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Segundo Peiter (2005), na geografia a literatura sobre limites e fronteiras apresentou duas tendências principais: a primeira consistiu na discussão sobre limites internacionais, encontrada nos clássicos da Geografia Política e da Geopolítica (F. Ratzel; O. Schulter na Alemanha; C. Vallaux, J. Brunhes, J. Ancel na França; Lord Curzon; H. Mackinder na Inglaterra; R. Haushofer), entre outros que trataram do tema. A segunda tendência foi a discussão sobre o avanço da ocupação de territórios ainda não incorporados a economia mercantil, onde a fronteira surgiu como metáfora da expansão da linha de povoamento interna aos estados nacionais. Entre os autores brasileiros que realizaram significativas revisões sobre o tema das fronteiras e limites, foram: Martins (1997); Martin (1998); Silva (2001); Ribeiro (2002); Peiter (2005); Machado (2005; 2002; 2000; 1998); Steiman (2002; 2008) e Foucher (2009). Além de outros autores que tiveram relevância no tema em outros campos da ciência, como a Geopolítica.

Na análise de Ratzel, a origem da fronteira reside no movimento humano. Para ele “a fronteira poderá avançar se as condições vitais o favorecerem [...] ou se o movimento no sentido contrário enfraquecer [...]” (MARTIN, 1998, p. 15-16). As noções de fronteiras de Ratzel influenciaram também na análise de Curzon acerca do tema. Elas aparecem em partes do seu texto, apesar deste último ponderar que a posição geográfica, caráter do povo e agentes físicos não se constitui nas únicas causas atuantes no desenho das fronteiras (CURZON OF KEDLETON apud MACHADO, 2005).

A literatura aponta que o termo fronteira surgiu a partir da divisão do império romano em unidades administrativas para melhor gerenciar a cobrança de impostos. O termo cunhado para as fronteiras dessas unidades era limes, que significa confim entre dois campos (MARTIN, 1998, grifo do autor). Para o autor, “a palavra “fronteira” é derivada do antigo latim “fronteria” ou “frontaria”, que indica a parte do território situada “in fronte”, isto é, nas margens” (MARTIN, 1998, p. 21, aspas do autor). A transitoriedade da noção de fronteira na história vem modificando o seu significado. Nesse contexto, os autores que tratam do tema são os precursores na definição de novas categorias da noção de fronteira acordada com a periodização. Entre as noções acerca do conceito de fronteira há uma especial atenção para a formação do Estado Moderno. Para Martin (1998) foi a partir da “constituição do sistema

moderno12 [...] a problemática das fronteiras [...]” confunde-se com a questão das nacionalidades. Na afirmação do poder político, o Estado passa a exigir o “estabelecimento de limites rígidos e precisos tanto quanto possíveis entre as sociedades “nacionais” (p. 35-36, aspas do autor). A partir da constituição da soberania como fundamento do Estado, o limite passa a ser um instrumento, cuja finalidade seria de término da ação desse sistema.

A medida que essas noções foram se modificando novas atribuições foram sendo determinadas aos recortes fronteiriços. Daí novas categorias e classificações foram sendo incorporados, tanto espacialmente, como temporalmente, na análise das fronteiras como limites dos territórios. No estudo da evolução dos limites, Richard Hartshorne introduz o contexto histórico e cultural (MACHADO, 2000). Para o autor e seus colaboradores (Derwent Whittlesey e Stephen Jones)13 os limites internacionais poderiam ser classificados de acordo com a paisagem cultural. Para eles ocorreriam mudanças ao longo do tempo e, também nas etapas de delimitação e demarcação dos territórios em relação à ocupação da fronteira. Exemplificam uma tentativa de descobrir as adaptações das fronteiras aos fatores de ocupação humana e uso da terra e ao desenvolvimento de culturas e costumes diferentes. Nessa análise, os autores sugerem que considerasse a classificação de acordo com o período de estabelecimento do limite político. Esses aspectos determinaram os tipos de classificação diferenciada para o limite e se estes foram estabelecidos antes ou depois do desenvolvimento da maioria dos aspectos da paisagem cultural. Nesse caso, o limite político estaria em conformidade ou não com uma série de aspectos desta paisagem.

Julian Minghi (1963), citado por Steimam em sua revisão sobre o tema das fronteiras internacionais, ressaltou o vínculo entre as ideias sobre o meio histórico e geográfico na qual são elaboradas. Para o autor, a variedade metodológica resultante produz com freqüência, conceitos contraditórios entre si. Evidência como as classificações e tipologias de fronteira evoluíram da simples divisão natural artificial para outras que descrevem a base da fronteira como física ou antropogeográfica até chegar àquelas com base na paisagem cultural (JULIAN MINGHI, 1963, apud, STEIMAM, 2008). As concepções levantadas evidenciam que a fronteira opera sob uma base espacial e histórica. Portanto, a circunscrição de uma unidade

12 Esse sistema foi formado pelo Tratado de Westfália. Esse acordo determinava a paz para a Guerra dos trinta

anos. Essa Guerra tinha fundo religioso e passou a ter cunho político, selou a separação entre a igreja e o Estado, e passou a demandar a soberania como fundamento da existência do Estado.

13 Essa classificação proposta por Richard Hartshorne, Derwent Whittlesey e Stephen B. Jones se caracterizaram

por definirem denominações como: Fronteiras antecedentes, quando foram antecedentes ao povoamento; subseqüentes, quando foram subseqüentes ao desenvolvimento do aspecto cultural que prevalece; superimpostas ou sobrepostas, quando cortam áreas nas quais há unidade cultural e; consequentes são as estabelecidas em região escassamente habitadas ou em zonas onde obstáculos as comunidades produzem efeito de barreira (BOGGS 1940 apud SILVA, 1941, p. 137).

territorial não ocorre sem a definição de suas fronteiras. Para Foucher (2009) essa circunscrição “formam o quadro da atribuição e da transmissão de uma nacionalidade, de uma cidadania como ligação jurídica de um Estado a sua população constituinte” (p. 22).

Vários aspectos que caracterizam e limitam as unidades territoriais foram evoluindo ao longo da história. Entre os aspectos que evoluíram na caracterização dos limites internacionais foram os instrumentos demarcatórios. Esses instrumentos estão aportados na determinação tecnológica e vai desde características topológicas até linhas imaginárias definidas ideologicamente. Para cada período histórico um tipo de limite internacional foi sendo caracterizado, com função principal de manter a coesão territorial. Para Steimam (2008):

O estabelecimento das fronteiras políticas internacionais constitui-se usualmente de três etapas: a) a delimitação, que consiste na fixação dos limites através de tratados internacionais; b) a demarcação, que é a implantação física dos limites, por meio da construção de marcos em pontos determinados; c) a densificação ou caracterização, etapa na qual se realiza o aperfeiçoamento sistemático da materialização da linha divisória, mediante intercalação de novos marcos, com o objetivo de torná-los cada vez mais intervisíveis. (p. 18).

Na discussão de vários autores acerca das escolhas de elementos topológicos usados como limites, como os grandes rios para a divisão de territórios têm proposições variadas e que convergem entre si. Entre as proposições estão a dos rios servirem como um instrumento de ampliação da integração entre os países. Na definição de elementos topológicos como fator de limitar os territórios e as nações, na proposição de fronteiras naturais, são os anecúmenos14 que constituem nas verdadeiras barreiras. Para Curzon of Kedleton citado por Machado, a definição de rios e montanhas como limites entre os territórios, estão relacionados a função prioritária da fronteira como fator demarcatório e de gestão política e administrativa. Para Steimam, “as discussões sobre a conveniência dos rios ou das montanhas como limites entre estados estão relacionadas à função prioritária da fronteira como fator de assimilação ou fator de defesa, respectivamente”(STEIMAM, 2008, p. 47). Enquanto para Durbens Nascimento (2010), a legitimação dos limites por referências físicas ou topográficas “se dá por intermédio

14 Ancel em seu livro (1938) coloca que as fronteiras físicas, “em matéria de fronteiras reais, isto é, eficientes, a

inspeção do mapa é falha; revela apenas rios e montanhas figuradas que são obstáculos; nada nos informa sobre a permeabilidade da fronteira. Os desertos humanos, os vácuos da humanidade não figurados, constituem, entretanto, as verdadeiras barreiras. Montanhas de areia, planaltos pedregosos, pântanos, matas densas, planícies geladas, eis as verdadeiras fronteiras físicas que separam os homens (ANCEL, 1938 apud DELGADO DE CARVALHO, Revista Brasileira de Geografia, p. 101).

de critérios puramente arbitrários, tais como, uma linha imaginária cortando e separando o referido território [...]” (p. 28).

A proposição arbitral dos limites territoriais, localizada nos pontos definidos por um referencial físico que limitam o acesso pode ser compreendido a luz da concepção de que não há espaço “vazio e puro” (aspas nossa). As posições dos autores acerca dos tipos de limites evidenciam que não há mais limites puramente naturais. Mesmos os pontos anecúmenos dos territórios são demarcados. Elas se processam com a indicação no terreno de marcos e sinais artificiais, mesmo que estes sejam determinados por um acidente natural ou geográfico.

Nas características de definição topológica para a delimitação dos territórios, com o intuíto de definir uma barreira física resistente e definitiva, encontrou contraposições em vários autores. Steiman (2008), ilustrando a posição de Lyde (1915), principal representante da posição de que, “o limite político ideal seria uma feição natural que de fato encorajasse um intercambio internacional pacífico, papel desempenhado vantajosamente pelos rios [...]” (LYDE, 1915 apud STEIMAN, 2008, p. 48). As constatações do início do século XX influenciaram na formatação e no resultado dea constituição de várias fronteiras atuais, sendo que os estados nacionais regulamentam os canais de seus rios como limites de seus territórios. Os toponímicos como instrumento de separação dos territórios nacionais foram sendo menos usados em virtude da evolução das ferramentas tecnológicas.

Nos limites sul-americanos tem-se incluído nas agendas políticas que incorporem infraestruturas para facilitar a integração fronteiriça pelos rios. No caso do Brasil, parte das reivindicações das demandas dos processos integrativos nos espaços fronteiriços sul- americanos vem sendo dotadas de infraestruturas (IIRSA), que visam facilitar o intercâmbio de pessoas, comércio e de serviços. Alguns exemplos dos projetos de estruturas de ligação entre o território brasileiro e seus limites, podem ser citados na região norte da fronteira brasileira, como a construção de pontes sobre rios-limites: a ponte que liga o Acre (Brasil), na cidade de Brasiléia com o departamento de Pando na Bolívia e a ponte que liga o Amapá (Brasil) e Guiana Francesa (França).

Essas proposituras definem os novos usos políticos e territoriais dos espaços fronteiriços. A construção dessas estruturas são possíveis diante da adoção de acordos bilaterais que fortalecem as relações entre os países. A Usina de Itaipu é resultado de um desses acordos entre três países sul-americanos, Argentina, Brasil e Paraguai, para a construção de infraestruturas que propõe aproximação e o estreitamento das relações transfronteiriça. Nos pontos em que são ampliados os instrumentos de integração o quadro

de possibilidades comerciais e de cooperação e de adensamento dos fluxos transfronteiriços se ampliam.

Uma característica na implantação de infraestruturas de transportes (rodovias e pontes) nos limites dos territórios, comumente constitui em instrumentos que possibilitam maior controle dos fluxos de pessoas, mercadorias e de produtos, uma vez que os pontos de passagem podem ser melhores monitorados pelas forças de segurança e controle, corpo aduaneiro e sanitário. Outro ponto importante na discussão de infraestrutura de barreira ou de ampliação dos processos de integração passa pela paisagem da fronteira que não esta nos elementos que formam seus limites físicos e sim no quadro que ele forma. Comumente, ao formar esse quadro no espaço de fronteira, defronta-se com outro circunscrito nesse espaço, o que reforça a colocação de Michel Foucher em afirmar que “não há identidade sem fronteiras [...]” (2009, p. 22). Então, há nesse espaço o esquadrinhamento de forças culturais diferenciadas o que pode estabelecer um quadro de tensão no espaço fronteiriço.