição ativa do indivíduo para a formação, reconhecimento e proteção do conjunto de direitos e liberdades coletivas.190 Por isso, exige “que se criem

condições reais para que também a pessoa seja autora e participante de sua realização”191, sem

as quais não se pode ser realmente autônomo.

Retomando a idéia hegeliana de formação do sujeito (Bildung), tem-se que a promoção da dignidade social depende então de uma política ativa de reconhecimento

187 FRASER, Nancy. Rethinking recognition. New Left Review, n.3, London, maio-jun/2000, p. 113-114. 188 RAWLS, John. Liberalismo Político. Ed. Presença. Lisboa, 1996, p. 72.

189 GRIFFIN, James. On human rights. Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 181.

190 MODERNE, Franck. La Dignité de la Personne comme Principe Constitutionnel dans les Constitutions Portuguaise et Française. In: MIRANDA, Jorge (Org.). Perspectivas constituicionais: Nos 20 anos da Constituição de 1976, v. I. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 198-199.

191 LEDUR, José Felipe. A realização do direito ao trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 101.

institucional sob o aspecto de (re)distribuição de bens e serviços.192 A falta de provisão de

certos bens e serviços tidos como fundamentais pelos padrões prevalentes da comunidade acaba por excluir os indivíduos afetados de uma integral participação na sociedade, negando- lhes reconhecimento193 e, por conseguinte, dignidade.

Observa bem Peter Singer que a pobreza é geralmente caracterizada “por um degradante estado de impotência”194, o que demonstra que a experiência de viver desprovido

de reconhecimento e, portanto, de dignidade, é intimamente ligada com a insatisfação de necessidades materiais.195

A disponibilidade de determinadas condições materiais, por sua vez, mostra-se empiricamente como condição necessária para que uma pessoa seja efetivamente autônoma. Cécile Fabre expõe claramente essa perspectiva, razão pela qual vale transcrever suas palavras196:

Se temos sede, frio, fome, doenças ou estamos desabrigados, não temos capacidades intelectuais e físicas de estabelecer e rever um conceito de vida boa, muito menos de buscá-la. Assim, necessitamos de dinheiro para comprar comida, água e vestimentas, bem como tratamento médico e moradia. Além disso, para ter alguma capacidade intelectual, necessitamos de alguma educação. Da mesma forma, não podemos ser autônomos se não temos acesso às oportunidades oferecidas pela sociedade. Por

192 FRASER, Nancy. From redistribution to recognition? Dilemmas of justice in a ‘post-socialist’ age’. New Left Review, n. 212, London, jul/ago, 1995, p.69. Segue a autora: “Até as mais materialistas instituições econômicas têm uma dimensão cultural constitutiva e irredutível; (…) Por outro lado, até as mais discursivas práticas culturais têm uma dimensão político-econômica constitutiva e irredutível; elas são fixadas por suportes materiais” Idem, p. 72 .

193 Assim, segundo Neomi Rao, “O Estado reconhece indivíduos mediante o fornecimento de proteção ou bem-estar social e confirmar sua integral participação na comunidade política e social. Isso é particularmente verdadeiro em países com extensivos sistemas de seguridade social nos quais há uma expectativa de certos bens financiados pelo governo e a exclusão desses bens podem explicitamente colocar alguém fora da comunidade”. RAO, Neomi, Three concepts of dignity in Constitutional Law. Notre Dame Law Review, Vol. 86, No. 1, maio/2011, p. 266. .

194 SINGER, Peter. Thelife you can save: acting now to end world poverty. New York: Random House, 2009, p. 6. . Essa obra baseia-se em entrevistas de sessenta mil pessoas pobres de setenta e três países sobre sua concepção de pobreza. Também sob o exame da questão da pobreza, Rainer Forst diz que “a violação da dignidade consiste em ser ignorado, não contar, ser ‘invisível’ para o propósito de relações sociais legitimizantes. Em assuntos referentes à dignidade humana, portanto, não se deve pensar em termos de finalidade, de condições (objetivas ou subjetivas) ou do estado das coisas, mas das relações sociais, dos processos, interações e estruturas entre pessoas, e o status dos indivíduos dentro deles.” FORST, Rainer. On the concept of human dignity in social orders of justification. Philosophy Social Criticism, n. 9, vol. 37, nov/2011, p. 969.

195 Há, na verdade, a falta de reconhecimento e falta de meios materiais são ligadas reciprocamente na constatação de violação da dignidade pela pobreza, uma vez ser patente também que “políticas e programas que forneçam um mínimo de salvaguarda econômica não são o bastante” para assegurar a dignidade da pessoa humana. HONNETH, Axel. Recognition or redistribution?: changing perspectives on the moral order of society. Theory, Culture & Society, n.18, jun/2001 .

196 FABRE, Cécile. Social rights under the Constitution: government and the decent life. Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 19 .

exemplo, se por falta de recursos temos que gastar a maior parte do tempo e energia lutando pela subsistência, é pouco provável que tenhamos o tempo e a energia necessários para aproveitar oportunidades disponíveis e decidir, com base nessas oportunidades, o que queremos fazer de nossas vidas.

A preservação da autonomia indispensável à dignidade humana, portanto, não depende apenas de impedir “interferências exteriores” que lhe sirvam de obstáculo, mas também da criação e preservação de “condições exteriores propícias ao desenvolvimento pessoal”197, gerando um verdadeiro “imperativo de promoção das condições possibilitadoras

desse livre desenvolvimento.”198 A dignidade não admite “a negação dos meios fundamentais

para o seu desenvolvimento como pessoa”. 199 Como bem reconhece Vieira de Andrade,

“não há liberdade nem dignidade dos homens concretos sem um mínimo de condições materiais de existência.”200

Cumpre destacar que a defesa da idéia de dignidade ligada a bem-estar material não implica a conclusão de que aqueles desprovidos de condições efetivas de exercício de autonomia e reconhecimento social por carências materiais sejam desprovidos de dignidade.

201 A dignidade social como bem-estar material não afasta a noção de original de dignidade e

valor inerente do ser humano, uma vez que a autonomia, que lhe serve de base, não se esvai

197 ASCENSÃO, José Oliveira Ascensão . A dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos. Revista da Ordem dos Advogados. Ano 68. Jan-2008, Lisboa, p. 97-124.

198PINTO, Paulo Mota. O direito ao livre desenvolvimento da personalidade. In: Portugal-Brasil Ano 2000, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 151

199 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquin. Los principios generales del Derecho y su formulación constitucional. Madri: Editorial Civitas, 1990. p. 149. Ingo W. Sarlet defende uma dimensão dúplice da dignidade, na qual se preserva a idéia de autodeterminação e autonomia da pessoa humana, mas se reconhece a necessidade de sua proteção social quando houver condição de fragilidade ou ausência de capacidade de autodeterminação. SARLET, Ingo W. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007, p. 376.

200 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 99. No mesmo sentido, estabelece José Afonso da Silva que a garantia da dignidade da pessoa humana não se dá apenas pela liberdade formalmente reconhecida, mas “reclama condições mínimas de existência, existência digna conforme os ditames da justiça social como fim da ordem econômica”. SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, v. 212, p. 89-94, abr./jun. 1998. Segue o autor: “É de lembrar que constitui um desrespeito à dignidade da pessoa humana “um sistema de profundas desigualdades, uma ordem econômica em que inumeráveis homens e mulheres são torturados pela fome, inúmeras crianças vivem na inanição, a ponto de milhares delas morrerem em tenra idade”. p. 93

201 Caso contrário, poder-se-ia justificar, com base nesse entendimento, os absurdos históricos de sacrifício de deficientes físicos, portadores de doenças mentais ou mesmo daqueles que não se enquadrem dentro de determinado padrão moral, social ou político. Cf. a crítica de STARCK, C. Das Bonner Grundgesetz 4ª ed., v.1. München: Verlag Franz Vahlen, 1999, p. 46, apud SARLET, Ingo W. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007, p. 375.

mesmo quando não se mostra possível seu exercício202. Serve, na verdade, para garantir que,

sem as amarras decorrentes da falta de condições básicas de vida, o ser humano possa exercer concretamente sua autonomia e buscar livremente seus objetivos de vida.

Nota-se ainda a ligação da dignidade como bem-estar material ao seu aspecto social de heteronomia, haja vista que sua avaliação depende inexoravelmente de fatores externos ao indivíduo. Isso porque a noção de bem-estar tem seu conteúdo e extensão necessariamente variáveis e limitáveis, em face da constatação de que a natureza dos bens e serviços fornecidos ao indivíduo e mesmo a própria idéia do que seja um mínimo material para uma vida digna são contingentes, sujeitos à consensos sociais e variações culturais, temporais, políticas e econômicas. 203

Vê-se, com isso, que a dimensão de bem-estar material da dignidade não nega a dignidade social sob a dimensão de heteronomia e reconhecimento e muito menos a noção de dignidade inerente. De fato, ela serve como base instrumental para a consecução integral da dignidade, em suas múltiplas acepções.

202Ronald Dworkin fundamenta a necessidade de reconhecimento e proteção da dignidade mesmo daqueles que, por condições pessoais – raça, incapacidades físicas ou mentais, etc. - ou por condições sociais – prisão, pobreza, situação política, etc. – perderam por completo a capacidade de autodeterminação e mesmo da consciência da própria dignidade. Considerando a situação dos presos como paradigma, Dworkin esclarece: “A exigência que os carcereiros respeitem sua dignidade mostra que apreciamos a importância do que estamos fazendo: que compreendemos que estamos encarcerando um ser humano cuja vida importa; que nossas razões para assim proceder são razões que requerem e justificam esse terrível dano, mas que não estamos autorizados a tratá-lo como um mero objeto, à completa disposição de nossa conveniência como se tudo que importasse fosse a utilidade, para o resto de nós, de seu encarceramento. Compreender que essa dignidade significa reconhecer os interesses críticos de uma pessoa, como algo diferente da promoção desses interesses, proporciona uma leitura útil do princípio kantiano pelo qual as pessoas deveriam ser tratadas como fins e nunca simplesm ente como meios. Este princípio assim entendido não exige que nunca se coloque em desvantagem a alguém para conceder vantagens a outros, mas sim que não se trate nunca as pessoas de uma maneira que negue a importância distinta de suas próprias vidas”.DWORKIN, Ronald. Domínio da vida, p. 306-309. 203 O tema será retomado mais adiante, com mais vagar, ao se tratar das sempre referidas questões do tão falado “mínimo para existência”.

II DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO

Não obstante a longa evolução histórica do conceito filosófico de dignidade da pessoa humana, sua construção como noção propriamente jurídica é relativamente recente204.

Apesar disso, a dignidade da pessoa humana apresenta-se atualmente como norma jurídica, e não uma norma qualquer: é considerada como verdadeira premissa de validade e legitimidade do ordenamento jurídico205, fonte da própria força normativa da Constituição206 e

fundamento dos direitos fundamentais (der Grund der Grundrechte).207

Essas afirmações justificam-se a partir do panorama de renovação da importância da dimensão axiológica do ordenamento constitucional, de sua consecução por meio dos princípios – dentre os quais o da dignidade – e da afirmação da normatividade jurídica desses princípios, dentro de parâmetros peculiares de estrutura, funcionalidade e hermenêutica.

Todavia, a vagueza da noção de dignidade da pessoa humana é também interpretada como obstáculo para sua “concretização jurídica séria”208. Para Luís Roberto Barroso, a

dignidade da pessoa humana seria “como um espelho: cada um projeta nela a sua própria imagem de dignidade”209. Por isso, a dignidade seria “uma locução tão vaga, tão metafísica,

que embora carregue em si forte carga espiritual, não tem qualquer valia jurídica”.210 No

mesmo sentido, Nipperdey, Neumann e Scheuner defendem que a dignidade da pessoa

204 Consigna Antonio Junqueira de Azevedo que “a utilização da expressão ‘dignidade da pessoa humana’, no mundo do Direito, é fato histórico recente. Evidentemente, muitas civilizações, graças especialmente a seus heróis e santos, tiveram considerações pela dignidade da pessoa humana, mas juridicamente a tomada de consciência, com a verbalização da expressão, foi um passo notável dos tempos mais próximo”. Apud CASTRO, Carlos Roberto Siqueira de. Dignidade da pessoa humana: o princípio dos princípios constitucionais. In: FIGUEIREDO, Marcelo e PONTES FILHO, Valmir, (orgs.). Estudos de Direito Público em homenagem a Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 165.

205 Na medida em que, segundo Ronald Dworkin, a rejeição à noção de dignidade justificaria até mesmo o descumprimento do dever moral de obediência às normas jurídicas. DWORKIN, Ronald Levando o direito a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 304-305.

206 NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios estruturantes da República Portuguesa, Coimbra: Coimbra Ed., 2004, p. 51.

207 ISENSSE, J. apud ROCHA, Carmen Lúcia A. O mínimo existencial e a reserva do possível. Revista latino- americana de estudos constitucionais. N. 5. Belo Horizonte: Del-Rey, jan-jun/2005, p. 442.

208 CAMARGO, Marcelo Novelino. O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (org.). Leituras complementares de constitucional: direitos fundamentais. 2ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2007, p. 114.

209 BARROSO, Luís Roberto; MARTEL, Letícia de C.V. A morte como ela é: dignidade e autonomia individual no final da vida. Revista da EMERJ, v. 10, n. 50, 2010, p. 35.

210 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 296. Segue Barroso: “Passar fome, dormir ao relento, não conseguir emprego são, por certo, situações ofensivas à dignidade humana. O princípio, no entanto, não se presta à tutela de nenhuma dessas situações. Por ter significativo ético, mas não se prestar à apreensão jurídica, a dignidade da pessoa humana merece referência no preâmbulo, não no corpo da Constituição, onde desempenha papel decorativo, quando não mistificador.”

humana não seria um conceito jurídico e significa um apelo à essência da natureza humana211,

o que, segundo Isensee, acabaria por traduzir uma forma de expressar um verdadeiro “artigo de fé em uma religião civil”.212

O certo é que esse ceticismo doutrinário não afasta o fato de que a dignidade da pessoa humana é usualmente considerada como núcleo axiológico central do ordenamento jurídico constitucional. Além disso, a dignidade é utilizada como fundamento recorrente em decisões de tribunais constitucionais de diversos países, que a utilizam como elemento objetivo de interpretação constitucional e subjetivo na adjudicação de direitos.

Diante de sua importância para a teoria dos direitos fundamentais, reclama-se um esclarecimento acerca da dignidade da pessoa humana, imprescindível para que a dignidade passe de uma “dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais”213. Caso contrário, corre-se o risco de que o conceito seja utilizado

irracionalmente para prover pseudo-argumentos ou uma carga emocional às discussões;214 ou

como mero instrumento retórico ou “slogan”215 para a defesa de juízos tendenciosos ou

arbitrários do ponto vista social ou político216, servindo para justificar condutas

diametralmente opostas à dignidade humana.217

Para o cumprimento desse desafio, cumpre observar, com inspiração na metodologia de Wittgenstein218, as diversas concepções de dignidade utilizadas na doutrina e na

jurisprudência constitucionais. Isso porque as variadas concepções de dignidade são mais do que diferenças filosóficas ou semânticas: trazem importantes conseqüências práticas na concretização de direitos fundamentais, inclusive no campo dos direitos prestacionais.

211 Apud SEGADO, Francisco Fernández. Constitución y valores: la dignidad de la persona como valor supremo del ordenamiento jurídico In SCHÄFER, Jairo (org.). Temas polêmicos do constitucionalismo contemporâneo. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007,

212 ISENSEE, Josef. Menschenwürde - die säkulare Gesellschaft auf der Suche nach dem Absoluten. AöR, 131:173-218. apud ENDERS, Christoph. The Right to have rights: The concept of human dignity in German Basic Law. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, n. 2. UNISINOS, jan/jun 2010, p. 2.

213 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Ano I – vol. I – n º. 6 – setembro de 2001 – p. 49. 214 DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge: Harvard University Press, 2011, p. 204.

215 MACKLIN, Ruth Macklin, Dignity is a Useless Concept. British Medical Journal n., 327 (2003), p. 1419. 216 TORRALBA, Francesc. Morir dignamente. Bioética i debat 3, n° 12, 1998, p. 1-6

217 MAURER, B. Notes sur le respect de la dignité humaine.. ou Petite fugue inacheveé autour d’un thème central. In: SÉRIEUX, A. et allii. Le Droit, Le Médicine et L’être Humain. Aix-En-Provence: Presses Universitaires D’Aix-Marseille, 1996, p. 186.

218 Segundo a qual para a compreensão do significado de um conceito, “não se deve adivinhar como uma palavra funciona. Deve-se observar o seu uso e compreende-la a partir disso”. WITTGENSTEIN, L., Philosophical investigations, §340.

Diante disso, cumpre fixar algumas bases teóricas desse panorama, que servem de premissas de uma juridicização concreta, efetiva e responsável da dignidade da pessoa humana.

1 DIMENSÃO AXIOLÓGICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO

A juridicização da dignidade da pessoa humana é resultante da evolução e consolidação de uma compreensão majoritária de que a ciência jurídica tem sua unidade interna de sentido centrada em uma dimensão valorativa ou axiológica.219

É certo que a axiologia já se fazia presente no campo do Direito no âmbito do jusnaturalismo clássico desde sempre220. Todavia, essa presença se fazia dentro de um

contexto de fundamentação do ordenamento jurídico em valores transcendentais e universais, de origem teológica. Tais valores revelados – ainda que de forma imperfeita – pela razão humana, a partir da qual a lei humana seria produzida pelo legislador. 221 Em virtude de sua

origem, os valores ligados ao direito natural que serviriam de conteúdo e fundamento ao direito positivo, seriam, em regra, perenes e imutáveis em relação ao tempo e ao espaço.222

Em reação à noção de direito natural como fonte etérea, supra-estatal e moral do Direito, o movimento positivista buscou a redução do Direito à lei, e esta aos comandos

219 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 33-34.

220 Segundo Arnaldo Vasconcelos, citando Henri Rommen, o direito natural seria tão antigo quanto a filosofia, de modo que “como disse Sófocles, niguém lhe pode assinalar o nascimento”. VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 99

221 Essa acepção, de matiz tomista, é sintetizada por Arnaldo Vasconcelos nos seguintes termos: “A lei natural, da qual deriva imediatamente a lei humana, não é mais do que a versão imperfeita, portanto parcial, da lei divina. Seria, em outros termos, a lei divina descoberta pela razão.” VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica, p. 100.

222 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995, p.18/22-23. É certo que, no escólio de Francisco Suarez, poderia haver vários direitos naturais, pois “o mesmo só adquiria sentido jurídico quando ajustado a circunstâncias fáticas e temporais”. MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito constitucional. Tomo I. 2 ed. Coimbra: Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 144. Vale lembrar também que, em busca de que afasta o vínculo teológico, o Humanismo e o Iluminismo buscaram na