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Direitos achados na rua: direito ao trabalho e direito de resistência

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 181-183)

8 O DIREITO AO TRABALHO NA RUA

8.3 Direitos achados na rua: direito ao trabalho e direito de resistência

Viana relata a experiência de que, junto com um grupo de alunos, entrevistou uma série de trabalhadores, como um gritador, um vendedor, um malabarista e um engraxate, considerados sem direitos, especialmente trabalhistas. O objetivo desse trabalho era

“desvendar as vidas que se escondem nas sombras”. (VIANA, 2008, p. 22). Relata Viana que, a partir dessas conversas, queria discutir sobre “as presenças e as ausências da lei; os vazios

da justiça e as redundâncias da polícia; e descobrir as pistas desse Direito que achamos na

Escola mas perdemos nas ruas”. (VI ANA, 2008, p. 22).

Viana (2008) escreve sobre o direito que se perde nas ruas, mas poderia ser também sobre o direito que se acha nas ruas. Nessa perspectiva, alguém perdeu algum direito para que ele possa ser encontrado ou, quem sabe, ser reencontrado. Esse não é só o caso do Direito, mas da ciência de um modo geral em virtude da trajetória da Universidade, muitas vezes distante da realidade.

Buarque (1990) relata que a Universidade foi criada ao mesmo tempo em que foram as cidades. O objetivo era a criação de centros de estudos autônomos, desvinculados dos

conventos. “E foi juntando as reflexões perdidas dos gregos, com as experiências feitas com

base no mundo real, que as universidades foram criadas, crescendo, tornando-se centros de geração de saber e de evolução das teorias”. (BUARQUE, 1990, p. 11).

Mas, aos poucos essas teorias foram se apartando do contexto em que foram criadas.

trancaram-se dentro dos seus muros, fugindo com medo das ruas”. (BUARQUE, 1990, p. 12). Em outros termos, tem-se a constatação de que a “universidade tanto se dedicou à tarefa de ensinar as coisas que sabia que se esqueceu de aprender coisas novas. Antes de mais nada esqueceu de aprender o que é ser uma universidade”. (BUARQUE, 1990, p. 12).

Assim, Buarque defende que “a realidade do mundo já não deixa margem às ilusões das teorias abstratas. O mundo passou a cobrar respostas feitas sobre a realidade que existe ao redor dos muros das universidades, exigindo delas uma nova consciência”. (BUARQUE, 1990, p. 12). E isso se dá por meio do confronto entre a teoria e a realidade, o que se realiza quando se vai às ruas, às favelas, aos assentamentos rurais etc. com a disposição para o aprendizado, para a revisão do conhecimento criado pela Universidade, muitas vezes hermético e pouco útil, e, ainda, para a transmissão das teorias que se mostrarem adequadas, constituindo-se verdadeira troca de saberes.

Como ensina Buarque, “há um direito na rua à procura de ser ensinado e uma universidade desejosa de ensiná-lo e através desse ensino reaprender-se”. (BUARQUE, 1990,

p. 12). Essa é a visão do programa de extensão “Direito Achado na Rua, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), assim como do “Pólos de Cidadania” da

Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sendo este último criado sob inspiração do primeiro. Nesta pesquisa, essa também foi a concepção adotada.

Durante a pesquisa de campo, foram encontrados especialmente dois direitos na rua: o direito ao trabalho nas ruas e o direito de resistência. Cunha, que pesquisou sobre o trabalho nas ruas do Centro de Fortaleza, também constatou algo semelhante:

obreviver na rua subverte as leis e os padrões formais do mercado na sociedade capitalista alicerçada no trabalho assalariado, esta apropriação dos espaços públicos pelos trabalhadores de rua altera usos esperados com um contra-uso que é estabelecido por disputas/tensões/resistências pelo direito ao trabalho. (CUNHA, 2009, p. 84).

A luta pelo direito ao trabalho nas ruas de Belo Horizonte é permanente. Os trabalhadores resistem a todo o tipo de adversidade. Resistem ao sol forte, à chuva, ao cansaço, à desconfiança das pessoas que, às vezes, os vêem como vendedores de produtos adquiridos ilegalmente, mas, especialmente, à ação dos policiais militares e dos fiscais da

Prefeitura. São afugentados e, muitas vezes, têm suas mercadorias apreendidas pela fiscalização, mas voltam em seguida, quando os fiscais vão embora.

Mas, há outros aspectos a serem salientados com essa insistente ação dos trabalhadores de rua. Em geral, esses trabalhadores permanecem nas ruas porque não têm outra fonte de subsistência que lhes garanta os rendimentos auferidos na rua. Da mesma forma, os aposentados precisam complementar seus proventos. Antunes (1999, p. 217) analisa

que indivíduos nessa situação são capazes de assumir ações mais ousadas, “uma vez que esses segmentos sociais não têm nada a perder no universo da sociabilidade do capital”.

Mas, não é só esse aspecto que deve ser ressaltado, os trabalhadores de rua, a partir do momento em que assimilam o trabalho nas ruas como direito, percebem que o Código de Posturas vai de encontro a esse direito. Assim, resistem aos comandos legais municipais,

porque o vêem como “antidireito”. Quando persistem trabalhando nas ruas, lutam os

trabalhadores pelo direito ao trabalho constitucional que têm e para se pôr esse direito na lei municipal, na perspectiva que esclarece Viana:

Se, de um lado, pode-se resistir pelo direito que se tem, ou mais propriamente pelo direito positivado, por outro lado, como dizíamos, é possível resistir em face dele, no sentido de um direito ainda não tornado lei. À primeira vista, num Estado de direito, essa última forma de resistência não faz qualquer sentido: os códigos possuem remédios contra a lei, assim como os têm contra o “rei”. Basta citar as ações de inconstitucionalidade, de um lado, e o impeachment, de outro. Mas a farmacologia é pobre, diante dos desmandos possíveis. Daí parte da doutrina admitir a legitimidade da revolução e da desobediência civil. Ambas compõem – na terminologia de Machado Paupério – o direito político de resistência. (VIANA, 1996, p. 44).

No caso dos trabalhadores de rua, os direitos ao trabalho e de resistência se complementam. Até que a legislação municipal seja alterada, sem a desobediência ao Código de Posturas, não há trabalho nas ruas.

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 181-183)

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