• Nenhum resultado encontrado

Para a identificação dos contrastes e das convergências de um dado recorte territorial, faz-se necessário a identificação das territorialidades estabelecidas. Parte-se do princípio que o recorte fronteiriço carrega em sim um controle sobre a área, um poder que por si só define o território. No espaço fronteiriço, verifica-se que as territorialidades são concebidas por todos os sujeitos que desenvolvem estratégias espaciais para “atingir, influenciar ou controlar recursos e pessoas [...]” (SACK, 1986, p. 1 apud HAESBAERT, 2007, p. 78). Para o autor citado, as estratégias de controle são desenvolvidas em qualquer área. Apesar de ser concebida a partir da definição de poder, “a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral” (RAFFESTIN, 1993, p. 158, aspas do autor). O uso social do espaço material no intento de modificar as relações, tanto social, como com a natural, não homogenizam esse espaço. Como processo a territorialidade não define quem está “dentro” ou “fora”, não carrega a noção de unicidade e exclusividade como o território (RAFFESTIN, 1993, aspas do autor).

As formas mais reconhecidas da territorialidade humana são as juridicamente constituídas como a propriedade privada da terra que se manifesta em diversos contextos sociais. “A territorialidade se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais; ela é consubstancial a todas as relações e seria possível dizer que de certa forma, é a “face vivida” da “face agida” do poder” (RAFFESTIN, 1983, p. 161-162, aspas do autor). Comumente as “relações são midiatizadas simétricas ou dissimétricas com a exterioridade (RAFFESTIN, 1983, p. 161), cujos conflitos são dados pelas variações na dinâmica das territorialidades. Um dos confrontos pode ser verificado no limite territorial, visto que nem sempre a extensão da territorialidade de um elemento geográfico coincide com os limites de um território. O jogo do poder no espaço da fronteira eleva outros comportamentos que pode levar a identificação de novas territorialidades de outro elemento de poder, devido o confronto das forças que pode justificar a formação de novos territórios (BRASIL, 2005).

Verifica-se que, o recorte fronteiriço elencado é permeado por diversas territorialidades, determinadas por atores que agem conforme suas determinações institucionais, sociais, culturais e econômicas. Vários exemplos podem ser relacionados, como: no controle pela gestão das áreas por determinação de controle, e mesmo de políticas socioeconômicas. A definição dos aparatos de controle do espaço da fronteira ocorre em várias escalas de poder ou mesmo na sobreposição delas. As ações se distribuem nas escalas transnacionais, do estado nacional, dos estados federados, das unidades municipais e de outros recortes instrumentalizados para possibilitar o estabelecimento de gestão diferenciada, como da faixa de fronteira. Sendo no território brasileiro é definida como um polígono que envolve uma faixa de terras estabelecidas ao longo do limite internacional brasileiro, criada por Lei. Enquanto, a zona de fronteira ou região de fronteira, constitui de um recorte da área de fronteira, não definida por instrumento legal e que parte da demanda da população local não é definida nos acordos bilaterais. Em resumo, a base territorial da zona de fronteira consiste em um polígono que envolve uma área pertencente aos dois entes nacionais, divididos pelo limite internacional.

As características na definição dos recortes de fronteira vêm ao encontro das definições de territorialidade de Sack citado por Haesbaert, para o autor “a territorialidade deve proporcionar uma classificação por área, uma forma de comunicação por fronteira e uma forma de coação ou controle” (SACK, 1986 apud HAESBAERT, 2007, p. 88). Para Sack (1986), em sua terceira definição, territorialidade “pode ser a estratégia mais eficiente para reforçar o controle se a distribuição no espaço e tempo, dos recursos ou coisas a serem controlados cai entre a onipresença e a imprevisibilidade (p. 40). Caso dos espaços fronteiriços, onde a territorialidade das instituições estatais exerce quase sempre controle do território. Mesmo nessa proposição, a territorialidade11 reflete e dota de significado o concreto e incorpora as relações econômicas e culturais, além da dimensão estritamente política. Para Raffestin (1993), que retoma as análises de Soja, “a territorialidade seria composta por três elementos: o senso de identidade espacial, senso de exclusividade, compartimentação da interação humana no espaço”. (p. 162).

Como visto, o território teve atrelado a,

[...] toda tradição intelectual que procurou desenvolver os “macrofundamentos” das ciências sociais [...], ao passo que a noção de “territorialidade” baseia-se na busca dos “microfundamentos” da mesma,

11 No processo de dominação ou apropriação, depende de múltiplos agentes/sujeitos envolvidos. Diante disso, o

território e a territorialização devem ser tratadas na multiplicidade de suas manifestações e de seus poderes incorporados ao recorte.

voltados ao desvendamento do significado da individualidade e da subjetividade presentes nos fenômenos e eventos relativos ao homem [...]”. (PENHA, 2005, p. 7, aspas do autor).

Em qualquer recorte espacial, identificam-se sistemas de controle de interesses, decisões e ações, como do simbólico e também nas ações do cotidiano social. No recorte fronteiriço essas dimensões são sobrepostas por dois níveis de interesses dos entes nacionais. Logo, são diferentes sistemas interagindo no mesmo cotidiano social. Destaca-se que, no espaço fronteiriço, outras instituições reelaboram as territorialidades e parte delas são dadas pelo estabelecimento das redes, cujas particularidades aportam em fluxos que nem sempre convergem com os interesses dos entes nacionais envolvidos pela fronteira internacional. No tema, Moura (1997) enfoca que os territórios são postos a partir da transitoriedade das territorialidades no espaço das redes:

Agentes e sistemas de ações expressam seu poder e são responsáveis por novas territorialidades. Essas territorialidades, em movimentos contínuos e transitórios, são fragmentos recriados a partir de processos sociais, que reforçam o anacronismo da demarcação de limites externos de lugares e de regiões. (p. 99).

Em áreas que apresentam ínfimas mudanças paisagísticas, os limites territoriais são evidenciados pelos vetores identitários, como a língua e a cultura. Esses condicionantes são indicativos de individualização de um povo e, consequentemente de um determinado território. “Com isso podemos ver que, mesmo nesta dimensão de abordagem fixada pela territorialidade [...], o conceito de fronteira já avança para os domínios daquela construção simbólica de pertencimento que chamamos de identidade [...] que se define pela diferença” (PESAVENTO, 2002, p. 360). Mesmo nos limites estabelecidos politicamente, com relativa coesão cultural e com uma contiguidade paisagística a língua reforça a condição de limite. Um caso ilustrativo dessa condição está presente na área da fronteira mato-grossense com o oriente boliviano. A rigor, os elementos de identidade por si só constitue-se em limites e reforçam a demarcação dos limites políticos na formação dos territórios, brasileiro e boliviano.