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O direito à educação para as pessoas com deficiência nas recomendações internacionais

3.2 (DES)CAMINHOS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO NA HISTÓRIA DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

3.3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS E O DIREITO À EDUCAÇÃO PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

3.3.1 O direito à educação para as pessoas com deficiência nas recomendações internacionais

Apesar da ênfase em convenções internacionais e legislações nacionais mais recentes sobre o direito à Educação para Todos, cabe lembrar que esta é uma garantia fundamental constante na Declaração Universal dos Direitos

Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. (ONU, 1948, p. 3).

A partir de tais princípios surge, internacionalmente, um aparato legal que busca garantir a educação para pessoa com deficiência, principalmente a partir da década de 70. Na Declaração dos Direitos das Pessoas Mentalmente

Retardadas, promulgada pela ONU em 1971, um dos seus sete artigos afirma que o

deficiente mental tem o direito à atenção médica e ao tratamento físico exigidos pelo seu caso, como também à educação, à capacitação profissional, à reabilitação e à orientação que lhe permitam desenvolver ao máximo suas aptidões e possibilidades (ONU, 1971, grifos meus).

Abrangendo todos os tipos de deficiência, em 09 de dezembro de 1975, foi promulgada, também pela ONU, a Declaração dos Direitos das Pessoas

Deficientes (ONU, 1975).

Em 1979, ocorreu no México a V Conferência dos Ministros da Educação e Ministros Responsáveis pelo Planejamento e Economia dos Países da América Latina e Caribe, na qual foram identificados muitos obstáculos à educação: extrema pobreza, baixa escolarização, altos índices de analfabetismo, elevadas taxas de repetência, inadequação dos currículos escolares, poucas alternativas de profissionalização diante das demandas do mercado, excessiva centralização político-administrativa dos sistemas educativos e o despreparo dos educadores, entre outros. Diante de tal quadro, foi solicitado à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) a elaboração de um Projeto Principal

de Educação, que foi aprovado em 1981, na Conferência Geral de Educação, em

Paris, tendo como objetivos: erradicar o analfabetismo até o final do século; melhorar a qualidade e eficiência da educação básica; e universalizar o acesso à educação, assegurando, antes do término de 1999 e num mínimo de 8 a 10 anos, a escolarização de todas as crianças em idade escolar. Entre os méritos desse Projeto está a criação de um espaço sistemático para encontros regionais entre

Ministros de Educação da América Latina e Caribe, os quais deram origem a várias declarações e recomendações internacionais (CARVALHO, R. 2004a).

O tema da educação das pessoas com deficiência, seguindo os objetivos citados anteriormente, ganha grande relevância no âmbito técnico-cientifíco em nível internacional, no ano de 1981, devido à comemoração pela ONU do Ano

Internacional das Pessoas Deficientes, destacando-se duas importantes

recomendações internacionais das quais o Brasil é signatário: as Declarações de Cuenca e de Suderberg.

A Declaração de Cuenca, resultante do Seminário sobre Novas Tendências na Educação Especial, promovido pela UNESCO e Oficina Regional de Educação para América Latina e Caribe (OREALC), no Equador, estabelece princípios da integração / inclusão:

(a) evitar que as incapacidades se transformem em impedimentos, socialmente impostos por inadequada atenção ou negligência;

(b) melhoria da qualidade dos serviços oferecidos por meio da capacitação de recursos humanos e avaliação dos planos educacionais;

(c) adoção de classificações funcionais para os portadores de déficits; (d) eliminação de barreiras físicas e atitudinais;

(e) maior participação das pessoas deficientes nos processos de tomada de decisões a seu respeito (ONU, DECLARAÇÃO DE CUENCA apud CARVALHO, 1997)

A Declaração de Suderberg, redigida ao final da Conferência Mundial sobre as Ações Estratégicas para Educação, Prevenção e Integração dos Impedidos, realizada em Torremolinos, Espanha, estabelece uma década destinada a estimular o cumprimento dos direitos à educação, saúde e trabalho para as pessoas com deficiência. Conforme o Art. 1º da Declaração, “todas as pessoas deficientes poderão exercer seu direito fundamental de acesso à educação, formação, cultura e informação” (CARVALHO, 1997).

Em 1990, foi promulgada a Declaração Mundial de Educação para

Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, resultante de

Conferência Mundial, realizada em Jomtien, Tailândia, convocada em conjunto pelas chefias executivas do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF; do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD; da UNESCO; e do Banco Mundial. A Conferência reuniu, entre 05 e 09 de março de 1990, cerca de 1500 participantes de 155 países, cujos delegados, articulados com representantes de 20 organismos intergovernamentais e 150 ONG’s, examinaram, em 48 mesas

redondas e sessões plenárias, os principais aspectos da Educação para Todos. Representa o consenso mundial sobre o papel da educação fundamental e traduz-se em compromisso de garantir o atendimento às necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos. O art. 3º refere-se à universalização do acesso à educação e a promoção da equidade, destacada no item 5:

5. As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo (UNESCO, 1990).

Planejar e organizar políticas educacionais voltadas às pessoas com deficiência e outras necessidades especiais foram a ordem do dia durante toda a década de 90, originando vários eventos e documentos de base que fundamentam a educação inclusiva. Em 1992, foi realizado em Caracas, Venezuela, o Seminário Regional sobre Políticas, Planejamento e Organização da Educação com Necessidades Especiais. Em 1993, durante a V Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe, promovida pela UNESCO e OREALC, no Chile, foi assinada a Declaração de

Santiago. (UNESCO, 1993) Também neste ano, surge a Declaração de Manágua,

decorrente do Seminário Internacional Rumo a um Novo Modelo para o Desenvolvimento de Políticas Sociais para Crianças e Jovens com Deficiência e Suas Famílias, coordenado pela Confederação Interamericana da Inclusion

International (Cilpedim), Instituto Interamericano da Criança (IIA) e da Associação

Canadense para a Vida Comunitária (CACL) (CILPEDIM, 1993).

Uma das mais famosas e citadas recomendações na área da deficiência, vista como principal marco histórico por muitos, é a Declaração de Salamanca de

Princípios, Política e Prática em Educação Especial. Fruto das demandas da

Declaração de Jontiem (1990), associadas aos sombrios quadros estatísticos relativos às pessoas com necessidades educativas especiais, reuniram-se em Salamanca, Espanha, entre 07 e 10 de junho de 1994, delegados de 92 governos e 25 ONGs para a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais. Embora tenha adotado as Linhas de Ação em Educação Especial, constantes no documento que subsidia as políticas e legislação educacionais vigentes no país, não

estiveram presentes ao evento representantes do Brasil por questões burocráticas internas do MEC. O princípio fundamental aprovado em Salamanca é que,

todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Deveriam incluir crianças deficientes e crianças bem dotadas, crianças que vivem nas ruas e que trabalham, crianças de populações distantes ou nômades, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidas ou marginalizados... (UNESCO, 1994, p. 17-18).

É cunhado, assim, o termo “necessidades educacionais especiais” para referir-se a todas as crianças ou jovens cujas necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem, em caráter permanente ou temporário.

Oportuno resgatar que, em 1996, ocorreu em Kingston, na Jamaica, um evento onde foram adotados os princípios do Relatório Jacques Delors, elaborado pela UNESCO na Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, sem eliminar os objetivos do Projeto Principal de Educação, pois ainda representavam metas a serem alcançadas. O Informe Delors apontou para a importância do sentido ético da educação, como processo a favor da paz e do desenvolvimento social dos povos, e a perspectiva de educação para todos ao longo de toda a vida, conciliando maior equidade com melhor qualidade educativa. Assentam-se, assim, os quatro pilares para a educação no Século XXI: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser” (MAZZOTTA, 2003a; CARVALHO, R. 2004a).

Em 1999, os líderes do Movimento de Vida Independente e dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, representantes dos 50 países participantes do Encontro "Perspectivas Globais em Vida Independente para o Próximo Milênio", em Washington, oficializam, na Declaração de Washington, a aceitação quanto à responsabilidade por suas próprias ações e vidas e reafirmam como valores a filosofia global e os princípios de Vida Independente.

Numa perspectiva de avaliação das ações de Educação para Todos, após dez anos de sua declaração, reuniram-se em abril de 2000, em Dakar, no Senegal, representantes da Cúpula Mundial de Educação, realizando-se o Fórum Mundial de Educação e a Consulta Coletiva Internacional de ONGs / CCNGO (UNESCO, 2003). Como conclusões do evento, acentua-se que, apesar do progresso significativo em muitos países, os objetivos estabelecidos em Jomtien, não haviam sido alcançados.

Nos documentos “O Marco de Ação de Dakar – Educação para Todos: Atingindo

nossos Compromissos Coletivos” e “Declaração das ONGs – Educação para Todos”, de 25 de abril de 2000, são detalhadas questões avaliativas, sendo

reafirmados compromissos e estabelecidos novos prazos para sanar e garantir a educação para as 125 milhões de crianças que tinham esse direito violado, e 880 milhões de adultos analfabetos. Nesse Fórum, foram consideradas as análises decorrentes das conferências de Johanesburgo (África do Sul, 1999) e as demais em 2000: Bangkok (Tailândia), Cairo (Egito), Recife (Brasil), Varsóvia (Polônia) e Santo Domingo (República Dominicana) (UNESCO, 2000).

A partir das recomendações de Dakar, várias iniciativas internacionais foram promovidas e firmados compromissos em novas declarações, destacando-se: - Declaração de Cochabamba, decorrente do sétimo encontro nacional do Projeto Principal de Educação da UNESCO, em março de 2001, na cidade de Cochabamba, Bolívia (CARVALHO, 2006a).

- Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão, resultante do Congresso Internacional Sociedade Inclusiva, em Montreal, Quebec, Canadá, em 5 de junho de 2001 (DECLARAÇÃO..., 2001).

- Declaração de Madrid, aprovada em Madrid, Espanha, em 23 de março de 2002,

no Congresso Europeu de Pessoas com Deficiência, comemorando a proclamação de 2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência (DECLARAÇÃO..., 2002)

- Declaração de Caracas, resultante da Primeira Conferência da Rede Ibero- Americana de Organizações Não-Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias, reunida em Caracas, Venezuela, entre os dias 14 e 18 de outubro de 2002, constituindo a Rede Ibero-Americana de Organizações Não-Governamentais

de Pessoas com Deficiência e suas Famílias. Declara o ano de 2004 como o Ano Ibero-Americano das Pessoas com Deficiência e suas Famílias, almejando a

vigência efetiva das Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas

com Deficiência103 e o cumprimento dos acordos estabelecidos na Convenção

Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência104 (CARVALHO, 2006a; DECLARAÇÃO..., 2002).

- Declaração de Sapporo, aprovada no dia 18 de outubro de 2002 por 3.000 pessoas, em sua maioria com deficiência, representando 109 países, durante a 6ª Assembléia Mundial da Disabled Peoples International - DPI, realizada em Sapporo, Japão (DPI, 2002).

Todos os documentos mencionados reafirmam princípios da Educação para Todos, com ênfase para as prioridades que devem ser conferidas aos grupos mais vulnerabilizados pelas condições de pobreza, como mulheres, analfabetos maiores de 15 anos, populações rurais, crianças menores de seis anos, minorias étnicas e religiosas, crianças com dificuldades de aprendizagem e com deficiência.

Em janeiro de 2003, o Brasil sediou o Fórum Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, onde ocorreu mais uma Consulta Coletiva Internacional

de ONGs sobre a Educação Para Todos / CCNGO105 (UNESCO, 2003).

Mais recentemente, em 2004, assistiu-se no mundo inteiro e nos países da América Latina, principalmente no Brasil, uma série de comemorações e discussões relativas aos dez anos da Declaração de Salamanca, associando também, o Ano Ibero-Americano das Pessoas com Deficiência e suas Famílias.

Consciente de alguns avanços que se teve com relação ao aumento do acesso de pessoas com deficiência a serviços educacionais em escolas comuns, maior conscientização dos pais, busca por uma mudança de postura em algumas organizações especializadas etc., cabe questionar se, realmente, pode-se “comemorar” algo frente às estatísticas apresentadas nos Censos Escolares. Em sua maioria esses números são analisados miopemente, desassociados de outras variáveis relacionadas à permanência e ao sucesso das pessoas com deficiência ao

104 Esta convenção elaborada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), ainda não foi

ratificada pela maioria dos governos dos países latino-americanos. No Brasil, a Convenção foi promulgado por meio do Decreto 3956, de 8/10/2001.

105 Tive a oportunidade de participar como um dos representantes do movimento das APAEs e pude

verificar a angústia pela qual todos os países ali presentes passavam por concluir, mais uma vez, que não estavam sendo atingidas de maneira efetiva as metas estipuladas em Dakar (2000), e anteriormente em 1980, 1981 e 1990. Reafirmavam a preocupação de agilizar e tornar o discurso da

Educação para Todos numa prática eficaz e bem-sucedida, não adiantando apenas a cada encontro

resultar um novo documento, reafirmando novamente princípios inclusionistas. As conclusões da CCNGO estão sistematizadas no General Report and Recommendations for Joint Action in the

sistema de ensino, à precarização dos serviços de educação especial no país e a progressiva diminuição de recursos orçamentários para a área106.

Certamente, todas as declarações e recomendações internacionais trazem suas contribuições, principalmente em termos filosóficos, quanto a repensar os papéis do Estado e da sociedade civil frente ao compromisso com a educação e a cidadania. Outrossim, enfatiza cada vez mais, pelo menos nos discursos enunciados, a necessidade das parcerias pela integração / inclusão, influenciando as produções legislativas nacional e local. Cabe, neste aspecto, analisar alguns dos principais marcos legais presentes na política educacional brasileira, que antecedem a Declaração Mundial de Educação para Todos, em 1990, já que a Constituição Federal de 1998 e posteriores legislações específicas deixam claro o direito fundamental à educação para todos os cidadãos, inclusive aqueles com algum tipo de deficiência.

3.3.2 Marcos legais da política educacional para pessoas com deficiência no