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Dilapidação dos direitos sociais e democracia

3 DA DILAPIDAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS DA CFRB/88 A RESSIGNIFICAÇÃO HABERMASIANA DESTES DIREITOS

3.1 Dilapidação dos direitos sociais e democracia

Jürgen Habermas: direitos humanos são indispensáveis em uma sociedade que mereça a dignidade do predicado de justa.

3 DA DILAPIDAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS DA CFRB/88 A RESSIGNIFICAÇÃO HABERMASIANA DESTES DIREITOS

3.1 Dilapidação dos direitos sociais e democracia

Prestações mínimas que compõe a dignidade do ser humano como aqueles que compõe a cidadania social existencial (AMARAL, 2017, p. 214 ss) tais como (1) educação básica, (2) saúde básica, (3) assistência social, (4) meio ambiente ecologicamente equilibrado e (5) o acesso à justiça ainda estão, como já escrevi anteriormente, sob a perspectiva da cidadania, aquém do moralmente aceito em um estado de direito que prevê no texto da CRFB/88, a dignidade da pessoa humana no art. 1º, inciso III, como fundamento da República Federativa do Brasil, e no caput do art. 170 como finalidade da ordem econômica. Além do mais, é objetivo da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária. O notório déficit do Brasil com os direitos sociais de sua população contribui para o Brasil estar entre os cinco países mais desiguais do mundo, conforme informações da ONU com base em dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica)11, o que vai se agravar diante da dilapidação dos direitos sociais que se consolidaram com a reforma trabalhista vigente e com a reforma da previdência que se avizinha. Logo, o que já era moralmente inaceitável se tornará juridicamente institucionalizado.

Para fins de direitos sociais, o Estado é um elemento central no significado da efetividade e garantia destes direitos que são humanos nos termos do aporte aqui feito. Jürgen Habermas vê na normatividade do direito moderno este elemento garantista da sua eficácia e não acredita na simples presença jurídica de direitos humanos como suficiente para uma sociedade justa, ainda que analiticamente indispensável. No entanto, os sujeitos capazes de fala e ação devem se sentir autores (democráticos) destes direitos, em que pese a carga moral

fazer juízos normativos na medida em que ele é capaz de se aproximar das exigências daqueles princípios morais universais. A essa desvalorização da eticidade contrapõe-se hoje sua revalorização naquelas correntes da filosofia moral que procuram novamente revocar Hegel ou a ética antiga. (HONNETH, 2009, p. 270, grifamos).

11Fonte: https://nacoesunidas.org/brasil-esta-entre-os-cinco-paises-mais-desiguais-diz-estudo-decentro-da-onu/. Acesso em: 10.10.2019.

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transcendente dos mesmos e sua origem nas lutas emancipatórias diante de violações da dignidade da pessoa humana, a qual os individualiza. Em termos constitucionais, para Jürgen Habermas a normatividade foca na delimitação do poder político por meio da divisão distributiva de poderes (HABERMAS, OD, p. 192). A normatividade também determina procedimentos políticos, segundo os quais cidadãos autônomos, assumindo seu direito de autodeterminação “podem perseguir cooperativamente о projeto de produzir condições justas de vida (o que significa: mais corretas por serem eqüitativas)” (HABERMAS, FV I, p. 326). Além do mais, no que diz respeito ao texto fundamental “enquanto projeto de uma sociedade justa, a constituição articula о horizonte de expectativas de um futuro antecipado no presente.” (HABERMAS, FV II, p. 119, grifei).

Logo, há uma dupla face temporal de uma constituição pois ela marca o seu tempo e “constitui” novos direitos, trazendo outros horizontes hermenêuticos de sentido para compor expectativas legítimas de uma sociedade justa onde, como se sabe, estão inseridos os direitos sociais. Quanto a estes direitos, Habermas os trata, como visto em Facticidade e Validade, como Direitos fundamentais a condições de vida garantidas social, técnica e ecologicamente equilibrado na medida em que isso for necessário para um aproveitamento, em igualdade de chances dos direitos civis e políticos e diante das experiências de exclusão social, sofrimento e discriminação, os direitos fundamentais clássicos só adquirem um valor igual para todos os cidadãos se acrescidos de direitos sociais e culturais. Apesar da timidez discursiva de Habermas quanto aos direitos sociais, tenho que ele pode contribuir na ressignificação dos direitos sociais da Constituição brasileira de 1988.

Portanto, diante da paisagem normativa brasileira e o nosso contexto socialmente deficitário, é imperativo ressignificar os direitos sociais da CRFB/88 numa tentativa de trazer ao mundo da vida condições mínimas de sobrevivência jurídica aos indivíduos. Enfrentamentos de Habermas como democracia, agir social, legitimidade, sociedade justa entre outros – já vistos anteriormente – filtrados pela sua teoria discursiva do direito e do estado democrático de direito, podem contribuir para dar um outro significado aos direitos sociais porque o argumento subjetivo (no sentido de mundo da vida subjetivo) de quem controla o sistema e de sujeitos fora dele é de que os direitos sociais estão sendo cumpridos ainda que em parte dentro das possibilidades e limites da reserva do possível. No entanto, é necessário dar outro sentido a estes direitos, pois não parece que o compromisso de justiça social está sendo efetivado no

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mundo da vida objetivo. Não é nenhum absurdo falar que os direitos sociais brasileiros estão sendo dilapidados, nos termos do jogo de linguagem habermasiano, por imperativos funcionais autopoiéticos – como mercado e o poder das associações - que pautam a sua atuação em ações estratégicas latentes.

Um diagnóstico preciso do nosso cenário Habermas nos traz – ainda que sem citar o Brasil – de forma pontual em Palavras-chave para uma teoria discursiva do direito e do Estado democrático do direito (in Na Esteira da Tecnocracia, publicado originalmente em 2013). Habermas aqui reafirma que o direito do Estado moderno divide a pessoa moral, de certo modo, nas duas pessoas do cidadão da sociedade e do cidadão do Estado. Para ele, nem o modelo de politica econômica neoliberal e o modelo de Estado de bem-estar social não dão conta de um reacoplamento positivo dessas duas “pessoas”, o que, no seu entender, a sua proposta de um paradigma procedimental do direito pode realizar:

Um reacoplamento positivo entre autonomia privada e pública é uma condição necessária para a legitimidade da ordem própria de um Estado democrático de direito. Essa legitimidade se vê ameaçada em sociedades com divisão social crescente, nas quais se exerce um reacoplamneto negativo, especifico das camadas sociais. Aqui se reforçam mutuamente o aumento da abstenção eleitoral de camadas sociais marginalizadas e subprivilegiadas, por um lado, e a preferência por padrões políticos que negligenciam os interesses desses segmentos da população, por outro lado. Investigações empíricas comprovam a existência de um tal círculo vicioso nos EUA e em outras sociedades ocidentais. (HABERMAS, ET, p. 103)

Jürgen Habermas reafirma que o exercício desta dupla autonomia jurídica (uso público das liberdades comunicativas e no uso privado das liberdades subjetivas) faz surgir, pela aplicação do princípio do discurso no medium do direito, os direitos de autonomia privada (HABERMAS, FV I, p. 158-160). Logo, no sistema de direito habermasiano, os cidadãos são autônomos somente quando os destinatários do direito podem “ao mesmo tempo se compreender como seus autores” (HABERMAS, IO, pp. 359 e 426) e, pela citação acima, a diferença social é uma ameaça a esta legitimidade devido o desinteresse pelo uso público das liberdades comunicativas advindos da abstenção eleitoral das camadas mais socioeconomicamente vulneráveis.

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