• Nenhum resultado encontrado

A especificidade na divisão de duas unidades territoriais, sobretudo de entes nacionais criam na fronteira dois movimentos de poder. No território esses movimentos definem a concessão para os que podem ter acesso a ele e no outro é uma confrontação para os que não podem ter acesso. Do conflito de interesses territoriais no recorte fronteiriço, justificou por longos períodos de institucionalização de grandes aparatos de controle e de segurança no espaço da fronteira. Atualmente, as questões territoriais têm dado lugar as preocupações com os fluxos transfronteiriços para justificar o aparato de controle presente nos dois lados da linha de fronteira. Entre os confrontos de interesses são elevados as legislações diferenciadas, e os objetivos específicos para assegurarem a unidade territorial pelas linhas limítrofes.

Como conceito, o território é carregado de diferentes significados, dada pelos sujeitos na definição do espaço de poder. Os sujeitos têm diferentes formas de definir o território que pode ser designado no senso comum de espaço social, na etnologia de espaço apropriado por algumas espécies animais e tem ainda existência no campo simbólico. No exemplo, a definição de território é para as instituições governamentais o que equivaleria as regiões de gestão, para a distribuição de poder e ações políticas tendo como referência um poder central. Como visto, uma reflexão do conceito de território, dada sua gama de estudos e posicionamento eleva o tratamento de territórios fronteiriços como recortes, cujo poder se comporta de forma diferenciada devido o encontro de interesses comumente divergentes.

Aqui, abre-se um parêntese para o tratamento de território como conceito e não como categoria. Apesar de ter autores que não priorizam essa discussão, como Claude Raffestin (1993), ao referir-se a espaço e território como conceitos, ou mesmo como uma noção. “Não discutiremos aqui se são noções ou conceitos, embora nesses últimos vinte anos tenham sido feitos esforços no sentido de conceder um estatuto de noção ao espaço e de conceito ao território” (p. 143). Para o autor, é importante entender que,

o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” [aspas do autor] o espaço. (RAFFESTIN, 1993, p. 143, grifo do autor). Na definição do autor fica claro que toda representação no espaço e a partir dele, necessita de códigos e sistemas sêmicos. Todo sistema de representação no espaço tem implícito determinada gama de poder. Assim, fica determinado o que Raffestin explicita: “O

espaço é a “prisão original” (aspas do autor), o território é a prisão que os homens constroem para si” (RAFFESTIN, 1993, p. 144). Mesmo nessa proposição estanque, há que se observar que a construção dessa prisão passa pelo campo reacional. No que concerne a noção do espaço da fronteira passa, impreterivelmente pela noção de limite que é um aspecto fundamental do território, conforme trata Raffestin:

Falar em território é fazer referência implícita á noção de limite que, mesmo não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com uma porção do espaço. [...] Sendo a ação sempre comandada por um objetivo, este é também uma delimitação em relação a outros objetivos possíveis. (RAFFESTIN, 1993, p. 153).

Como visto, o autor desenvolve uma abordagem múltipla, pois propõe uma interpretação fundamentada no campo relacional do poder no sentido de apropriação física, material (através de fronteiras jurídico-políticas) e imaterial, simbólica e subjetiva. Nesse contexto, fica claro que o território é resultante da fragmentação do espaço geográfico a partir do processo de apropriação ou dominação que se estabelece. Apropriação e/ou dominação é que vai determinar os que estão de fora e os que têm acesso a essa porção do espaço. Para os que têm acesso, cria-se uma solidariedade entre os entes sociais. Essa amalgama territorial, seja via ideológica, simbólica ou identitária, vai contribuir para coesão territorial e fazer frente a outras estruturas sociais ou mesmo de grupos, contribuindo em alguns recortes da fronteira brasileira para a formação de novas estruturas sociais.

No arranjo espacial, a de reconhecer que todas as relações sociais são impressas por um poder, seja pelo viés da apropriação (simbólico) ou de dominação (ideologia, força) é o domínio do espaço que qualifica o território (RAFFESTIN, 1983; HAESBAERT, 2007). Nesse sentindo, Haesbaert corrobora essa conjugação de forças imprimidas no espaço para a dominação e/ou apropriação tendo como resultado o território.

O território é um produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou o controle político-econômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados. (HAESBAERT, 2002, p. 121).

Dada a variação de concepção das forças que são impressas no controle social do espaço, entende-se a necessidade de distinguir os territórios de acordo com os sujeitos que os constroem. Para Haesbaert (2007; 2002), são vários os sujeitos: os indivíduos, grupos sociais, o Estado, empresas, instituições como a Igreja e outros. “O poder está presente nas ações do Estado, das instituições, das empresas..., enfim, em relações sociais que se efetivam na vida

cotidiana, visando ao controle e a dominação sobre os homens e as coisas [...]” (SAQUET, 2007, p. 33). Nessa perspectiva, o domínio exercido sobre o espaço deve-se, tanto para realizar funções quanto para produzir significados. Dada a “polissemia [...]” acerca do território (HAESBAERT, 2007, p. 39), vários autores se debruçaram sobre o conceito. Haesbaert promoveu um agrupamento das abordagens de território nas seguintes vertentes:

A jurídica-política, constitui a vertente mais utilizada na geografia em que o espaço é delimitado e controlado a partir de relações de poder. Isto é, “relativa, também a todas as relações espaço-poder institucionalizada [...]”. Nesta vertente, o território é associado aos “fundamentos materiais do Estado” (HAESBAERT, 2007, p. 40 e 62). Acerca dessa vertente, destacam-se as abordagens ratzelianas. Foi no final do século XIX, que o alemão Friedrich Ratzel introduziu a noção de território através da publicação da obra Antropogeografia, cuja concepção partiu da biogeografia, devido assentar-se no movimento dos homens sobre a terra. Esse movimento envolveu avanços e retrocessos, contrações e expansões, daí a concepção de “espaço vital” para a vida humana (aspas nossa). Da simbiose entre solo (de onde o homem tira o sustento) e o Estado (as relações dos homens), criou-se o conceito de território, como uma parcela do espaço identificado pela posse, área de domínio de uma comunidade ou do Estado. Assim, a concepção do espaço vital prescreve um dado espaço, delimitado por fronteiras controladas pelo poder exercido pelo Estado-nação que tem a finalidade de defender o território contra a ameaça de possíveis invasores (HAESBAERT, 2007).

Outra abordagem de território tratada pelo autor foi a culturalista. Essa vertente enfoca a dimensão simbólica e subjetiva, sendo o território construído a partir dos referenciais do imaginário e/ou da identidade social sobre o espaço. Nessa vertente, “o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido” (HAESBAERT, 2007, p. 40). Essa abordagem tem muito do lugar, onde ocorrem as relações determinadas a partir do estabelecimento dos costumes e dos modos de vida de sua população. Entre os principais estudos do conceito de espaço vivido estão os realizados por Tuan (1985), que discutindo o território, promove uma analogia entre a concepção geográfica e aquela adotada pela etnologia9.

9 Tuan ao estudar o comportamento das várias espécies animais nos respectivos espaços vitais aponta para o

exercício do poder sobre o espaço com a finalidade de protegê-lo dos intrusos. O comportamento evidenciado pelos animais, como de propriedade sobre certas áreas delimitadas como sua propriedade territorializa o espaço. Para Tuan, a peculiaridade humana reside na capacidade de desenvolver emoções e pensamentos criando, dessa forma, um sentimento de lealdade e solidariedade por meios de signos e símbolos, o que leva à formação de uma identidade do lugar: a topofília. A relação de poder que delimita um território passa a ser definido pelo autor como lugar.

Na abordagem econômica “menos difundida, enfoca a dimensão espacial das relações econômicas, o território fonte de recursos [...] e na relação capital-trabalho, como produto da divisão “territorial” do trabalho [...]” (HAESBAERT, 2007, p. 40). Nessa concepção, destaca a desterritorialização social como fruto do embate entre as classes sociais. O autor ressalta que há outra abordagem territorial menos difundida nas Ciências Sociais que seria o enfoque do território com base na relação sociedade-natureza, em particular, no comportamento “natural” dos homens com relação ao seu espaço físico (HAESBAERT, 2007).

Para o conceito de fronteira, a concepção de território consiste na sua existência e manutenção. Na análise do território fronteiriço as implicações aparecem nas escalas em que os recortes se encontram inseridos. Para tanto, entende-se que na escala nacional, supranacional e a luz de intervenção das instituições10 estatais vão implicar na dimensão de controle jurídico-administrativa. Em outras escalas de análise, compreende-se que o território de fronteira é um produto dos demais processos de controle, como da dominação e/ou apropriação do espaço pelos diversos sujeitos. No caso da fronteira, o controle do território e dos fluxos transfronteiriços contrastam com os interesses de duas estruturas nacionais que comandam os agentes estatais e não-estatais na “dominação e/ ou apropriação do espaço físico [...]”. “Os processos de controle (jurídico/político/administrativo), dominação (econômico social) e apropriação (cultural-simbólica) do espaço geográfico nem sempre são coincidentes em seus limites e propósitos” (BRASIL, 2005, p. 17).

Segundo BRASIL (2005), dois movimentos podem ser observados na territorialização desses processos: “de cima para baixo” (a partir da ação do Estado ou das grandes empresas); “de baixo para cima” (através das práticas e significações do espaço vivido). São esses processos que pelo uso e posse delineiam o território de fronteira. Nesse contexto, o território abandona a concepção de fixação e estabilidade para a compreensão de movimento dos fluxos no estabelecimento dos fixos territoriais.

As reflexões e as dimensões que se evidenciam sobre o conceito de território refletem diferentes visões de mundo, sendo observada nas distintas fundamentações filosóficas e nas posições dos estudiosos do tema. As proposições de território sobrepõem a diferentes tipos de poder, desde o macro poder com suas definições estatais e supranacionais, passando pelas definições de gestão até os micros poderes nas definições do espaço vivido. Então, o território se define com referência nas relações estabelecidas em um determinado contexto histórico e material. Essa proposição conjuga com a colocação de Maurice Godelier (1984), citado por Haesbaert (2007). Para o autor, “as formas de propriedade de um território são ao

mesmo tempo uma relação com a natureza e uma relação entre os homens [...]”, sendo está última “dupla: uma relação entre as sociedades e ao mesmo tempo uma relação no interior de cada sociedade entre os indivíduos e os grupos que a compõem” (GOBELIER, 1984, p. 15 apud HAESBAERT, 2007, p. 78). As relações de poder se expressam nas territorialidades.