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O direito social ao trabalho do trabalhador de rua

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 174-178)

8 O DIREITO AO TRABALHO NA RUA

8.1 O direito social ao trabalho do trabalhador de rua

Os direitos sociais são registrados por alguns doutrinadores como direitos humanos ou fundamentais de segunda geração. Mas, há também os que preferem chamá-los de direitos de segunda dimensão. (FURTADO, 2008). Como se verificou no capítulo anterior, esses direitos foram precedidos dos individuais, também chamados de direitos de primeira geração ou de primeira dimensão.

Apesar de se utilizar neste trabalho a expressão “geração”, não se quer revelar

qualquer idéia que indique a superação de direitos por outros direitos, mas, justamente o contrário. Nesse sentido, também ensina Bonavides (2010, p. 563) que os direitos humanos

“passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem

sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, [...], tem por bússola uma nova universalidade: [...] material e concreta”. Portanto, quando se fala em gerações de direitos, o que se tem em vista é a soma, o acréscimo de novos direitos, mas não de forma estática. É evidente que o fato de os direitos sociais terem alcançado o status de direitos constitucionais no século XX, interfere na interpretação dos direitos individuais. (CARVALHO NETTO, 1999).

Mas o que são direitos sociais?

[...] são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.”. (MORAES, 2008, p. 193).

Para Magalhães, os trabalhadores foram figuras centrais no processo de reconhecimento e positivação dos direitos sociais.

As classes trabalhadoras foram as principais responsáveis pela mudança no comportamento estatal, lutando no decorrer do século XIX e início do século XX em duas frentes: pela igualdade de direitos políticos para se alcançar o sufrágio igualitário, e exigindo que os serviços públicos lhes garantissem uma segurança econômica e justiça social. Não bastavam mais às classes trabalhadoras a liberdade e a igualdade oferecidas pelas Constituições liberais na sua lista de direitos individuais fundamentais: os economicamente fracos exigiam proteção contra os economicamente fortes; necessitavam de serviços públicos e leis que os protegessem

da miséria, da enfermidade e da incapacidade de trabalho devido à idade.”

(MAGALHÃES, 2002, p. 217).

Os direitos sociais, constituídos sob o paradigma do Estado Social, nasceram ligados

ao princípio da igualdade. “O centro medular do Estado social e de todos os direitos de sua

ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a

liberdade da herança clássica”. (BONAVIDES, 2010, p. 376). O desafio do Estado Social foi

fazer dar concretude à igualdade postulada pelas constituições liberais do século XIX. A crença do século XX, durante o qual se desenvolve o Estado Social, é a de que não basta a mera afirmação legal de que todos são iguais. Faz-se necessário garantir a materialidade do direito à igualdade, o que se busca implementar por meio dos direitos sociais. Daí o papel central desses direitos, para se corrigir os desequilíbrios, por exemplo, entre contratantes que, em termos econômicos, são materialmente desiguais, mas que até então eram considerados

simplesmente iguais e, portanto, livres para estipularem qualquer negócio jurídico. “A

igualdade material faz livres aqueles que a liberdade do Estado de Direito da burguesia fizera

paradoxalmente súditos”. (BONAVIDES, 2010, p. 379).

Nesse novo contexto, portanto, no Estado Social, se associam as idéias de igualdade

fática e desigualdade jurídica: “O Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática.

Trata-se de um conceito que deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer equivalência de direitos” (BONAVIDES, 2010, p. 378). Para a concretização dos direitos sociais, o Estado deve realizar prestações positivas. Sua

responsabilidade é “prover meios, se necessário, para concretizar comandos normativos de

isonomia”. (BONAVIDES, 2010, p. 378).

Nessa mesma linha, vê-se a afirmação de que os direitos sociais são “prestações

positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente” (SILVA, 2000, p. 290). E,

ainda, como reforça Magalhães (2002, p. 221): são “aqueles que devem ser garantidos pelo Estado, para que, [...], possam ser oferecidos a toda a população os meios dos quais cada pessoa necessita para realmente ser livre, usufruindo, assim, dos seus direitos individuais”.

A partir dessa visão sobre os direitos sociais, deve-se retomar a definição apresentada no início desse capítulo de que esses direitos de segunda geração são direitos fundamentais, expressão preferida pelos publicistas alemães, mas, em geral, não utilizada por anglo- americanos e latinos, que dão preferência ao uso do termo direitos humanos ou direitos do homem. (BONAVIDES, 2010). Em relação aos direitos fundamentais, leciona Bonavides sobre as duas acepções que a expressão pode ter:

Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam, [...]. Ao lado dessa acepção lata, que é a que nos serve de imediato no presente contexto, há outra mais restrita, mais específica e mais normativa, a saber: direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais. (BONAVIDES, 2010, p. 560).

Por causa dessa acepção mais restrita que a expressão “direitos fundamentais” também atinge, conforme relata Bonavides (2010) no trecho acima, prefere-se o uso da expressão direitos humanos ou direitos do homem, que podem apresentar as seguintes concepções:

Apesar de inúmeras definições de direitos humanos e de cidadania, quase todas elas se referirão à tutela e proteção das pessoas e dos grupos sociais com relação à vida, à liberdade e à igualdade. Todas elas também se referirão à inclusão e à emancipação

das pessoais individuais e coletivas a partir de sua efetiva participação política e social ou a qualquer outro aspecto que estimule o desenvolvimento integral da pessoa por meio de um ambiente democrático e de satisfação plena das necessidades humanas. (GUSTIN, CALDAS, 2010, p. 247).

Mas, para Bobbio, a expressão “direitos do homem” não é mais considerada suficiente, dadas as inúmeras especificidades dos seres humanos, com múltiplas demandas:

A expressão habitual „direitos do homem‟ já não é suficiente. É demasiado genérica. Que homem? Desde o início foram diferenciados os direitos do homem em geral dos

direitos do cidadão (...) uma ulterior especificação tornou-se necessária à medida que emergiam novas pretensões, justificadas com base na consideração de exigências específicas de proteção, seja em relação ao sexo, seja em relação às condições, normais ou excepcionais, da existência humana. Daí, em relação ao sexo, o reconhecimento de direitos específicos das mulheres; em relação às diferentes fases da vida, as particulares evidências, sejam nacionais, sejam internacionais, para a infância e para os idosos; em relação às condições normais ou excepcionais, a particular atenção dirigida aos direitos dos enfermos, dos deficientes, dos doentes mentais, e assim por diante. (BOBBIO apud GUSTIN, CALDAS, 2008, p. 248).

Assim, a partir do raciocínio de Bobbio, quando se estiver tratando sobre direitos humanos, faz-se necessário sempre indagar sobre a que homem ou a respeito de que grupo de homens se está referindo. Em seguida, deve-se questionar: que tipos de direitos sociais lhes interessam? Ou seja, quais são suas pretensões em matéria de direitos sociais humanos, para que seus direitos individuais possam ser usufruídos plenamente? No caso desta pesquisa, deve-se perguntar: quais direitos sociais interessam aos trabalhadores informais de rua? Com base em todos os relatos e no que se observou, trata-se, especialmente, do direito social ao trabalho.

O trabalho, assim como a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, é um dos direitos garantidos no artigo 6 º da Constituição Federal de 1988. Coerentemente com a perspectiva apresentada, trata-se de direito social que completa o rol dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos no título II da Constituição atual. Além dessa determinação constitucional, há outra complementar, instituída no art. 5º, inciso XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. (BRASIL, 1988).

Ao contrário do artigo 7º, que está voltado especialmente para os trabalhadores empregados, o artigo 6º da Constituição Federal garante a promoção do trabalho para todos os tipos de trabalhadores, independentemente do status jurídico que tenham. Nessa perspectiva, é possível afirmar que a Constituição reconhece o direito social ao trabalho como condição para a efetividade da existência digna de todos os tipos de trabalhadores, inclusive os de rua. Em outras palavras, completa Delgado (2006, p. 209): “se o trabalho é um direito fundamental, deve pautar-se na dignidade da pessoa humana”.

Mas, levando em conta essas constatações sobre o direito ao trabalho e ainda tendo em vista a orientação de Bobbio (apud GUSTIN, CALDAS, 2008), falta um questionamento importante a respeito dos direitos humanos dos trabalhadores de rua. Que espécie de direito social ao trabalho eles reivindicam? A resposta colhida nos depoimentos desses trabalhadores é o direito ao trabalho na rua, que, desde 2003, a partir da publicação do Código de Posturas, passou a ser violado em Belo Horizonte. (BELO HORIZONTE, 2003).

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 174-178)

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