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Função social e estatuto da propriedade do solo

Capitulo 2 – ESTADO DA ARTE

2.6. Análise comparativa entre países europeus

2.6.1. Função social e estatuto da propriedade do solo

2.6.1.1. Função social e natureza do estatuto da propriedade

Em todos os ordenamentos jurídicos analisados o direito de propriedade não se assume como um direito absoluto, um direito sem limites, outrossim encontra-se sujeito a limites funcionalizados para atender ao interesse público. Em todos os casos, a função social da propriedade assenta no reconhecimento de que o interesse geral da coletividade se sobrepõe ao do proprietário do solo, impondo limitações ao pleno exercício do direito de propriedade, sem que, por um lado, de tal decorra para o particular o direito a ser indemnizado e obrigando, por outro, à partilha das mais-valias urbanísticas com a coletividade.

Não obstante, o exato alcance e amplitude da função social do direito de propriedade é variável e radica substancialmente nas especificidades geográficas (Holanda), históricas ou culturais (Inglaterra) de cada ordenamento. Em Itália esta é uma questão sensível, sobretudo no que concerne às decorrências da função social da propriedade como

53 fundamento de redução do valor indemnizatório, bem como da imposição de condicionantes ao direito de propriedade que não devam ser ressarcidas. Na Alemanha, a possibilidade da Administração emitir injunções destinadas a garantir a execução pelos particulares das prescrições do plano assume-se também como uma expressão da função social da propriedade.

Constata-se, ainda, que o direito de propriedade, sendo tradicionalmente de natureza civil, encontra-se enquadrado e o seu exercício limitado pelo direito administrativo.

2.6.1.2. Oneração da propriedade por motivos de interesse público e direito à indemnização

Em todos os ordenamentos analisados se verifica a existência de condicionantes que oneram a propriedade privada por motivos de interesse público, como expressão da função social da propriedade, contemplando-se como regra geral a obrigação de indemnizar quando as limitações forem excessivas, designadamente quando existam direitos adquiridos ou o sacrifício exceda as limitações inerentes à função social da propriedade ou resulte em preterição do princípio da igualdade perante os encargos públicos (dano especial e anormal).

Em França, o valor da indemnização é calculado nos termos gerais devendo ser subtraída a mais-valia de que os imóveis beneficiem por execução do instrumento de planeamento.

Na Itália, só as medidas que não devam ser suportadas pelo proprietário no contexto da função social da sua propriedade devem ser objeto de indemnização, mas quando esta existe deve garantir um serio ristauro. A indemnização por sacrifício resultante do planeamento urbanístico deve ser proporcional ao dano efetivamente produzido e o seu modo de cálculo deve constar do próprio plano.

Na Holanda, o valor da indemnização integra o dano patrimonial de capital (redução do valor da propriedade) e o dano com a cessação de rendimento, suportando o lesado uma “franquia” de 2% do rendimento que deixou de auferir por ocorrência do dano ou do valor de depreciação da propriedade. De realçar que não existe lugar à indemnização se a

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compensação for atribuída de outro modo, facultando a utilização de procedimentos perequativos.

Na Espanha, a privação do direito de edificar pode dar azo a indemnização (indemnização pelo sacrifício) nas circunstâncias previstas na lei e desde que não seja possível compensar o particular através dos mecanismos de perequação.

Na Alemanha a indemnização pelos danos sofridos em consequência das opções do plano encontra-se expressamente prevista, tendo o particular direito a indemnização face à afetação do solo para usos públicos bem como quando seja alterado o zonamento previsto em plano, sempre que tal se traduza na alteração de zonamento de uso privado para uso público. Neste caso, a indemnização corresponde à diferença entre o valor de uso permitido e o novo valor decorrente do uso público do solo.

Por outro lado, quando o plano proceda à alteração de uso privado para um uso público, se o particular não tiver concretizado o uso inicial, ainda que não tenha decorrido este período de 7 anos, a indemnização não é substancialmente reduzida, sendo usual a aquisição do bem pelo município.

Em Inglaterra, as limitações ao direito de propriedade decorrem do interesse público concreto, como é o caso da realização de obras públicas, suscetíveis de indemnização. Neste caso a indemnização resulta da redução do valor do terreno causada pela atividade de construção das obras ou pelo uso subsequente à execução de tais obras, especificando a lei os fatores físicos que podem depreciar a propriedade e dar azo a indemnização (ruído, vibração, emissão de gases etc.).

Também pode existir indemnização por revogação ou alteração do planning permission, a determinar em função dos custos tidos com os trabalhos, perdas e danos diretamente resultantes de tal decisão, e indemnização por depreciação do valor do terreno resultante de decisões de planeamento que afetem direitos de particulares.

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2.6.1.3. Sistemas de compensações ambientais

A análise efetuada permitiu apurar a existência de sistemas perequativos à escala local e à escala alargada, como expressão do princípio da equidade e coesão social, bem como alguns sistemas de compensação decorrentes de ações tendentes à proteção ambiental.

Na Itália, no caso concreto da Região da Lombardia, o Plano Territorial Regional determina as formas de compensação económico-financeiras a favor das entidades locais sujeitas a limitações de desenvolvimento bem como modalidades de compensação ambiental e energética pelas intervenções que determinam impactos relevantes no território.

Na Holanda, onde as questões ambientais assumem uma maior acuidade atenta a sua situação geográfica, merece destaque o fenómeno das compensações red-for-green, no contexto das quais se compensa a cedência de solo para fins ambientais mediante a atribuição de terrenos edificáveis aos proprietários lesados ou pela qualificação de certos terrenos como tal.

Por outro lado a legislação relativa à utilização do solo para fins agrícolas, prevê no que concerne à requalificação da propriedade agrária, a existência de cedências e permutas destinadas a compensar os proprietários pela delimitação de corredores ecológicos, bem como para efeitos de reparcelamento da propriedade agrária em geral.

Na Alemanha a lei prevê a existência de mecanismos de perequação compensatória relativa à conservação da natureza e da paisagem, nomeadamente o regime do Ökokonto (conta ecológica), que simplifica o regime das compensações ecológicas a que se deva proceder.

2.6.1.4. Forma e efeitos da classificação do solo, competência, nível de discricionariedade

Com exceção do caso de Espanha, nos demais ordenamentos analisados, a situação de base do solo não influencia o estatuto jurídico-económico do direito de propriedade. Em

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todos os casos, os usos abstratamente admissíveis resultam do zonamento e/ou da qualificação do solo.

Em todos os sistemas existe um sistema de planeamento com vários níveis, em função da organização territorial de cada país, que inclui planos de carácter estratégico e planos de maior densificação, vinculativos para os particulares. Realce merece o caso de Inglaterra onde, o direito do solo assenta em fontes diversas e os planos têm carácter meramente orientador.

Na França não existe distinção entre classificação e qualificação do solo - a zonage

réglementaire identifica os usos urbanos admissíveis no âmbito de operações

urbanísticas, estando em regra proibida a construção nas demais zonas. Os Schema de

Coherence Territoriale (SCOT), que não definem a classificação do solo mas são

importantes instrumentos de conceção e de planeamento estratégico municipal ou intermunicipal, referenciais para as diferentes políticas sectoriais municipais e que têm um prazo de vigência de 10 anos.

Na Itália, a definição formal do estatuto subjetivo da propriedade não existe. A competência para a aprovação destes planos é municipal mas a Região pode, a título excecional e em substituição do município que por inércia não aprove instrumentos de planeamento, assumir ela própria essa tarefa.

No sistema italiano, cada região trata a qualificação do solo de forma diversa, constatando-se significativas diferenças entre elas. Na Toscana o Piani Regolatore

Generale tem um prazo de validade de 5 anos, findo o qual caduca.

Na Holanda, onde as urbanizações de iniciativa privada são uma realidade recente, a classificação dos solos destina-se apenas a disciplinar a sua utilização, não produzindo quaisquer efeitos ao nível do regime jurídico da propriedade. Atentas as condições geográficas deste país e a prática de agricultura intensiva que aí ocorre, existe um regime especial para o solo rural, sendo de realçar que historicamente se chegou a registar uma diferença muito pequena entre o valor dos terrenos destinados à agricultura e dos terrenos urbanos. Compete aos municípios regulamentar o uso e qualificação do solo, mediante a

57 aprovação de planos, bem como regulamentar a gestão do solo nas áreas que não são objeto de instrumentos de planeamento.

Em Espanha, a classificação de solo rural e solo urbanizado é determinante para a definição do regime jurídico fundiário, desde logo porquanto envolve um regime de utilização próprio para cada classe de solo, bem como a aplicação de regras específicas para a valoração de cada um. O solo urbanizado implica a existência de urbanização concluída ou a sua integração de forma real e efetiva na rede urbana, dotado dos correspondentes serviços. As demais situações integram o solo rural.

Subsiste no ordenamento espanhol a distinção do solo em urbano, urbanizável e não urbanizável mas esta distinção não produz efeitos autónomos uma vez que é através da classificação de base do solo (ora denominada situação de base do solo, por razões de prudência legislativa que se prendem com a repartição de competências entre o Estado e as Comunidades Autónomas,) que se determina os usos possíveis, dentro dos limites do seu estatuto, bem como a intensidade de usos e a tipologia de construção.

Compete aos municípios proceder à classificação e qualificação do solo. De acordo com a Lei do Solo a transformação do solo deve ser efetuada em função da ponderação dos interesses económicos, sociais e ambientais subjacentes e só pode reclassificar-se como urbano o solo necessário. O restante solo rural deve ser preservado, principio que enquadra o grau de flexibilidade na classificação do solo.

Na Alemanha a classificação do solo tem efeitos no jus aedificandi apenas na medida em que limita e condiciona o seu exercício, integrando três categorias: solo abrangido por plano municipal vinculativo (Bebauungsplan - BbP), solo urbano sem tal plano e solo rural. O grau de densificação da legislação urbanística alemã impõe múltiplas condicionantes à elaboração dos planos, encontrando-se já definidos no Regulamento Federal de Construção (BauNVO), com grande detalhe, os usos admissíveis e os não admissíveis bem como os limites à intensidade de uso, regras que consubstanciam o estatuto jurídico objetivo dos terrenos, por efeitos da sua classificação no plano municipal, ou mesmo na sua ausência, por aplicação direta do direito da construção.

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Na Inglaterra não existe uma classificação do solo que defina o estatuto subjetivo da propriedade. A noção de regra urbanística oponível a terceiros é substituída pelo conceito de development, desenvolvendo-se a atividade urbanística em torno das pretensões de

development do solo e do uso que nele vinha sendo exercido, que culmina com o planning permission.

O sistema inglês apresenta um elevado grau de centralização no Governo e nas Regiões, em matéria urbanística. Estes poderes serão substancialmente reduzidos, se for aprovada a Localism Bill, proposta de lei ainda em análise, que introduz também novas formas de planeamento assentes no âmbito local.