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A expansão do privado na Educação Especial: fatos históricos e a promiscuidade nas relações Estado e sociedade civil

3.2 (DES)CAMINHOS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO NA HISTÓRIA DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

3.2.1 A expansão do privado na Educação Especial: fatos históricos e a promiscuidade nas relações Estado e sociedade civil

No capítulo 2, discorreu-se sobre as relações público-privado de uma maneira geral, analisando as formas como elas afetam o funcionamento das organizações da sociedade civil no Brasil, apresentando expressivas mudanças nos últimos anos.

Também no caso da educação, de modo geral, as discussões sobre as dicotomias entre o público e privado são intensas, marcando os desdobramentos do Estado e suas políticas, principalmente a partir dos anos 30. No caso das pessoas

com deficiência, pode-se observar uma maior zona de conflitos, aproximações e retrações políticas e ideológicas.

As relações entre Estado e organizações especializadas são historicamente ambíguas. Um primeiro sentido dessas indistinções é quanto ao atendimento educacional com uma fachada de privado, mas subsidiado pelos recursos públicos. O papel subsidiário assumido pelo Estado é pautado por investimentos a entidades privadas, sempre inferiores ao requerido para sustentação de uma estrutura maior, ou seja, libera-se dos gastos de manutenção dos estabelecimentos e da burocracia (BIANCHETTI, 2001).

O caráter subsidiário manifesta-se por meio das chamadas parcerias, na maioria das vezes demandadas pelo próprio Estado, gerando ao longo da história uma terceira via de atendimento educacional às pessoas com deficiência, que nem é público, nem privado. Sendo assim, é importante analisar alguns acontecimentos no âmbito técnico e político do atendimento educacional para tal população no Brasil, que se inicia pelo Estado e, gradativamente, é ampliado por organizações especializadas privadas, seja pela omissão estatal, seja pela terceirização e incentivo do poder público ao fortalecimento dessas organizações. Torna-se inevitável observar os diferentes conflitos, acordos, aproximações e retraimentos entre tais instituições.

Januzzi (1985), Bueno (1993), Projeto Escola Viva (2000) e Mazzotta (2003a), relatam muitos fatos históricos no atendimento educacional às pessoas com deficiência, convergindo entre si a maioria das informações, apenas com pequenas discrepâncias quanto às datas. Citarei aqui apenas alguns exemplos que mostram um panorama sobre tal evolução, já que neste trabalho buscarei aprofundar questões a partir de um período mais recente, o ano de 1996.

O trabalho de Mazzotta (2003a, p. 29) é fonte importante, já que faz um dos principais resgates históricos da educação das pessoas com deficiência, destacando dois períodos: “1º) de 1854 a 1956 – iniciativas oficiais e particulares isoladas; e 2º) 1957 a 1993 – iniciativas oficiais de âmbito nacional”.

As primeiras iniciativas no âmbito da educação especial surgem sob os auspícios do Império, com a criação, por D. Pedro II, do Imperial Instituto dos

Meninos Cegos, em 1854 (atualmente Instituto Benjamim Constant - IBC), e do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (atualmente Instituto Nacional de Educação dos

Surdos – INES), em 1857, ambos no Rio de Janeiro90 (MAZZOTA, 2003a; BUENO, 1993). Bueno (1993) comenta que o surgimento dessas organizações reflete a importação de um espírito “cosmopolita” dos grandes centros europeus, mais como resultado do interesse de figuras próximas ao imperador, do que pela sua real necessidade.

Ainda na fase imperial, iniciou-se o tratamento de deficientes mentais, no Hospital Estadual de Salvador91 (atualmente Hospital Juliano Moreira), porém, não

se caracterizando ainda como atendimento educacional, mas médico-pedagógico (JANUZZI, 1985; MAZZOTA, 2003a). As primeiras organizações especializadas, apesar de não passarem de iniciativas isoladas, configuram-se como o início da ação do poder público tradicional, provendo “favores”. De certa forma, iniciam a consolidação da ação privada em lugar de uma política social universal, ou seja, configura-se aqui o amálgama público / privado. Colaborando nesse aspecto, Mestriner (2001) comenta que, o Estado, apesar de contar com uma multiplicidade custosa de organizações e serviços para a reprodução de suas ações, começa a priorizar as estratégias de repasse de recursos, subsídios, atribuição de imunidades e isenções para eles.

Bueno (1993, p. 87) ressalta que após a proclamação da República, a educação especial foi se expandindo, embora de forma lenta, e pouco a pouco a deficiência mental foi assumindo primazia, não só pelo maior número de organizações, como “pelo peso que ela foi adquirindo com relação à saúde (a preocupação com a eugenia da raça) e à educação (a preocupação com o fracasso escolar)”.

No início do Século XX, têm-se alguns indicadores do interesse da sociedade pela educação das pessoas com deficiência, principalmente com avanços nos trabalhos científicos e publicações, a exemplo da apresentação da monografia do Dr. Carlos Eiras, no 4º Congresso de Medicina e Cirurgia, em 1900, no Rio de Janeiro, intitulada Educação e Tratamento Médico-Pedagógico dos Idiotas. Por volta de 1915, outros trabalhos sobre educação das pessoas com deficiência também foram publicados (MAZZOTTA, 2003a).

90 Desde 1891 até a atualidade, a escola para cegos é denominada Instituto Benjamin Constant (IBC)

em homenagem ao seu professor de Matemática e ex-diretor Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Já o instituto para surdos-mudos, pela Lei nº 3198, de 6 de julho de 1957, passou a chamar Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES) (MAZZOTTA, 2003a, p. 29).

Existem controvérsias entre os autores (BUENO, 1993; JANUZZI, 1985; PROJETO ESCOLA VIVA, MEC, 2000) com relação às datas de fundação de algumas organizações e serviços especializados entre 1900 e 1930. Por volta de 1903, instalou-se o Pavilhão Bourneville, no Hospício D. Pedro II, no Rio de Janeiro, iniciando seu funcionamento intensivo a partir de 1923, para o atendimento de menores anormais. Em 1915, é inaugurada a sede do Instituto Nacional dos Surdos, no Rio de Janeiro. Observa-se que, até então, todas as organizações concentravam-se, em sua maioria, na capital do país certamente pelos interesses dos que estavam próximos ao poder constituído. O Instituto São Rafael para Cegos, surge em 1926, em Belo Horizonte; em 1927, em Canoas – RS, o Instituto Pestalozzi, dedicado ao tratamento de excepcionais. Mazzota (2003a) cita a criação do Instituto de Cegos Padre Chico, em 1928, uma Escola Residencial, em São Paulo; e em 1929, o Instituto Santa Terezinha, para atender deficientes auditivos, em Campinas – SP.

Nos anos 30 e 40, aumentam a quantidade de organizações privadas para atendimento de pessoas com deficiência mental e visual (BUENO, 1993). Cabe novamente mencionar alguns fatos que contribuem para tal aumento das entidades: em 1931, o presidente Getulio Vargas criou a Caixa de Subvenções; em 1935 houve a criação da Lei de Declaração de Utilidade Pública Federal, em vigor até a atualidade; em 1938, cria-se o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) que mantinha fortes vínculos filantrópicos com a saúde e a educação. Inaugura-se, assim, um pacto do Estado com as elites e instala-se uma legislação para um certo controle (MESTRINER, 2001). A abertura dos privilégios da filantropia e utilidade pública para as organizações da sociedade civil,

faz transparecer a possibilidade do uso indiscriminado desta condição [...] Por intermédio da legislação vigente, os certificados de utilidade pública e de fins filantrópicos foram se tornando passaportes eficientes para o acúmulo de vantagens — inúmeras isenções,acesso a fundos públicos, subsídios, subvenções, contratos etc. (MESTRINER, 2001, p. 52).

Por iniciativa de Helena Antipoff, em 1932, é criada a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais e, em 1935, a Escola Estadual Instituto Pestalozzi, em Belo Horizonte, especializada em deficientes mentais e auditivos. Também é criado na Bahia, em Salvador, o Instituto dos Cegos da Bahia e, em Pernambuco, o Instituto dos Cegos de Pernambuco (MAZZOTTA, 2003a). Bueno (1993) cita, ainda,

mais oito instituições criadas na área de deficiência mental e mais seis institutos para cegos em vários estados do país.

Entre 1931 e 1932, também surge o atendimento especializado com propósitos educacionais para pessoas com deficiência física, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que cria uma classe especial no Pavilhão Fernandinho Simonsens (PROJETO ESCOLA VIVA, 2000; MAZZOTA, 2003a).

Na década de 40, destaca-se a criação de algumas organizações: no atendimento ao deficiente visual, a Fundação para o Livro do Cego do Brasil, em 1946, em São Paulo, por iniciativa de Dorina Nowill, professora de deficientes visuais que ficara cega aos 16 anos de idade; no atendimento ao deficiente físico, o Lar Escola São Francisco, em 1943, em São Paulo; no atendimento ao deficiente mental, a Sociedade Pestalozzi do Brasil, em 1945, no Rio de Janeiro.

Durante essa década, em 1942, surge a Legião Brasileira de Assistência (LBA), que exerceu uma forte influência no auxílio para as organizações especializadas. A LBA era um órgão governamental que, até janeiro de 1995, foi responsável pelo atendimento corporativista aos setores fragilizados da sociedade e serviu de palco para a “caridade social” das primeiras-damas dos estados, e como instrumento das políticas clientelistas (MESTRINER, 2001).

Nota-se que nessa primeira metade do Século XX, há uma considerável expansão do atendimento educacional às pessoas com deficiência no Brasil – 54 estabelecimentos de ensino regular e 11 organizações especializadas mantidas pelo poder público (MAZZOTTA, 2003a).

Pode-se entender com maior clareza como se deu a expansão do privado na educação para pessoas com deficiência a partir da década de 50, quando aumenta o número de associações de pais e amigos de pessoas com deficiência e, paralelamente, surgem as primeiras iniciativas governamentais no período republicano, em âmbito nacional (MAZZOTTA, 2003a). D’Antino (1998, p. 36) enfatiza: “emerge um sinal claro e explícito de alerta da emergência de enfrentamento de um dos nossos graves problemas sociais, ou seja, aquele relativo ao atendimento educacional especializado, destinado aos educandos chamados de excepcionais”.

No contexto do populismo, pode-se verificar uma primeira fase da ascensão do privado na educação especial, tendo em vista que os dirigentes do poder nacional nessa época usavam “da simpatia pelo povo”, sendo favoráveis às

iniciativas populares que de alguma maneira pudessem tirar benefício pessoal, no sentido de aliciar determinados estratos sociais. Mestriner (2001, p. 120) analisa esta década como parte de uma época (1946-1964) onde havia uma “filantropia partilhada no âmbito educacional” e era reforçado “o paternalismo nos termos de uma proteção assistencialista”. A autora destaca:

O “populismo”, embora já vigorasse no período anterior, nesse momento é a forma encontrada para legitimação no poder e na aprovação popular, sendo a concessão de benefícios a forma de abrandamento das pressões. O Estado assume o papel de grande ativador social, fortalecendo pelo discurso ainda mais a imagem do Estado-protetor (MESTRINER, 2001, p.121).

As primeiras organizações especializadas que surgiram nessa década são: a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) em São Paulo – SP, em 1950; a Sociedade Pestalozzi de São Paulo, em 1952; e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), no Rio de Janeiro – RJ, em 1954.

Autores como Mazzota (2003), Jannuzzi (1989), Bueno (1993) e Ferreira (1994), ao analisarem a evolução das políticas públicas na área da deficiência, principalmente no que se refere à educação especial, destacam historicamente o surgimento das APAEs e a forte influência que exercem até hoje em seu âmbito de atuação. Logo, cabe reviver um pouco da história dessa organização que surge da iniciativa do casal de diplomatas norte-americanos, George W. Bemis e Beatrice Bemis – pais de uma pessoa com Síndrome de Down, ele vice-presidente da

National Association Retarded Children (NARC). A partir da realização na

Embaixada Americana do primeiro encontro entre pais, mestres e técnicos, interessados na questão, onde foi exibido um filme apresentando crianças com deficiência mental, foi criada uma comissão, coordenada provisoriamente pela Sra. Maria Helena Correia de Araújo, com o objetivo de fundar uma associação de pais. No dia 8 de setembro de 1954, foi aprovado o nome da associação: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE Rio, 1991; ata de 9 de outubro de 1954). No dia 11 de dezembro desse mesmo ano, foi fundada a primeira APAE do país, numa assembléia presidida pelo padre Álvaro de Albuquerque Negromonte, realizada na Associação Brasileira de Imprensa. Foi eleito para presidir a APAE, o senhor Henry Broadbent Hoyer (MAZZOTA, 2003; TIBOLA, 2001; CLEMENTE FILHO, 1999).

Tibola (2001) aponta as primeiras iniciativas das APAEs, no âmbito da educação especial, a partir de 1955, quando a Sra. Alzira Lopes Cortes coloca à disposição da APAE do Rio de Janeiro parte das dependências do prédio da Sociedade Pestalozzi do Brasil, para que ali fosse instalada uma escola para crianças “excepcionais”, atendendo ao desejo expresso pelo seu falecido marido, professor La- Fayette Cortes. Dessa forma, a APAE do Rio de Janeiro passou a contar com uma sede provisória, local onde se passou a manter a Escola La-Fayette Cortes, com duas classes especiais e cerca de 20 alunos. A escola desenvolveu-se, seus alunos tornaram-se adolescentes e, assim, necessitaram de atividades criativas e profissionalizantes. Foi criada, então, em 8 de novembro de 1958, uma oficina pedagógica para deficientes (Centro de Aprendizagem Ocupacional – CAO), com atividades ligadas à carpintaria, por iniciativa da professora Dra. Olívia Pereira. Na década seguinte, observa-se o surgimento de outras APAEs, que tornaram-se prioritariamente mantenedoras de programas para o oferecimento de serviços de educação especial.

Mantoan (2001, p. 8) enfatiza que “a educação especial foi assumida pelo poder público em 1957, com a criação das ‘Campanhas’, que eram destinadas especificamente para atender a cada uma das deficiências” (grifo meu). O “campanhismo”92, tendência geral da política social, expande-se para a educação especial em 1957, com a Campanha Nacional para a Educação do Surdo Brasileiro - CESB (Decreto nº 42.728, de 03/12/57), seguida pela Campanha Nacional de Educação e Reabilitação da Visão (1958), sob a direção do Instituto Benjamin Constant - IBC, tornando-se depois a Campanha Nacional de Educação de Cegos – CNEC (Decreto nº 44.236, de 31/05/60). Sob forte influência da APAE e da Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro, junto ao Ministério da Educação e Cultura, surge a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais – CADEME (Decreto nº 48.961, de 22/09/60). Entre suas diversas finalidades tinha a incumbência de incentivar “pela forma de convênios, a instituição de consultórios especializados, classes especiais, assistência domiciliar, direta ou por correspondência, centros de pesquisa e aplicação, oficinas e granjas, internatos e semi-internatos destinados à reabilitação das crianças retardadas e outros deficientes mentais” (MAZZOTTA, 2003a, p.53).

Com a CADEME criou-se um Fundo Especial constituído por: dotações e contribuições previstas nos orçamentos da União, Estados e Municípios e de entidades paraestatais; donativos e contribuições privadas nacionais e internacionais; e rendimentos da venda eventual de patrimônio da Campanha. Interessante destacar que as comissões diretoras da CADEME, nomeadas em 1960, 1964, 1967, 1970, eram compostas por dirigentes do movimento das APAEs93 e das Pestalozzis, incluindo aqueles ligados ao militarismo94 (MAZZOTTA, 2003a.) Bueno

(1993, p.97) tece uma crítica afirmando que, sem negar a importância de ações abrangentes, “fica clara a influência e o benefício conseguido pelas instituições privadas de educação especial junto às Campanhas Nacionais".

Na década de 60, há uma diferenciação progressiva de estruturas especializadas em cada área de atuação governamental – educação, saúde, habitação, transportes etc. Se, por um lado, facilitou o reconhecimento da crescente complexidade da problemática social no país, exigindo respostas que considerassem a singularidade dos desafios de cada uma das áreas sociais, por outro, a especialização acabou se traduzindo numa tendência à autonomia, pela sua lógica focalizadora, em que cada política social e setor do serviço público eram concebidos de forma independente dos demais, sem uma articulação que visasse a garantia de um sistema de proteção social (FARAH, 1999, 2001). Mustafa (2000) destaca que, nessa década, com o início do regime autoritário, gerou-se um “estrangulamento” das formas de participação existentes. Observa-se o início de processos de cooptação entre o público e o privado na educação especial, havendo uma continuidade e “constância de vínculos de alguns grupos com a estrutura do poder público” (MAZZOTTA, 2003a, p. 63). Sobre essa questão, o autor cita Habermas, ao discorrer a propósito da participação política:

93 A influência das APAEs na fase campanhista nota-se pela expansão desse movimento, com a

fundação da Federação Nacional das APAEs em 10 de novembro de 1962. No final da década de 60, como um dos resultados da criação da FENAPAEs já existia um movimento que congregava 111 APAEs (MAZZOTA 2003; TIBOLA, 2001; CLEMENTE FILHO, 1999).

94 Muitos dos dirigentes dessas associações eram militares, a exemplo do Coronel José Cândido

(...) em razão de seu caráter privado, os grupos de interesse dispõem de um amplo poder político. Igrejas, sindicatos, grupos econômicos, com poder de pressão em geral, não exercem somente influência direta sobre a opinião pública (por terem sob seu poder a imprensa, o rádio e setores inteiros da administração), mas enviam, também representantes aos conselhos de administração, comissões, órgãos consultivos e comitês de especialistas, para não mencionar as pressões sobre distribuição de cargos em todos os níveis. O mesmo Estado transmite aos grupos de interesse certas funções.

Mantoan (2001, p. 4), analisando as tendências da educação para pessoas com deficiência e as comparando com ações e posturas nacionais com as de outros países, enfatiza que, mesmo não podendo se descartar a importância do protagonismo dos políticos, educadores, pais, personalidades brasileiras pela luta na defesa de direitos educacionais dessa população, pode-se fazer uma severa crítica ao dirigismo e continuísmo na condução das políticas de educação especial iniciadas na década de 60. Enfatiza,

(...) estiveram por muito tempo nas mesmas mãos, ou seja, foram mantidas por um grupo que se envolveu a fundo com essa tarefa. Essas pessoas, entre outras, estavam ligadas a movimentos particulares e beneficentes de assistência aos deficientes que até hoje têm muito poder sobre a orientação das grandes linhas da educação especial. Na época do regime militar

eram generais e coronéis que lideravam as instituições especializadas de

maior porte e, atualmente, alguns deles se elegeram deputados, após assumirem a coordenação geral de associações e continuam pressionando a opinião pública e o próprio governo na direção de suas conveniências. (grifos meus)95

Observa-se, assim, como desde o princípio de expansão das organizações especializadas, nas décadas de 50 e 60, os diferentes grupos de interesses que as formavam influenciaram diretamente a questão da política da educação especial que irá assumir, um de seus maiores entraves, o caráter assistencial (SILVA, 2003).

Cabe aqui destacar o papel da APAE de São Paulo que cria sua escola especializada em 1962, conforme salienta Clemente Filho (1999): “criou sua escolinha, e começou a fazer assistência” (grifo meu). Seu dirigente, o médico Antônio dos Santos Clemente Filho, assumiu a coordenação executiva da CADEME,

95 A crítica da professora Mantoan é pelo fato de terem surgido, no seio do Movimento Apaeano,

dirigentes que foram eleitos como deputados estaduais e federais, chegando na atualidade, inclusive, a senadores, principalmente nos Estados que possuem o maior número de APAEs (Paraná, Minas Gerais e São Paulo). Dessa forma, pode-se afirmar que há um certo controle público subdesenvolvido, criado pelas organizações especializadas.

de 1964 a 1967, quando outro dirigente da APAE do Rio de Janeiro, o coronel José Maes Borba assume a direção (MAZZOTTA, 2003a). Interessante observar que, em 1968, o coronel Borba, também presidente da Federação Nacional das APAEs na época, consegue transferir para Brasília – DF a sede da entidade por entender que havia a necessidade do órgão nacional ser localizado na capital federal, para facilitar as relações com órgãos públicos e segmentos sociais nacionais (TIBOLA, 2001).

Em 1966, também se destaca a instituição da Semana Nacional da Criança Excepcional, que obteve o aval do Governo Castello Branco, para que se transformasse em campanha nacional, pelo Decreto n.º 57.654, de 20 de janeiro de 1966 (TIBOLA, 2001).

Os fatos relatados sobre a década de 60 mostram o poder político das organizações especializadas, instituídas em sua maioria por famílias de classe média-alta, abrigando os pobres, no processo de expansão da educação especial no Brasil. Mesmo em plena época ditatorial, em que prevalece a exclusão da sociedade civil dos processos de planejamento e execução das políticas sociais, possuíam elas representantes oficiais nos órgãos públicos defendendo seus interesses institucionais.

Não final década de 70, há uma afirmação das lutas dos movimentos sociais e ONGs pelos direitos civis, políticos e sociais (cidadania), na perspectiva da redemocratização do país. Mesmo assim, perpetuavam-se padrões estabelecidos de mecanismos de articulação entre Estado e sociedade, aos quais envolviam a presença significativa de três “gramáticas” no país: “o clientelismo, o corporativismo e o insulamento burocrático”. Ou seja, as políticas públicas incorporavam interesses da sociedade civil, de maneira excludente e seletiva, beneficiando segmentos restritos dos trabalhadores e parte dos detentores do capital nacional e internacional (NUNES, 1997 apud FARAH, 1999, p. 327)

A ênfase na participação da sociedade civil constituía -se, assim, como um fenômeno do chamado processo de “modernização brasileira”. Esse conceito começou a predominar no discurso político de diferentes protagonistas sociais, principalmente a partir da próxima década, estando sempre aliado à questão da cidadania, como plataforma de sustentação fundamental para o projeto de oposição ao regime militar (FERNANDES, 1994; AVRITZER, 1994; VIEIRA, 1997, 2001; SCHERER-WARREN, 1999; BURITY, 1999; COSTA, 2002).

É nessa fase que, em 1970, a CADEME é assumida pela psicóloga Sarah