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Direção da política externa brasileira nos acordos de exploração de recursos energéticos

Devido as dificuldades do Brasil em dar cumprimento a redação das Notas Reversais de 1941, 1952 e 1953 e da necessidade de estreitar os vínculos que uniam os dois países e de superar definitivamente algumas questões pendentes, foi necessário o estabelecimento de outros acordos. As questões pendentes entre os dois países referiam-se, a: fronteiras, ferrovia e petróleo (CUSICANQUI, 1986, tradução nossa). Para superar as questões em aberto entre o Brasil e a Bolívia nos acordos anteriores, foi assinada em 1958, os Acordos de Roboré, denominação dada ao conjunto de documentos por terem sidos assinados na cidade boliviana de Roboré, localizada próxima a fronteira do Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul. Os Acordos totalizam 31 documentos, sendo 10 convênios, 11 protocolos e 10 notas Reversais57. Os documentos tentaram, entre outros, atualizar o Tratado de 1938.

A principal e mais polêmica questão dos Acordos de Roboré, referia-se a exploração de petróleo e gás natural em território boliviano por empresas privadas brasileiras, em detrimento da recém criada estatal Petrobrás58. Esse ponto suscitou partidário a favor e contra o estabelecimento da estatal brasileira na Bolívia, para a exploração do petróleo. Os meios de comunicação e a sociedade civil organizada, bem como as organizações governamentais se manifestaram na época, tanto contra, como a favor acerca do tema. Para tentar superar o impasse, foi montada no “Congresso Nacional uma CPI [...], e o assunto foi parar até na incipiente televisão brasileira, onde debates foram travados sobre a questão” (VILARINO, 2010, p. 48).

Os Acordos de Roboré, em seus diversos documentos, instituía vários instrumentos de cooperação entre o Brasil e Bolívia. O conjunto compreendia negociações de petróleo, comércio, cooperação econômica e técnica, livre trânsito, limites, ligações ferroviárias e intercâmbio fronteiriço. As negociações sobre limites foram tratadas na Nota Reversal nr. 1.C/R, dentro do arcabouço do Acordo de Roboré. Esse instrumento diplomático só foi aprovado pelo Congresso Nacional em 1968, isto é, 10 anos após sua assinatura. Vilarinho, analisa a habilidade política com que o então governador brasileiro, Juscelino Kubitschek

57 Notas Reversais são instrumentos diplomáticos utilizados para atualizar ou esclarecer pontos de um tratado

anterior.

58 Nesse ponto os Acordos que tratavam da questão foram muito combatidos pelas forças nacionalistas que neles

reconheciam como um entrave contra o monopólio estatal que iniciava a se firmar no Brasil. A criação da Petrobras tinha ocorrido quatro anos antes da assinatura dos Acordos de Roboré. Os partidários em contrário ao estabelecimento da Petrobrás em território boliviano acordavam aos interesses das multinacionais e do próprio governo estadunidenses que tinham interesse em manter estrategicamente as reservas do petróleo boliviano devido às instabilidades do Oriente Médio e pelas regras do mercado internacional. Alem de manter sua pauta política na América Latina.

conduziu a questão, no sentido dos “acordos não saíram do papel, o petróleo não saiu da Bolívia, mas muita discussão jorrou em torno dessa questão, que era também pretexto para se discutir o próprio Brasil e seus rumos” (VILARINO, 2010, p. 49). A situação permaneceu até 1974, e com a instauração de governos ditatoriais nos dois países os trabalhos referentes ao trecho da linha-limite entre o Brasil e a Bolívia, descrita no instrumento foram concluídos somente em 1979. Alguns acontecimentos ocorridos na escala mundial no século XX, foram importantes para a retomada dos Acordos de Roboré, que fosse vislumbrada a construção do gasoduto Bolívia–Brasil. Entre eles a crise do petróleo de 1973, alavancou as negociações da integração energética entre o Brasil e a Bolívia.

O marco das operações brasileiras na pauta energética boliviana ocorreu com a assinatura em novembro de 1991, de uma “Carta de Intenções” entre a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) e a Petrobrás para a compra do gás boliviano. O protocolo entre os dois países firmou a presença da Petrobrás no território boliviano desde 1996, cujo estabelecimento e operações, tornaram-se grande participante na composição do PIB, ao longo das décadas seguintes. Além disso, as operações da empresa brasileira na Bolívia foi fundamental na produção de combustível utilizado internamente.

Tendo sido firmado o contrato de compra e venda do gás boliviano em 1993, foram criadas as empresas para a construção e operação dos gasodutos Bolívia-Brasil. Para construir e operar o gasoduto do lado boliviano, foi criada a Gás TransBoliviano S.A. (GTB), enquanto para as operações no território brasileiro foi criada a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil, S.A. (TBG) (MARTÍNEZ ACEBRÓN, 2006). Em 2001, o gás boliviano passa a ser distribuído no Brasil, sob o auspício dos termos acordados pelos novos documentos que tem como base os documentos de Roboré. Na extensão da zona de fronteira boliviano- brasileira, coube as implicações ambientais e sociais com a construção dos ramais das redes de dutos usadas para o transporte do gás boliviano para o território brasileiro. Os ramais da rede do gasoduto atravessam a região fronteiriça, pelos ambientes do Gran Chaco e Pantanal boliviano e brasileiro. A rede conta com o tronco de dutos (Gasbol), que é dividido para o lateral Cuiabá (figura 09).

Figura 9 – Trecho do Gasoduto Brasil/Bolívia – Gasbol e Lateral Cuiabá.

Segundo Vilas Boas, o gasoduto Bolívia-Brasil “pode ser considerado o principal gasoduto internacional do Cone Sul, que conecta o país detentor das maiores reservas do bloco (Bolívia) ao maior mercado consumidor” (2004, p. 68). A afirmação da autora diz respeito a distribuição das reservas de gás nos países do bloco MERCOSUL.

A rede do gasoduto (Gasbol), no primeiro trecho em território brasileiro tem uma extensão de 1.418 km, vai das cidades gêmeas de Porto Suarez – BO – Corumbá – MS –, á Guararema – SP. O segundo trecho tem extensão de 1.165 km e liga Gurarema – SP a Canoas – RS. No gasoduto Lateral – Cuiabá, a extensão corresponde a 627 km, sendo 267 km em território brasileiro e 360 km em território boliviano (figura 9). A construção da rede do duto lateral – Cuiabá teve início em 1997, e suas operações tiveram início em 1999. O transporte e fornecimento do gás natural boliviano para a Usina Termelétrica Cuiabá I (UTE), entrou plenamente em operação somente em 2010 (VILAS BOAS, 2004). A construção do gasoduto Lateral – Cuiabá passa pela área fronteiriça do oriente boliviano e atravessa o bosque Seco

Chiquitano, uma floresta tropical primária virgem de 100 km de diâmetro, catalogada como um ecossistema rico em biodiversidade, com uma das maiores riquezas em espécies e endemismos do mundo. Na “Ley General del Médio Ambiente”59, Nº 1333 de 27 de abril de

1992, a norma jurídica que regulamenta a proteção ambiental e dos recursos naturais na Bolívia (MARTÍNEZ ACEBRÓN, 2006, p. 32, aspas do autor). Este fato,

[...] tinha sido omitido no Estúdio de Evaluación de Impacto Ambiental (EEIA)60 aprovado pelo governo que catalogava esta floresta como uma

simples parte do Pantanal. O gasoduto atravessa a região provocando impactos diretos sobre o território de 36 comunidades indígenas, com uma população total de 8.108 pessoas” (MARTÍNEZ ACEBRÓN, 2006, p. 59). As implicações com a construção da estrutura de redes dos dutos para a área de fronteira boliviana envolveu questões de ordem ambiental e cultural. A alteração do local de reprodução das tradições e dos costumes constitui nas principais fragilidades inferidas ao ambiente fronteiriço com a extensão dutos. Os impactos diretos às comunidades afetadas pela rede de dutos, deveu ao: tráfego de caminhões pesados e maquinaria, quebra de pontes tradicionais, deterioração de caminhos históricos ao longo dos traçados, compactação do solo provocada pelas máquinas que, impede a filtração da água e provoca um processo de erosão nas clareiras abertas; perdas de solos com aptidão agrícola e diminuição na produção agrícola. Os aspectos culturais das comunidades fronteiriça boliviana constitui um conjunto de valores que reproduz a identidade territorial. Segundo Martínez Acebrón (2006), para a extensão dos dutos, 36 comunidade indígenas foram impactadas e muitas deslocadas do local de reprodução de suas tradições e costumes. O impacto na população levou a perda de importantes instrumentos culturais o que poderia levar a alteração no desenvolvimento das manifestações culturais seculares, devido a área territorial compor o conjunto para a manifestação das tradições e manutenção da identidade que, comumente produzem e reproduzem os vínculos com o lugar.

No aspecto ambiental, na área da fronteira boliviana, além da extensão dos dutos atravessarem o ambiente do Chaco seco e Pantanal, cujos impactos elevam o risco de comprometimento da biodiversidade do local, foram construídas caminhos laterais na

59 Lei Geral do Meio ambiente (tradução livre da autora).

60 É a principal ferramenta estabelecida na legislação boliviana para avaliar os impactos ambientais. Dependendo

do tipo de obra a ser realizada e dos impactos que podem ser provocados, o projeto será enquadrado dentro de uma categoria de avaliação das quatro existentes. Dos que precisam de EEIA, deverão contar com a Declaratória de Impacto Ambiental (DIA) e são do tipo: analítico integral; analítico específico. Os projetos que não precisão de EEIA se enquadra: analítico específico, mas pode ser aconselhável sua revisão conceitual; e os que não necessitam do EEIA.

extensão das tubulações, denominado de faixa de servidão61. Essas faixas ampliam as áreas abertas na floresta para a passagem dos dutos (figura 10).

Figura 10 – Faixa de servidão construída nas extensões dos dutos.

Fonte: <http://www.ibape sp.org.br.> (Palestras). Acessado em: 25 de out. de 2012. Modificado pela autora.

A abertura das estradas na floresta ao longo da extensão dos dutos ampliou a extensão da área usada pelas redes de dutos. A implantação dessas faixas colaborou nos impactos ambientais e no deslocamento de comunidades inteiras do lugar de reprodução de seus costumes, sendo que muitas dessas comunidades, sobretudo as bolivianas por possuírem tradição arraigada ao uso da terra. Outros impactos são auferidos as áreas de servidão do gasoduto Bolívia-Brasil, como os caminhos possibilitados que tem permitido invasões por parte de empresários rurais. Além disso, adensou o trânsito de fluxos de toda ordem que se efetivam em partes nessas estradas que circundam a extensão da rede dos gasodutos.

Sobre as áreas de servidão, ambientalistas defendem que a abertura dessas áreas ao longo da construção das redes de dutos ampliou os impactos ambientais, tanto na construção da estrutura, como na permanência delas ao longo das áreas cortadas pelo gasoduto. Na tentativa de minimizar os impactos a população boliviana, atingida pela rede de dutos foram implementadas algumas ações compensatórias, como a criação de planos de desenvolvimento local.

61 Constitui-se na faixa de terreno de 20 a 30 metros de largura, sinalizada que acompanha o percurso dos dutos,

Para compensar os impactos negativos provocados pelo gasoduto na Bolívia foram implementados dois “Planes de Relaciones Comunitárias” e um “Plan de Desarrollo Indígena”. No Plano para San José de Chiquitos foram investidos US$ 1,15 milhões. O Plano para San Matias destinará US$ 1,5 milhão a projetos. [...]. O “Plan de Desarrollo Indígena” implementado pela GOB contou com US$ 2,16 milhões para sua implementação, com o objetivo de melhorar as condições de vida das comunidades indígenas atingidas pelo gasoduto. Tenta-se alcançar o objetivo através da implementação de investimentos em infra-estrutura, apoio na produção agropecuária e no registro da propriedade das terras. Até dezembro de 2003, 27 das 28 comunidades tinham recebido os títulos de propriedade comunitária de 150.000 ha. (MARTÍNEZ ACREBRÓN, 2006, p. 59, aspas do autor).

A extensão dos dutos parte da fronteira brasileira, também inferiu elevados impactos ao meio ambiente. A rede dos dutos atravessou parte do Pantanal mato-grossense, cuja fragilidade ambiental é reconhecida por ser detentor de grande biodiversidade, propiciado pelo seu peculiar regime hídrico. As particularidades da planície alagadiça a torna sensível as alterações antrópicas de toda monta, inclusive no seu entorno. Devido a sensibilidade na construção dos dutos no Pantanal, gerou um ativo compensatório por parte da empresa concessionária do gasoduto. Portanto, para compensar os impactos provocados pelo gasoduto na área fronteiriça brasileira foram desenvolvidos pela GOM, acordados aos seguintes instrumentos:

 Acordo de Compensação Ambiental assinado com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) para a elaboração de Plano de Gerenciamento para o Parque Nacional do Pantanal.

 Acordo para a preparação e implementação do Plano de Desenvolvimento de Povos Indígenas, assinado com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), para beneficiar os índios Chiquitanos, residentes na região de Cáceres.

 Acordos de Compensação Social, assinado com prefeituras e comunidades atingidas, para melhoria de infra-estruturas como escolas e campos de futebol entre outros.

 Termo de Ajustamento de Conduta, assinado com o Ministério Público para, entre outros, a construção de um Museu de Arqueologia para abrigar as peças arqueológicas achadas durante a construção do gasoduto.

Mesmo com o número de instrumentos que objetivaram compensar os impactos ambientais em um empreendimento de tamanha monta, os prejuízos de ordem ambiental e social são difíceis de serem mensurados. Os instrumentos relacionados, inquiriam a mitigação dos impactos na elevação de alguns benefícios sociais e econômicos, inferidos as

comunidades bolivianas atingidas pela extensão da estrutura dos dutos foram: grande número de empregos gerados na construção do gasoduto, da elaboração do Plano de Compensação Socioeconômica, Plano de Desenvolvimento dos Povos Indígenas e do ativo de tributos gerados pelo serviço de transporte. Os benefícios do Plano de Compensação Socioeconômica e do Plano de Desenvolvimento dos Povos Indígenas foram relacionados:

O Plano de Compensação Sócio-Econômica, que beneficiou diretamente 51 prefeituras escolhidas em função das carências sociais e grau de interferência das obras nos municípios. O orçamento total do Plano foi de RS$ 3,6 milhões. [...] O Plano de Desenvolvimento dos Povos Indígenas beneficiou 22 aldeias com R$ 50.000 para cada uma, em total R$ 1,1 milhão. Os recursos financeiros foram utilizados nos projetos decididos pelas próprias comunidades. (MARTÍNEZ ACEBRÓN, 2006, p. 47).

Além dos planos de compensação dos impactos da construção do gasoduto e na tentativa de minimização dos impactos no ambiente pantaneiro foram feitas importantes alterações nos projetos, em virtude das versões do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Ficou definido no EIA/RIMA, elaborado pela Petrobrás as premissas do traçado que eram “evitar os ecossistemas sensíveis sempre que possível; reduzir a superfície das áreas de impacto e a utilização de técnicas que causassem as mínimas perturbações na paisagem e no funcionamento dos ecossistemas” (MARTÍNEZ ACEBRÓN, 2006, p. 49).

Para que as metas fossem atingidas, foram definidos e utilizados procedimentos diferenciados, como: o desvio do traçado para evitar ecossistemas sensíveis, a largura da faixa de servidão reduzida em várias partes do traçado, o derrubamento de árvores foi feito manualmente. Os trechos que atravessam rios foram perfurados abaixo de seus leitos e nas zonas pantanosas foram atravessadas durante a temporada de chuvas com o método “push- pull”62. Foram construídos túneis em terrenos inclinados, regeneração da cobertura vegetal ao longo da faixa de servidão e um plano de compensação ecológica com fundos para áreas protegidas (MARTÍNEZ ACEBRÓN, 2006, aspas do autor).

Na extração, refino e transporte dos recursos energéticos bolivianos pela estatal brasileira Petrobrás, os Acordos de Roboré permaneceram no rumo dos acordos de integração energética. Os acordos constituíam também, em instrumento importante na manutenção da relação de cooperação entre os dois países. A implementação de parte desses acordos, sobretudo, na instalação e na construção da infraestrutura de redes dos dutos do gasoduto

62 Com a utilização de bóias que eram removidas para colocar os tubos já acoplados e com um revestimento

Lateral – Cuiabá inferiu impactos na área da fronteira que compreende parte oriente boliviano, com o estado de Mato Grosso. Os acordos de Roboré teve protagonismo nas diversas negociações estabelecidas entre os dois países durante a segunda metade do século XX. Somente na década de 2000, foi que novos acordos de cooperação, comércio, segurança e de ampliação e manutenção das relações transfronteiriça foram sendo firmados entre o Brasil e a Bolívia. Na atualidade, alguns documentos e protocolos dos Acordos de Roboré permaneceram em vigor e outros foram sendo reformulados para atender aos interesses dos países, em firmar as estratégias de cooperação transfronteiriça.