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Capítulo 1 A IMPORTÂNCIA DA CONSCIÊNCIA JURÍDICA: O

2.5. PARA ALÉM DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A

Neste momento nos ocuparemos de um tema, deliberadamente deixado para o final desta parte do trabalho, de grande relevância tanto para o direito quanto para a Cidadania e a educação na busca pelo redimensionamento da concepção de Cidadania aqui proposto. Trata-se de uma nova concepção epistemológica: o pensamento biocêntrico.

Como se pode perceber, pensar um novo modelo epistemológico não é algo tão simples, implica na transformação radical das bases paradigmáticas, um novo modo de conceber o pensamento e o conhecimento. Razão pela qual excede, por demais, as possibilidades deste trabalho e impede o aprofundamento desejado sobre essa questão. Todavia, não há como deixar de fazer esse alerta, ficando aqui a sugestão para trabalhos posteriores mais aprofundados sobre o tema.

Não obstante essa limitação, pensar a Cidadania implica reconhecer, também, que este é um termo teorizado a partir de um pensamento estritamente antropocêntrico. A real condição planetária atual nos obriga a repensar essa base conceitual deslocando o seu foco para além do ser humano.

É preciso respeitar a vida em todas as suas formas e manifestações. Somente assim a Cidadania terá o real poder de transformação. Somente enraizando na humanidade valores como a vida, o amor e a alteridade, poderemos pensar uma Cidadania verdadeira em significado e conteúdo. Daí as bases para uma educação também biocêntrica.

Segundo, Ana Maria Borges de Sousa

É possível compreender a Educação biocêntrica como uma poética da cognição que vislumbra a formação de um ser humano cósmico, comprometido de modo incondicional com a paz e o reconhecimento teórico-prático da vida. Do mesmo modo, como uma concepção que problematiza a inteligência organizadora da vida, para compreender de onde provém a ordem fisiológica que se manifesta como uma forma específica, animal ou vegetal. E ainda, como

uma prática que considera que o sistema vivo possui uma ordem orgânica perfeitamente programada e que se transforma a todo o momento, não como uma máquina computadorizada, mas como um holograma vivo, cujas mudanças abarcam a totalidade.287

À primeira vista tal pensamento pode parecer utópico, contudo nos permitimos pensar uma utopia real e palpável. Nesse sentido, Paulo Freire é fundamentalmente esclarecedor ao explicar que a utopia nada tem a ver com o irrealizável:

[…] a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por essa razão a utopia é também um compromisso histórico.

A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento.288

Somente assim poderemos imaginar um direito

biocêntrico, uma ciência jurídica realmente comprometida com toda e qualquer forma de vida. Ultrapassando, assim, a concepção de que frente às outras formas de vida os seres humanos são superiores. Daí a afirmação da busca pela dignidade da vida no cotejo ao que se chama de dignidade da pessoa humana.

O ser humano deve estar em pé de igualdade frente às outras formas de vida, isso é ser cidadão do mundo, cidadão universal. Isso é ser humano. É viver com responsabilidade social, moral e comprometido com a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a partir de uma concepção de vida muito mais amplificada. Uma responsabilidade que ultrapassa a

287 SOUSA, Ana Maria Borges de. Educação Biocêntrica: tecendo uma compreensão. Revista Pensamento Biocêntrico, Pelotas, n. 5, p. 10-29, jan./jun. 2005, p. 9.

288 FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001, p. 32. Nessa mesma direção, veja também: SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7. ed. Porto: Afrontamento, 1999, p. 278.

esfera das relações sociais. Assim, diz respeito não somente à humanidade, mas a toda a biosfera e ao universo desconhecido. “A Educação Biocêntrica visa a conexão com a Vida.”289

Agostinho Mario Dalla Vecchia, ademais, explica:

O pensador biocêntrico está na dança da vida, ligado ao permanente fluxo da realidade, por isso é um peregrino da verdade que não esgota nunca a sua revelação, em processo crescente e surpreendente. A vida está em tudo, e tudo é movimento, tudo é um permanente processo criativo e recriativo.290

Veja, a título de exemplo, o que a Constituição da República expõe no caput do art. 225 e o que se pode depreender de seu teor:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê- lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.291

Pensando a partir de uma concepção biocêntrica, o que realmente se deve captar do teor deste artigo é que a preservação do meio ambiente – bem de uso comum dos seres vivos e não somente do povo – é dever de todos e a sua proteção deve ter como fito promover a perpetuação de sua existência não apenas para as presentes e futuras gerações, mas também para as presentes e futuras gerações de todos os seres viventes. Esse deve ser o nosso ideal de humanidade e Cidadania. Ideais esses comprometidos com toda e qualquer

289 FLORES, Feliciano Edi Vieira. Educação biocêntrica: por uma educação centrada na vida. Revista Pensamento Biocêntrico, Pelotas, n. 2, jan./mar. 2005, p. 46.

290 VECCHIA, Agostinho Mario Dalla. A complexidade e o conhecimento biocêntrico. Revista Pensamento Biocêntrico, Pelotas, n. 8, jul./dez. 2005,p. 65.

forma de vida que existe e está por existir. Sendo assim, por estar calcado na vida é, por isso, biocêntrico.

Aliás, por fim vale citar a observação feita por Enrique Dussel, no que concerne a esse assunto, a natureza. Segundo o autor, um dos temas centrais de sua filosofia de libertação é a questão ecológica, “uma vez que ela virtualmente 'exclui' as futuras gerações desses bens que nós estamos destruindo atualmente.” Mais adiante, afirma de modo explícito, contudo, que essa destruição (ecocídio) tem como grandes responsáveis os países do capitalismo central (as potências industriais), que num discurso hipócrita e dissimulado acaba exigindo essa responsabilidade de toda humanidade.292

292 DUSSEL, op. cit., p. 68.