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A dimensão da equidade em saúde

No documento marcelodossantoscampos (páginas 113-121)

5 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE

5.2 O CUIDADO COMO UMA POLÍTICA SOCIAL

5.2.2 A dimensão da equidade em saúde

A categoria equidade em saúde, tal como o cuidado, emerge neste trabalho como elemento de significativa importância para análise e discussão, seja por se encontrar na centralidade do objeto desta pesquisa e estar diretamente relacionada com a dimensão cuidadora, seja pela sua relevância, sobretudo em um cenário político e econômico, onde os retrocessos no campo de investimento e financiamento público da saúde ameaçam a sobrevivência do SUS.

Em um país cuja democracia está sendo solapada em seus alicerces, a descaracterização de nossa política de saúde como política social é um risco factível. Isso representaria a perda da saúde como um direito inerente à condição de cidadania, com consequente subtração da

possibilidade de participação plena e democrática dos sujeitos no universo político-social, o que só é possível quando nela estão inseridos como cidadãos (FLEURY; OUVERNEY, 2012). Segundo Hannah Arendt (2010), a cidadania, por se constituir no “direito de ter direitos”, produz um espaço público de igualdade entre os indivíduos, tornando-os cidadãos. Em contrapartida, os direitos sociais, como o da saúde, por exemplo, marcaram a ampliação da cidadania nas sociedades modernas, na medida em que exigiram a intervenção do Estado, incorporando formas diferenciadas de apreensão do significado de satisfação de um nível decente de bem-estar e seguridade econômica e social. A cidadania, portanto, é orientada pelo princípio da igualdade, que se desdobra nos ditames universalistas de justiça, pautados em regras de distribuição, que, em última instância, tendem à homogeneização, como consequência da vontade geral. Assim, suprimem-se ou diluem-se as diferenças, o que, inevitavelmente, produz prejuízos indeléveis a grupos de cidadãos menos favorecidos.

De acordo com Escorel (2001), a introdução do princípio da equidade, compreendido como um elemento de diferença dentro do espaço de igualdade da cidadania, é acompanhado pela seguinte evolução no universo dos direitos: primeira geração, que consistem nos direitos individuais; segunda geração, que consistem nos direitos sociais e econômicos; terceira geração, que diz respeito aos direitos difusos e coletivos – o caráter difuso engloba, portanto, interesses públicos ou privados e correspondem, devido à indiferenciação de sua titularidade, às necessidades comuns de um coletivo, podendo ser satisfeitas apenas na perspectiva comunitária.

No campo dos direitos sociais, a equidade tem sido utilizada tanto na sua expressão mais genérica quanto em seu sentido mais específico. Genericamente, busca estabelecer regras justas para a vida em sociedade, o que pode gerar uma confusão conceitual com o próprio sentido de justiça, na medida em que se aproxima da ideia e sentido de igualdade, compreensão mais comum no âmbito da saúde. Em seu caráter mais específico, a equidade pode ser apreendida como uma adaptação da norma geral a determinadas situações, visto que a aplicação literal de uma norma genérica pode produzir injustiças, exatamente por desconsiderar as especificidades envolvidas em casos particulares, individuais ou coletivos. Dessa forma, a equidade apresenta-se como produto de um julgamento e de uma intervenção situacional, pressupondo a inexistência de estrutura, normas, sistemas de leis ou conhecimentos que sejam perfeitos (CAMPOS, 2006).

Isso induz à reflexão de que a imensa variedade de situações singulares não pode ser contemplada pela totalidade de regras e valores estabelecidos por um certo sistema, mesmo que este seja legalmente imbuído de uma pretensa capacidade absoluta. Faz-se necessário também espaço de autonomia para os operadores desses sistemas, em permanente interação com os usuários, no sentido de atenuar, ou até mesmo transgredir e modificar o que é previsto nas

determinações normativas genéricas. Tal fato, em certa medida, ocorre no cotidiano de busca de equidade em saúde, em que há acúmulo empírico de evidências das lacunas existentes nas normativas gerais. No entanto, pelo caráter rígido das leis que ordenam o sistema de saúde, tais constatações pouco contribuem como indicações para um reordenamento que viabilize um aperfeiçoamento das normas institucionais.

As sociedades capitalistas têm, caracteristicamente, a coexistência de abundância e miséria, determinando as desigualdades, seja pela significativa diferença de renda entre pessoas, seja pela potencialização de tal desigualdade por outras distinções relacionadas às condições de vida, socialmente construídas, e que podem configurar-se como desvantagens históricas para determinados grupos sociais.

Nesse sentido, a análise do grau de injustiça relacionado a tais desigualdades talvez seja o critério avaliativo mais adequado para a promoção da equidade em saúde, visto que tal avaliação parte da identificação de dadas situações que colocam determinados coletivos populacionais em condição desvantajosa quanto à oportunidade de serem e se manterem saudáveis. Tais disparidades ou desigualdades, segundo Almeida (2002), por serem produtos da forma como a sociedade se organiza e por se configurarem como uma espécie de segregação, são denominadas iniquidades, termo que ganhou forma, estabelecendo-se como sinônimo de toda e qualquer “desigualdade injusta”, que deve ser permanentemente evitada ou combatida.

Para melhor compreensão conceitual, é importante fazer a distinção entre equidade/iniquidade e igualdade/desigualdade. Breilh (2010), ao correlacionar a equidade com classe social, afirma que a iniquidade se refere à categoria que expressa as relações e contrastes de poder construídas e instaladas numa formação social, sendo resultante da apropriação das condições de poder econômico, político e cultural, que, inexoravelmente, são interdependentes. Em contrapartida, desigualdade é o resultado da iniquidade e que manifesta uma injustiça na repartição de bens e serviços de uma sociedade. Portanto, a iniquidade é uma categoria explicativa, e a desigualdade uma materialização da iniquidade.

De acordo com Amartya Sen (2002), a equidade em saúde apresenta múltiplas dimensões e não deve ser restrita ao julgamento de possibilidades de distribuição de cuidados sanitários, devendo abranger o nível de saúde que se tem e a possibilidade de se obtê-la. Nesse sentido, faz-se essencial que as análises sobre a saúde estejam vinculadas a outras temáticas de justiça social e de equidade global, particularmente no que se refere à diversidade dos recursos, bem como às distintas formas de alcance e de impacto dos diferentes acordos sociais.

De acordo com Beauchamp e Childress (2002), a teoria de justiça, de Jonhn Rawls (1921- 2002), apresenta um desafio igualitário às teorias liberais e utilitaristas, por apresentarem a justiça

como equidade, compreendida como um conjunto de normas de cooperação, reconhecida por pessoas livres e iguais, que participam nas atividades sociais em respeito mútuo. No que se refere à distribuição dos recursos, Rawls (1997) propôs que eles fossem distribuídos em duas etapas: a primeira exige igualdade na distribuição de deveres e direitos básicos, de modo que todas as pessoas devem estar sujeitas às mesmas liberdades civis e direitos; a segunda leva em consideração o princípio da diferença, ou seja, afirma que é justa a ação que produza consequências desiguais, desde que resultem em benefícios compensatórios para cada um, sobretudo para os menos favorecidos e afortunados da sociedade, que, nessa perspectiva, teriam suas vulnerabilidades protegidas por uma política de saúde efetivamente social.

Para além de um direito social, a saúde também pode ser considerada como um direito humano (GARRAFA; OSELKA; DINIZ, 2014). De acordo com o Comentário-Geral Nº 14, aprovado em 2000 pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, a saúde é um direito humano fundamental. Tal afirmativa é enfatizada no referido documento segundo o qual o direito à saúde não se restringe ao direito de ser saudável pelo acesso aos cuidados médicos apropriados, mas deve incluir também outros determinantes do processo saúde e doença, como o direito de acesso à água potável, saneamento adequado, segurança alimentar, moradia, condições ocupacionais e ambientais saudáveis, bem como acesso à informação e educação em saúde. Além disso, o texto ressalta a não discriminação, a disponibilidade, a acessibilidade nas dimensões física, econômica e de informação. Por fim, a aceitabilidade de questões étnicas e culturais e a qualidade médica e científica dos serviços (ONU, 2000).

Tais postulados, quatro décadas antes da elaboração desse documento pela ONU, já alimentavam as ideias de muitos intelectuais e movimentos sociais que lutavam pela reforma sanitária brasileira na década de 1970, como também fizeram parte do ideário da Conferência de Alma Ata, em 1978, cujo lema ambicioso – “saúde para todos no ano 2000” – embasou seu documento final, o qual salientava a interferência da desigualdade social nas políticas de saúde, bem como a lacuna entre países desenvolvidos e em desenvolvimento na causalidade de tais desigualdades. Tal documento exortava, ainda, todos os países a cooperarem na perseguição do objetivo comum da saúde, compreendida como direito e dever de todos, individual e coletivamente (BRASIL, 2002).

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal Brasileira, reconheceram-se e materializaram-se, no campo jurídico legal, os princípios e pensamentos do Movimento da Reforma Sanitária, representados por valores sociais, como o direito de acesso universal à saúde, bem como a integralidade da atenção, que refletiam avanço de nossa sociedade em direção a um sistema de saúde que seria subsumido a um modelo de Estado de Bem Estar Social,

diferentemente daquele sistema excludente e desigual que existia antes da redemocratização do país (ESCOREL, et al., 2005).

Desse modo, o Sistema Único de Saúde constituiu-se como uma política pública de proteção social, caracterizado por uma rede de serviços e um conjunto de normas destinados não somente ao segmento mais pobre da população brasileira, mas a toda a sociedade, visto que tem como objetivo protegê-la de todo e qualquer agravo sanitário e garantir proteção a todos os cidadãos (CAMPOS, 2006).

A equidade, embora não tenha a mesma estatura jurídica dos demais princípios e diretrizes do SUS, por não configurar-se explicitamente nem na Constituição Federal de 1988, em seu Título III – da ordem social, seção II, da saúde, tampouco na Lei Federal 8080 de 1990, sempre esteve presente não só no pensamento sanitário brasileiro (PIOLA, et al., 2009), mas também nas discussões por ocasião das Conferências Nacionais de Saúde, ao longo dos anos, sendo que na 14ª, ocorrida em 2011, configurou-se, no documento orientador para os debates, como o primeiro dos cinco tópicos, intitulado “Avanços e desafios para a garantia do acesso e do acolhimento com qualidade e equidade” (BRASIL, 2011). Segundo Campos (2006), o termo equidade apenas aparece no texto constitucional como um dos objetivos da Seguridade Social, especificamente no que se refere à justiça tributária no momento da constituição dos fundos de arrecadação financeira, ou seja, equidade na participação do custeio da seguridade social.

Os conceitos que se destacam e fundamentam a constituição do SUS são o de acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, que é considerada como um direito universal e dever do Estado, sob o qual está o dever de assegurá-la não apenas pela produção de ações específicas do setor saúde, mas também pela criação e implementação de políticas sociais e econômicas produtoras de bem-estar (CAMPOS, 2006).

Importante ressaltar que tal iniciativa política de garantia de cidadania, ia contra o movimento neoliberal de organismos financeiros internacionais, que cresceu particularmente a partir da década de 80 do século passado, e que esgrimia contra a concepção de política pública expressa na criação do SUS. A cultura neoliberal desqualificava (e permanece desqualificando) a pretensão de universalidade e integralidade, seja pela perspectiva do mérito, a partir da lógica de que não haveria sentido em garantir serviços a grupos que poderiam pagar, seja pela suposta inviabilidade econômica, visto ser sistema dispendioso, que subtrairia recursos da área produtiva e da infraestrutura necessária ao desenvolvimento. Como alternativa, em contrapartida, o neoliberalismo advogava a favor de programas focais, voltados aos segmentos pobres da população (ALMEIDA, 2002).

Foi na esteira do pensamento neoliberal que o termo equidade ganhou visibilidade política na América Latina, moldada pelos ditames do “ajuste econômico”, que se apropriou do conceito, restringindo sua abrangência e utilizando-o tão somente no sentido de difundir a equidade como estratégia para reduzir a pobreza. Dentro dessa concepção, haveria um equívoco das diretrizes de universalidade e integralidade do SUS, que seriam conservadoras e iníquas, visto que destinavam significativos recursos do Estado e da sociedade para um segmento que não estava incluído na faixa de pobreza, seja absoluta ou relativa (CAMPOS, 2006).

Tal linha de pensamento desconsidera que, na realidade, os sistemas públicos de saúde podem utilizar outras categorias classificatórias de prioridade para atenção, que não seja tão somente a econômica. Agregam-se, portanto, os conceitos de risco e vulnerabilidade, que incluem o critério de renda, mas que consideram os inúmeros riscos produzidos pelos variáveis processos de subjetivações determinados pelos diversos atravessamentos pelos quais sujeitos individuais e coletivos passam ao longo de suas trajetórias, como seus pertencimentos de classe, raça, gênero e sexualidade, por exemplo. Assim, embora essa teoria da doutrina do sistema público de saúde ainda não tenha completamente se realizado em termos concretos no âmbito do SUS, partindo-se de um referencial ético ou mesmo médico-sanitário, fica evidente a fraca sustentação argumentativa de qualquer política de saúde que se valha exclusivamente ou principalmente de critérios de renda como definidor de acesso, ainda que seja a realidade dominante em países que não adotaram leis como a do SUS (CAMPOS, 2006).

Campos (2006) ainda aponta que há evidências históricas que demonstram um efeito mais imediato e marcante no processo de redistribuição de renda promovido por determinadas políticas e programas do que os produzidos pelos sistemas públicos de proteção social. Dessa forma, a valorização e defesa de valores remunerativos para o trabalho, a geração de emprego, salário desemprego, aposentadoria, recursos destinados a setores carentes, reforma agrária, entre outros, têm impacto direto na diminuição da miséria. Já as políticas públicas de saúde, segurança, habitação e educação, por perseguirem outros objetivos de interesse coletivo, que não se encerram estritamente na diminuição da pobreza, não poderiam ter como principal critério avaliativo o impacto sobre a distribuição de renda.

Vários intelectuais brasileiros dedicaram-se a abordar essa temática de forma crítica, transcendendo esse reducionismo ideológico e promovendo uma avaliação do SUS de acordo com uma concepção mais ampla da equidade. Vianna, Fausto e colaboradores (2003) realizaram um estudo avaliativo extenso, tendo a equidade como critério de justiça para a alocação de recursos, oferta e utilização de serviços, de acordo com alguns municípios e regiões do país. Embora o período estudado seja há duas décadas (1998-2000), os dados encontrados são

significativos para a demonstração da melhoria na distribuição de recursos, bem como na oferta e distribuição dos serviços. Os autores destacam, também, a contribuição da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para a valorização do conceito de equidade, fato que teve maior abrangência do que a ideologia defendida pela contrarreforma neoliberal. Isso favoreceu o acoplamento do conceito de equidade ao de necessidade de saúde, e não somente à pobreza, explicitando que o acesso aos serviços de saúde e à proteção sanitária devem ocorrer independentemente da raça, gênero, condições sociais, econômicas e culturais, funcionando, portanto, como promotor de cidadania (CAMPOS, 2006). Tal fato demonstra que o princípio da equidade em saúde consiste em uma estratégia de fundamental relevância para que se possa continuar investindo na promoção e na garantia do direito à saúde, especialmente nesse cenário onde permanecem acirradas as disputas discursivas e ideológicas, com a confrontação de duas perspectivas antagônicas: de um lado, o poder do capital, que tende a minar a força de atuação do Estado pelo desmonte das políticas sociais; de outro, um movimento ético-político, que defende a política social como garantidora e promotora de cidadania Esse debate entre universalização e focalização, embora tenha feito parte das agendas políticas e acadêmicas nas décadas de 1980 e 1990, foram perdendo espaço à medida que o SUS criava propostas de implementação de políticas e programas de saúde que enfatizavam a atenção primária. Entretanto, nos tempos atuais, evidencia-se forte recrudescência de tais ideias, amparadas pela linha ideológica que tem orientado os poderes legislativo, judiciário e executivo em nosso país, particularmente após o golpe sofrido em nossa democracia no ano de 2016. Vale ressaltar que tanto o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) quanto o Programa de Saúde da Família (PSF), implantados na década de 1990, subverteram a lógica de um pacote básico de serviços de saúde focados nos segmentos mais pobres da população, tornando-se programas estratégicos para a modificação do paradigma de atenção à saúde até então vigentes no país, contrariando os modelos clássicos neoliberais. Tais programas tornaram-se, assim, potentes instrumentos estratégicos na criação de possibilidades de expansão da universalidade do acesso aos serviços de saúde, particularmente para os segmentos da população socialmente vulneráveis, dada a situação de pobreza em que viviam (COHN, 2005).

Importante ressaltar ainda que a concepção estratégica de implementação e ampliação de tais programas não se referia à possibilidade de acesso dos pobres a um nível simplificado de atenção à saúde, com baixa incorporação tecnológica material, mas sim, à extensão do acesso à população à atenção à saúde, pelo deslocamento dos serviços para fora de seus muros, imergindo na sociedade e transformando-se, tanto num mecanismo de busca ativa de usuários,

que até então não tinham acesso, quanto em um mecanismo de racionalização, seja do consumo, seja da utilização dos serviços de saúde (COHN, 2005).

No entanto, tal movimento não foi suficiente para modificar a realidade que caracteriza a exclusão social como estrutural na construção de nossa sociedade, sendo, portanto, compreendida como um fenômeno natural de ordem social e objeto precípuo de políticas sociais focalizadas no alívio da pobreza, criando mecanismos de inserção social independentes do mercado formal de trabalho. Assim, não se pode considerar superado o campo de disputa ideológica, no qual duelam ideias que, embora divergentes, partem de um mesmo pressuposto: a pobreza tem como uma de suas principais causas a desigualdade social. Então, de acordo com Cohn (2005), de um lado, há um movimento que preconiza a formulação e implementação de políticas de saúde inclusivas, redistributivas e equitativas, de outro, um que privilegia a ótica da necessidade de acúmulo de capital social pelos pobres, a fim de que possam, por si mesmos, superar sua condição de pobreza. Essa última, concepção neoliberal de desenvolvimento social, traduz-se em políticas sociais focalizadas nos grupos socialmente vulneráveis.

Diante da constante ameaça de retrocessos no campo das políticas sociais, a discussão sobre a equidade em saúde se faz imperativa, sobretudo no sentido de melhor compreender as políticas focalizadas em alguns programas atuais do SUS, entre as quais a PNSIPN, que dialoga diretamente com esta pesquisa, e que existem pela necessidade de se contemplarem as especificidades de morbidade presentes em determinados grupos particulares, objetivando combatê-las, sem, contudo, prescindir da ótica da universalidade, que apreende tais especificidades como diferenças e não como desigualdades.

Assim, segundo Cohn (2005), os programas de saúde que produzem a discriminação de determinadas especificidades do processo saúde e doença, bem como dos grupos a ele submetidos, têm que ser amparados por políticas de saúde que, em seu conjunto, estejam articuladas e associadas a estratégias integradoras dentro do próprio setor da saúde, como também a outras políticas sociais de combate à exclusão e à desigualdade social.

Tais especificidades do campo da saúde diretamente ligadas às diferenças não podem ser assimiladas e transformadas pelo poder público em nenhuma forma de desigualdade, visto que, em certa medida, os diversos programas pautados nas políticas focais reproduzem “pelo avesso” as propostas dos ditames neoliberais. Enquanto esses últimos focalizam na segmentação de pobres e não pobres, nossas políticas focais na saúde buscam efetivar a universalização do acesso aos serviços, considerando os demais princípios doutrinários do SUS. Diferentemente do que vem ocorrendo com os demais setores sociais que:

Vêm, crescentemente, associando políticas de combate à pobreza a contrapartida obrigatórias dos beneficiários, quer no que diz respeito à saúde,

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