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Dimensão socioeconómica

Capitulo 2 – ESTADO DA ARTE

2.2. Sustentabilidade

2.2.2. Dimensão socioeconómica

Henry George, em 1879, na obra “Progress and Poverty”, constatou que o Léon Walras concluiu por via da modelação matemática, que o preço da propriedade privada do solo tenderia para o infinito (Lobo, 2011).

Nessa época, os Estados Unidos não dispunham de quaisquer instrumentos de ordenamento do território nem de impostos sobre o rendimento, no entanto, este autor preocupou-se com o facto de a “terra livre” começar a escassear, o que poderia gerar tensões fortíssimas entre os interesses públicos e os interesses privados. Henry George estava essencialmente preocupado com o facto da escassez de terra originar graves desequilíbrios ao nível da igualdade de oportunidade económica que gerariam inevitavelmente confrontações sociais (Lobo, 2011).

O solo em Portugal, enquanto objeto comercial dinamizou o volume de produção do mercado residencial, de tal modo, que o mercado imobiliário se caracteriza hoje por uma oferta excessiva face à população residente. Ou seja, considera-se que se trata, de facto, de um processo de financeirização da economia e da sociedade portuguesa que não pode,

11 como aliás sucede em qualquer outra realidade histórica, ser desligado do papel central que o Estado desempenha na sua condução, nem da posição e inserção internacional da economia portuguesa (Observatório, 2014).

O mercado imobiliário foi um canal para a transferência de capitais financeiros da economia produtiva para agentes não-produtivos dedicados à arbitragem pura dos valores do solo e suas benfeitorias edificadas: em 2008, aproximadamente 68% do total da dívida privada portuguesa resulta do crédito imobiliário a famílias e empresas5, sendo presumivelmente dois terços desse montante devidos a pagamentos do valor do solo urbanizável. Segundo os dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, em 2008 o saldo de crédito atribuído ao agregado CONSTRUÇÃO + ACTIVIDADES IMOBILIÁRIAS + HABITAÇÃO somava 168.701 milhões de euros, somando o crédito atribuído ao agregado AGRICULTURA + PESCA + INDÚSTRIA transformadora apenas 16.455 milhões de euros. O crédito total aplicado em Portugal nesse ano representava 248.389 milhões de euros. O PIB português em 2008 rondava os 180.000 milhões de euros (Bingre, 2011).

O volume de créditos hipotecários em Portugal cresceu de 5 mil milhões de euros em 1990 para 104 mil milhões de euros em 2008. Um aumento superior a 2.000 % nos gastos nacionais2 com o imobiliário durante menos de um vinténio no qual o crescimento

acumulado do PIB per capita não alcançou os 40% e a densidade demográfica aumentou menos de 10%6. Ora, tal escalada dos preços do imobiliário não pode ser explicada por um aumento dos custos de construção, já que estes se mantiveram relativamente estáveis ao longo das últimas duas décadas: esta subida dos preços da habitação foi provocada sobretudo pelo aumento dos preços do solo, o qual foi exacerbado por fenómenos de monopolização especulativa de dezenas de milhar de edifícios mantidos devolutos para que posterior “passe” com encaixe de mais-valias (Bingre, 2011).

O número de alojamentos familiares cresceu intensamente ao longo das quatro últimas décadas, duplicando o seu valor, registando uma variação global de cerca de 117%7. A

5Fontes: Plano Estratégico de Habitação 2008/2013, IHRU; Boletim Estatístico do Banco de Portugal – Março 2009

6Fonte: Luciano Amaral: New Series for GDP per capita, per worker, and per worker-hour in Portugal, 1950-2007. Faculdade de

Economia, Universidade Nova de Lisboa

7 Fonte: http://www.ine.pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=149381305&att_display=n&att

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este crescimento de alojamentos familiares correspondeu por sua vez, como já referido, um aumento do número de proprietários relativamente aos inquilinos (Figura 9), e um aumento do número de alojamentos de segunda residência e de fogos devolutos (Figura 10), que denota, ainda que de modo aparente, a supressão das necessidades de alojamento das famílias portuguesas (Observatório, 2014).

Figura 9 – Alojamentos familiares clássicos de residência habitual segundo os Censos: total, por ocupantes proprietários e inquilinos (1960-2011)

Fonte: INE

A evolução do mercado de arrendamento português é marcada por um gradual declínio desde os anos 70, com o setor a perder progressivamente peso para o mercado imobiliário (Figura 11) (Observatório, 2014).

Com efeito, os últimos dados do recenseamento da população portuguesa mostram que mais de 50% dos alojamentos com valores de renda inferiores a 20 euros correspondiam, em 2011, a contratos celebrados antes de 1975. Por outro lado, mais de 80% dos alojamentos com valores de renda superiores ou iguais a 650 euros correspondiam a contratos de arrendamento celebrados entre 2006 e 20117.

Ou seja, os incentivos legais e financeiros à aquisição de habitação própria acabaram por limitar, de forma não negligenciável, o potencial de dinamização do mercado de

13 arrendamento que resultaria da supressão dos constrangimentos legais existentes até aos anos 90 (Observatório, 2014).

Figura 10– Alojamentos familiares clássicos segundo a forma de ocupação (1960- 2011)

Fonte: INE, Pordata

Finalmente, importa vincar o papel das políticas públicas na promoção do endividamento hipotecário. Como vimos anteriormente, num quadro de inexistência de um mercado dinâmico de arrendamento e de uma inércia política em atacar as suas causas históricas, o enorme peso dos empréstimos à habitação na dívida das famílias (Figura 11) é o resultado de uma política pública habitacional concentrada na promoção da compra de casa própria, por via de incentivos fiscais (créditos bonificados, regimes fiscais promotores de contas poupança habitação, etc.) e da redução gradual da provisão direta por parte do Estado, confinada essencialmente à ação autárquica na gestão dos bairros sociais (Observatório, 2014).

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Figura 11 – Peso da dívida no rendimento disponível das famílias (1995-2013)

Fonte: Eurostat

Em 2012, apenas 7% das famílias com hipotecas suportavam uma carga excessiva das despesas com a habitação (isto é, superior a 40% do rendimento disponível do agregado familiar), sendo este valor de 36% para as famílias que arrendavam a residência do agregado familiar8 (Observatório, 2014).

A taxa de incumprimento do crédito ao consumo e relativa a outros fins foi a que registou o maior crescimento, passando de cerca de 6,7% em 2009, para 12,7,% em 2013. Sendo certo que a taxa de incumprimento do crédito à habitação também tem vindo a aumentar, a verdade é que continua relativamente contida, tendo passado de 1,6% para 2,4% no mesmo período (Figura 12) (Observatório, 2014).

O perfil de endividamento das famílias portuguesas, que assenta quase exclusivamente no imobiliário, é similar ao perfil registado em países periféricos e semiperiféricos, nos quais o endividamento se encontra, também, concentrado nos estratos sociais mais elevados (Santos e Teles, 2013). No entanto, em Portugal, e ao contrário do que ocorre nestes países, o custo real desta dívida foi historicamente baixo, o que explica o crescimento ininterrupto do endividamento, mesmo durante o período de estabilidade dos

8 Fonte: http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/submitViewTableAction.do;jsessionid=9ea7d07d30d6856d59f18bfb40d7b025a0eb

15 preços da habitação da década de 2000, o que constitui um caso quase único a nível internacional (Observatório, 2014).

Figura 12– Rácio do crédito vencido das famílias (2009-2013)

Fonte: Banco de Portugal

Quatro décadas depois, a economia portuguesa mantem características de uma economia semiperiférica “atrasada no sistema produtivo, moderna no sistema de consumo, atrasada na proteção social, moderna nas expectativas de vida” (Louçã, 2011).

Esta relativa capacidade de resistência do mercado imobiliário à crise que se instala no setor da construção é de algum modo visível na evolução dos preços da habitação depois de 2001, não se verificando uma queda abrupta dos seus valores, como seria de esperar tendo em conta o excesso de oferta. Esta capacidade de resistência do mercado imobiliário explica-se, em parte, pela descida das taxas de juro entre 2001 e 2006, que permitiu manter “uma procura de fogos para especulação, os quais deveriam ser mantidos desocupados para maximizar a rapidez das transações” (Bingre, 2011).

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