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Capítulo 1 A IMPORTÂNCIA DA CONSCIÊNCIA JURÍDICA: O

1.3 O DIREITO E A CIÊNCIA

1.3.2 A ciência jurídica moderna e seus dualismos

1.3.2.1 Direito público e direito privado

Uma das dicotomias mais importantes levadas a cabo pela ciência jurídica e que se torna mais vigorosa com a força assumida pelo Estado moderno é a divisão estrutural a que o direito tem sido submetido segundo a matéria tratada em seu bojo legislativo.

Essa divisão dicotômica entre direito público e privado, como explica Tercio Sampaio,

[...] remonta ao Direito Romano. Sua base é um famoso trecho de Ulpiano (Digesto, 1.1.1.2): “Publicum jus est quod ad statum rei

romanae espectat, privatum, quod ad

singulorum utilitatem.” (O direito público diz

respeito ao estado da coisa romana, à polis ou civitas, o privado à utilidade dos particulares.)63

Cumpre destacar que essa é a gênese da dicotomia, o sentido literal empregado àquela época difere do atual, mas o conteúdo possui a mesma conotação. Todavia, ainda segundo Tercio Sampaio, a modernidade proporcionou uma transformação na sociedade possibilitando uma nova oposição, a partir do momento em que se fundem na ideia do social tanto as esferas do governo como da família. Dessa forma, o sentido moderno dessa dicotomia se estabelece como a divisão entre aquilo que diz respeito ao social de um lado e aquilo que se refere ao indivíduo de outro.64

Feitas essas observações, cumpre notar que do ponto de vista estritamente jurídico tal divisão do direito possui várias

63 FERRAZ JÚNIOR, op. cit., p. 134. 64 Ibid., p. 136.

interpretações segundo o ponto de partida que se escolhe para a sua caracterização. Ou seja, “não é apenas um critério classificatório de ordenação dos critérios de distinção dos tipos normativos.”65 Várias são as teorias que buscam esclarecer a questão. As teorias do sujeito buscam fundamentar sua classificação em razão do destinatário: o Estado ou os particulares. As teorias do interesse opõem sociedade e indivíduo como dotados de interesses distintos. O interesse da sociedade seria aquele do Estado. Por último, têm-se as teorias da relação de dominação, nestas distinguem-se o Estado por seu império colocando-o como superior em face dos particulares que se relacionam de modo paritário.66 Nenhuma dessas teorias, contudo, tem proeminência na ciência jurídica de forma a definir cabalmente a questão.

O que é importante observar é que há quatro princípios norteadores que balizam o tema.

O primeiro deles, princípio absoluto do direito público, trata-se do princípio da soberania. É através desse princípio que se justifica o império do direito de um determinado Estado, obrigando a todos a ele submetidos o dever de obediência mediante ameaça de sanção, isso sob o ângulo interno do Estado. Do ponto de vista externo implica a não obediência estatal a nenhum outro centro normativo que não o seu, trata-se, pois, do embate entre soberanias.

Entretanto, compondo o segundo princípio, ainda segundo o professor Tercio Sampaio Ferraz, vale destacar algumas observações importantes e que implicam na imposição de limites à soberania da lei,

É o princípio da legalidade. Para o endereçado privado dos atos soberanos, significa que só o que a lei obriga ou proíbe deve ser cumprido: o restante lhe é permitido. Para o emissor de atos soberanos, significa que não só deve fazer ou deixar de fazer apenas o que a lei obriga, mas também que só pode fazer o que a lei permite. É a

estrita legalidade.67

65 Ibid., p. 138.

66 Ibid., p. 139. 67 Ibid., p. 140.

Em outras palavras, bem conhecidas daqueles versados na ciência jurídica: à esfera do direito público somente é permitido aquilo que a lei estabelece, ao contrário do privado em que tudo que não é proibido é permitido. Pois, no “direito privado vige, supremamente, o princípio da autonomia privada.”68

De outra forma, também se pode incluir aqui o princípio da legalidade, conforme, por exemplo, o estabelecido no artigo 5., inciso II da Constituição da República de 1988: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”69

É, assim, a partir dessa ideia base que se divide o direito em dois grandes eixos. Ao direito público pertence: o direito constitucional, administrativo, processual, penal, tributário, social, econômico, financeiro, previdenciário, do trabalho etc. Quanto ao direito privado destaca-se: o civil, privado por excelência e o comercial.

Como se pode perceber, essa divisão estrutural tem uma função importante dentro do direito contemporâneo, pois, ao comportar as ideias de público e privado acaba por fortalecer o monismo estatal e as diversas concepções do formalismo positivista. Isso porque em intitulando como privado tudo aquilo que as pessoas podem acordar entre si, em âmbito privado individualista, sobretudo no que tange à celebração de contratos e às relações de consumo, mesmo assim estabelece uma ampla normatização a pretexto de organização uniformizadora.

Além disso, o importante é que, no que tange às relações da coletividade (sociais, políticas etc.) entre si para com o Estado, somente comporta em seu bojo aquele arcabouço normativo positivado na lei estatal, pretensamente único e legítimo (tendo em vista a sua supremacia e soberania interna e externa), silenciando e ocultando uma série de práticas comunitárias que muitas vezes se quer perpassam pelo âmbito estatal. Com isso, não somente o direito, mas a Cidadania passa a ser concebida (juridicamente) nas esferas de relações da sociedade entre si e com o Estado a partir do ordenamento

68 Ibid., p. 141.

69 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 outubro 2010.

jurídico consagrado pela lei estatal resumindo-se, assim, aos direitos e deveres estabelecidos.