• Nenhum resultado encontrado

TÍTULO I – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2. DIGNIDADE SOCIAL DA PESSOA HUMANA

3.2 Hermenêutica da Dignidade da Pessoa Humana

A aplicação jurídica concreta da dignidade da pessoa humana depende necessariamente da descoberta de seu conteúdo normativo, e, por conseguinte, de sua interpretação.304 Por isso, há de se fixar, de forma pontual, o método hermenêutico305 próprio

para a interpretação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e adotado como parâmetros das discussões ora travadas.

Como bem destaca Canotilho, a concretização e aplicação de qualquer norma constitucional escrita passam necessariamente pela averiguação de seu conteúdo semântico e atribuição de significado, que delimita seu âmbito normativo em face do problema que se busca solucionar.

302 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 131.

303 Nesse sentido, Lênio Streck observa que mesmo que haja alguma divergência hermenêutica quanto ao conteúdo da dignidade da pessoa humana, qualquer alternativa viável repudia um voluntarismo hermenêutico arbitrário, que seria constitucionalmente ilegítimo. STRECK, Lênio apud SARLET, Ingo W. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007, p. 385.

304 FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Arménio Amado, 1987, § 4º. 305 Vale assinalar que pontuamos a diferença entre hermenêutica e interpretação. Em síntese, e em conformidade com Carlos Maximilino, a hermenêutica tem por objeto “o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito” enquanto a interpretação é a aplicação da hermenêutica, na medida em que a última descobre e fixa os princípios que regem a primeira. Logo, de acordo com Emílio Betti, tem-se a hermenêutica como uma ciência que tem por objeto uma reflexão crítica sobre o processo interpretativo ou, dito de modo mais simples, uma “teoria geral da interpretação”. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1; BETTI, Emílio. Interpretação da Lei e dos Atos Jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. XCVIII.

No caso de normas principiológicas como a da dignidade da pessoa humana, a investigação desse conteúdo é particularmente desafiadora em virtude de sua essência axiológica306 e da conseqüente natureza polissêmica da linguagem e dos conceitos jurídicos

indeterminados utilizados pelo legislador em sua veiculação307.

De toda forma, a concretização dos princípios não prescinde de um método hermenêutico racional e controlável, disponível a todos os aplicadores constitucionais, cujo resultado seja devidamente fundamentado e sindicável.308 Afinal de contas, essa atividade de

ser “uma atividade de cognição, objetiva portanto, e não de volição”. 309

Por isso, a concretização jurídica da dignidade não depende unicamente dos clássicos métodos hermenêuticos organizados originalmente por Savigny310, uma vez que

“concretizar” princípios vai além de uma operação lógica de interpretação do texto que nada acrescenta ao conteúdo da norma: implica também um processo de construção criativa, pelo qual se faz necessário “tirar conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões contidas no texto e dos fatores nele considerados”.311

Em verdade, os textos constitucionais consistem um “ordenamento em potência”, e se tornam efetiva norma constitucional somente a partir de sua construção pelo resultado da tarefa interpretativa.312 Essa tarefa, por sua vez, não prescinde de uma interação entre o

306 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 1216-1217.

307 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p.111.

308 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983, p. 36-37.

309 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNANDÉZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo. São Paulo: RT, 1991, p. 393.

310 Sistematizados no século XIX no contexto do Direito Romano e Civil e introduzidos no Direito Constitucional por Ernst Forsthoff, sob a premissa de que a interpretação legal e a constitucional seriam idênticas Os métodos hermenêuticos clássicos são: o método gramatical – que se rege pela a etimologia, pontuação e ordem de colocação das palavras; o método lógico ou sistemático – que avalia o sentido da norma dentro do conjunto de outras normas em que se insere, na busca de coerência e harmonia; o método histórico – que leva em conta os fatores concretos que resultaram no trabalho legislativo de criação da norma; e o método teleológico - busca os fins da norma. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 1210; BULOS, Uadi Lammêngo. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 358.

311 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 107-108. No mesmo sentido, cf. HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional, p. 43; BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 633.

312 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, p. 32. No mesmo sentido, pontua Friedrich Muller: “a norma jurídica não está contida no código legal. Este contém apenas formas preliminares, os textos das normas. Eles se diferenciam sistematicamente da norma jurídica, que deve ser primeiramente produzida em cada processo individual de decisão jurídica, i.é, ‘trazida para fora’ [hervorgebracht]. Além disso, o âmbito da norma [Normbereich] pertence constitutivamente a ela”. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes do direito. São Paulo: RT, 2007, p. 148.

texto normativo, a realidade e os problemas concretos, especialmente relevante ao se tratar do princípio da dignidade da pessoa humana.

Uma das maneiras de realizar a referida interação entre norma e realidade é a tópica, desenvolvida por Theodor Viehweg com bases aristotélicas como uma “techne do pensamento que se orienta para o problema.”313 Ao contrário do tradicional modelo subsuntivo-dedutivo,

a tópica parte de um pensamento indutivo, dando primazia ao problema concreto. A norma adquire sentido por meio de argumentação realizada a partir de “topoi”, pontos de partida retóricos usados para solução do problema proposto.314

Todavia, a tópica de Viehweg não se presta, por si só, como método de hermenêutica constitucional. Isso porque é, essencialmente, uma técnica de argumentação que, a partir de um contínuo movimento dialético, se presta a estabelecer uma avaliação crítica do problema a partir de várias propostas retóricas. Nesse sentido, o sistema jurídico e a norma constitucional seriam apenas mais um “topos” dentre muitos outros que poderiam influenciar na solução do caso concreto315, o que poderia ensejar a “um casuísmo sem

limites”316, com conseqüente desconsideração da força normativa da Constituição, da

segurança jurídica e do próprio Estado Democrático de Direito.

É certo, porém, que a tópica serviu para introduzir novo paradigma nas discussões de hermenêutica jurídica, trazendo “uma direção indubitavelmente renovadora” para a

hermenêutica contemporânea317 que é essencial para a concretização das normas

principiológicas de conteúdo essencialmente axiológico e aberto. Para isso, é indispensável a consideração da norma constitucional como limite e partida da argumentação tópica, idéia que influenciou notadamente a hermenêutica proposta por Konrad Hesse e Friedrich Müller, dentre outros. 318

313 VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Brasília: Ministério da Justiça /EdUNB, 1979, p. 33. 314 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição, p. 53; LEITE, George Salomão. Interpretação constitucional e tópica jurídica, São Paulo : Juarez de Oliveira, 2002, p. 61/68

315 O próprio Viehweg menciona a oposição de Kant à tópica na medida em que poderia servir como doutrina “de que se podem servir mestres de escola e os oradores para examinar, sob determinados títulos do pensar, o que melhor convém a uma matéria e fazer sutilezas sobre ela com a aparência de racionalidade ou tagarelar empoladamente”. VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência, p. 40.

316 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 1212.

317 BONAVIDES, Paulo. O método tópico de interpretação constitucional. Revista de Direito Público. n. 98, São Paulo:RT, abril/junho1991, p. 5-11

Ao tratar do problema de concretização das normas constitucionais, Konrad Hesse parte do pressuposto da efetiva força normativa da Constituição319 e da tópica, sendo essa,

todavia, diversa da “tópica pura” de Viehweg por ser forma vinculada à norma.320 A

interpretação constitucional deve observar do “programa normativo” previsto no texto da Constituição, apreendido por meio dos métodos hermenêuticos clássicos, uma vez a interpretação constitucional encontra limites onde “terminam as possibilidades de uma compreensão conveniente do texto da norma ou onde uma resolução iria entrar em contradição unívoca com o texto da norma.” 321

No entanto, a simples interpretação formal do texto não oferece um resultado suficiente para concretizá-lo. Para Hesse, a norma constitucional deve ser submetida também “ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm)”, pelo qual é indispensável aferir, “de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes em uma determinada situação.”322.

Logo, sua compreensão e concretização também dependem de uma pré- compreensão filosófica, histórica, política e social do intérprete acerca do conteúdo da norma, bem como da consideração do problema concreto a ser solucionado.323 A norma

constitucional deve estar em constante referência às condições históricas e naturais de cada situação concreta, e “não tem existência autônoma em face da realidade. (...). Essa pretensão de eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada das condições históricas de sua realização”324 Há, então, a necessidade de relação entre a dimensão normativa e a dimensão

fática as quais, em um “condicionamento recíproco”, permeiam o processo de concretização.

325

319 Força normativa essa deriva da realidade, das leis culturais, sociais, políticas e econômicas. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 18.

320 Dispõe o autor: “se a Constituição, como mostrado, não contém um sistema concluído e uniforme, lógico-axiomático ou hierárquico de valores - e a interpretação de suas normas não só pode estar na assimilação de algo determinado, então ela requer um procedimento de concretização que corresponda a este tipo: no avanço ‘tópico’ guiado e limitado normativamente, isto é, porém, vinculado normativamente, devem ser achados e demonstrados pontos de vista dirigentes que, no caminho da inventio são buscados, no pró e contra da conformidade com a opinião empregados, e fundamentem a decisão tão evidente e convincentemente quanto possível (topoi).” HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1998, p. 63-64.

321 HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional, p. 69. 322 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, p. 11/22.

323 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1998, p. 62.

324 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, p.14. 325 Ibidem, loc. Cit.

O processo de concretização das normas constitucionais no modelo “hermenêutico- concretizante”326 de Hesse, pois, vincula-se essencialmente a três elementos: à norma

constitucional a ser concretizada, às pré-compreensões do intérprete e ao problema concreto a ser solucionado. Somente com isso se assegura a eficácia da força normativa da norma constitucional, que não é assegurada de plano. Nesse ponto, invoca-se a literalidade das lições do autor a título de síntese327:

Interpretação constitucional é concretização. Exatamente aquilo que, como conteúdo da Constituição, ainda não é unívoco deve ser determinado sob a inclusão da "realidade" a ser ordenada. Nesse aspecto, interpretação jurídica tem caráter criador: o conteúdo da norma interpretada conclui-se primeiro na interpretação, naturalmente, ela tem também somente nesse aspecto caráter criador; a atividade interpretativa permanece vinculada à norma.

Com igual influência da tópica328, Friedrich Müller também trata de estabelecer

diretrizes hermenêuticas possam ser utilizados de forma racional para a aplicação dos princípios constitucionais, por meio do chamado método estruturante329.

Esse método - que procura “desenvolver meios de um trabalho controlável de decisão, fundamentação e representação das funções jurídicas (...) de normas em situações decisórias determinadas pelo caso”330 – tem o mesmo espírito de concretização constitucional

de Hesse, no qual o texto da norma é o ponto de partida para a concretização normativa constitucional331.

326 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 1212.

327 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 61. 328 Conforme Paulo Bonavides, “o método de Müller é concretista. Tem sua base medular ou inspiração maior na tópica, a que ele faz alguns reparos, modificando-a em diversos pontos para poder chegar aos resultados da metodologia proposta”BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 498-499.

329 Segundo o autor, metódica estruturante é “um conceito de conjunto que compreende dogmática, metodologia, teoria (da norma) jurídica e teoria da Constituição e põe-nas em relação umas com as outras. Essas quatro áreas de trabalho desenham os terrenos materiais de atuação da teoria estruturante do direito”. MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito, p. 247. Essa metódica, pois, é tida por estruturante na medida em que o processo de concretização da norma é baseada em uma estrutura em que vários elementos são sobrepostos e vinculados entre si.

330 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 57. Quanto à importância do método, complementa o autor: “Em que pese toda a relatividade da sua utilidade e toda a limitação do seu alcance, as figuras de método são indispensáveis como momentos da aplicação do direito, que estabilizam, racionalizam e facilitam a verificabilidade. Assim como a exegese clássica no sentido de Savigny, a concretização racional da norma deve empenhar-se em ser, na medida do possível, a ‘aplicação de um procedimento conforme a regra’. A regra somente pode ser compreendida com sentido como a capacidade de rendimento da objetividade específica da ciência jurídica: sem pretensão de utilidade absoluta, adequação ‘universal’, cogência lógico-formal.” MÜLLER, F. O novo paradigma do direito, p. 103-104. 331 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 150.

O texto da norma é elemento fundamental, mas não único, da hermenêutica constitucional.332 O texto da norma é apenas o seu enunciado lingüístico, sob o qual se

estabelece o “programa da norma” (Normprogramm), obtido a partir do texto por meio dos métodos clássicos de interpretação333. A normatividade, porém, não é uma qualidade estática

do texto, mas um “processo fundamentado no trabalho jurídico comprometido com o Estado de Direito e a democracia”334, do qual resulta a norma jurídica defensável para solução

de um caso de conflito social.335

Assim como Hesse, Müller defende a pré-compreensão do intérprete como elemento indispensável na apreensão da realidade constitucional em relação ao texto normativo336, e insere também como pressuposto da concretização a consideração do que

denomina “âmbito da norma” (Normbereich), traduzida como a realidade social na qual a norma constitucional é inserida.337 A título de clareza, vale transcrever a síntese da metódica

estruturante nas palavras do próprio Friedrich Muller338:

A metódica estruturante analisa as questões da implementação interpretante e concretizante de normas em situações decisórias determinadas pelo caso. Ela apresenta a hierarquia igual de elementos do programa da norma e do âmbito da norma. Ela procura desenvolver meios de um trabalho controlável da decisão, fundamentação e representação das funções jurídicas. Com isso ela se move na direção da exigência de encontrar graus de interpretação “à maneira” de Savigny, que sejam conformes o direito constitucional atual.

A hermenêutica das normas constitucionais principiológicas, dentro dessa ótica, leva à obtenção da decisão particular aplicável ao caso concreto, denominada “norma de

332Friedrich Müller observa que a interpretação do teor literal de uma norma constitui um dos elementos mais importantes no processo da concretização, mas somente um elemento. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 47.

333 MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito, p. 151/224/239. 334 Ibidem, p. 146.

335 Ibidem, p. 150.

336 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 133.

337 O “âmbito da norma”, nas palavras do próprio Friedrich Muller, é “o recorte da realidade social na sua estrutura básica, que o programa da norma ‘escolheu’ para si ou em parte criou para si como seu âmbito de regulamentação (como amplamente no caso de prescrições referentes à forma e questões similares)”. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 42. Nesse contexto, assevera o autor que “no âmbito do processo efetivo da concretização prática do direito, ‘direito’ e ‘realidade’ não são grandezas que subsistem autonomamente por si. A ordem [Anordnung] e o que por ela foi ordenado são momentos da concretização da norma, em princípio eficazes no mesmo grau hierárquico, podendo ser distinguidos apenas em termos relativos”. Idem, ibidem, p. 58.

decisão”339, a quem é atribuída normatividade atual e imediata resultante da dinâmica entre o

programa e o âmbito da norma constitucional.340

Nessa mesma orientação, convêm lembrar a lição de Klaus Ghünter de que a norma do caso concreto somente pode determinada após a conjunção do exame entre as normas

prima facie aplicáveis e das peculiaridades de cada caso, havendo a necessidade de distinção

entre juízo de justificação e juízo de aplicação da norma. A adequação da norma prima facie ao caso concreto, pois, pressupõe que se assuma a sério os argumentos e circunstâncias relevantes de cada um dos envolvidos no problema a ser solucionado. 341

Em sintonia com essa concepção distintiva entre justificação e aplicação da norma, Jürgen Habermas nota que as normas prima facie são todas indeterminadas, cujo conteúdo modifica-se “dependendo da constelação de características relevantes de um caso a ser decidido”342. Isso porque a justificação da norma não tem como levar em consideração ex ante

de “todas as possíveis constelações de casos futuros”, razão pela qual “a aplicação das normas exige uma clarificação argumentativa” que se dá “não através do uso do princípio da universalização (Universalisierungsgrundsatz), mas através do princípio da adequabilidade (Prinzip

der Angemessenheit)”343

339 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 28.

340 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p.1216-1217/1221. 341 Essa noção expressa a chamada “Teoria da Adequabilidade Normativa”, desenvolvida pela autor em sua obra “Teoria da Argumentação no Direito e na Moral”e assim resumida por Luiz Moreira em sua introdução à versão brasileira da obra: “A justificação vincular-se-ia à validade. Como demonstrado até agora, o processo pelo qual uma norma se justifica está associado ao seu critério de validade. (..) significa que uma norma será imparcial quando puder obter assentimento de todos, e tal conduta, a concordância universal de todos os envolvidos. Em virtude de o conhecimento dos participantes em discursos ser limitado e o tempo finito, a dimensão de justificação necessita da dimensão de aplicação. Por seu turno, a aplicação diz respeito à adequabilidade. Para que se determine se algo é ou não adequado, é necessário que haja concreção. É a adequação que determina se a norma é ou não adequada. A adequabilidade de uma norma deve ser aferida mediante o exame de todas as características da situação, bem como a consideração de todas as normas que eventualmente puderem ser aplicadas. A adequabilidade refere-se, portanto, à sua relação com a situação e a todas as normas que possam a ela se reportar. O discurso de aplicação de caracteriza pela tentativa de considerar todas as características de uma situação em relação a todas as normas que possam remeter-se a elas. Este desiderato é alcançado mediante o conceito de coerência e tem por finalidade a constituição de um sentido de imparcialidade à aplicação. A aplicação será imparcial quando coerentemente realizar a adequação entre todas as características e todas as normas envolvidas em cada caso”. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. Introdução à edição brasileira de Luiz Moreira. São Paulo: Landy, 2004, p. 16-17.

342 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1, p. 272.

343 HABERMAS, Jürgen apud GALUPPO, Marcelo Gampos. Igualdade e diferença: Estado democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos. 2002, p. 144.

Adotando-se esses parâmetros hermenêuticos344, podemos identificar as noções de

interpretação e de concretização das normas principiológicas345, o que, especialmente no

campo da dignidade humana, mostra-se essencial.

O valor constitucional da dignidade, por sua já alentada importância, não pode ser vinculado a um ser humano abstrato346, pois a dignidade não é vivida como um conceito

abstrato, tendo significado e peso tangíveis no contexto das experiências humanas concretas. Por isso, o preenchimento do conceito de dignidade da pessoa humana, como de todo conceito jurídico indeterminado, “é de ser empreendido (...) mediante a consideração de dados extraídos à realidade”.347

A natural indeterminação da dignidade da pessoa humana leva então à necessidade de aplicar recorrer a elementos densificantes disponíveis na filosofia, a fim de se determinar sua aplicação nas freqüentes situações de conflito entre suas acepções individual e social348.

Sua aplicação como fundamento de direitos também dependerá de consideração de fatores temporais, sociais, históricos e culturais variantes de acordo com os contextos de cada país349.

Por fim, como bem ressalta Hesse, sua validade funcional apresenta-se na medida em que,