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A superação do paradigma do Estado de Bem-Estar Social ou Estado Social e a ascensão do paradigma do Estado Democrático de Direito

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 151-153)

6 O TRABALHO NAS RUAS NOS DIAS ATUAIS

7 AS DISPUTAS ENTRE O DIREITO AO TRABALHO NA RUA E O DIREITO À CIDADE SEM TRABALHADORES DE RUA

7.1 Análise dos paradigmas constitucionais: do pré-moderno ao do Estado Democrático de Direito

7.1.3 A superação do paradigma do Estado de Bem-Estar Social ou Estado Social e a ascensão do paradigma do Estado Democrático de Direito

Os anos 1970 marcaram um importante momento de transição na história do capitalismo. O que ficou evidente a partir de então é que profundas alterações sociais e econômicas demandariam uma nova atuação do Estado, o que indicava a superação do paradigma do Estado de Bem-Estar Social. Mas essas transformações tiveram início bem antes, já desde o final da segunda Guerra Mundial. Explica Carvalho Netto que este

acontecimento em conjunto com os “abusos perpetrados nos campos de concentração e com a

explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, bem como pelo movimento hippie

na década de sessenta” (1999, p. 04), levaram ao questionamento do Estado de Bem-Estar

Social. Mas, não são apenas essas as justificativas para a derruição desse paradigma:

A própria crise econômica no bojo da qual ainda nos encontramos coloca em xeque a racionalidade objetivista dos tecnocratas e do planejamento econômico, bem como a oposição antitética entre a técnica e a política. O Estado interventor transforma-se em empresa acima de outras empresas. As sociedades hipercomplexas da era da informação ou pós-industrial comportam relações extremamentes intrincadas e fluidas. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 04).

É nesse momento que a sociedade passou a reivindicar “o advento dos direitos da 3ª geração, os chamados interesses ou direitos difusos, que compreendem os direitos ambientais, do consumidor e da criança, dentre outros”. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 04). Na hipótese de dano, em razão das peculiaridades desses direitos, seus titulares são dificilmente determinados e, quanto ao Estado, tem-se que quando não diretamente responsável pelo dano

verificado, é considerado, no mínimo, “negligente no seu dever de fiscalização ou de atuação criando uma situação difusa de risco para a sociedade”. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 04).

A perspectiva também passou a ser diferente em relação aos direitos de 1ª e 2ª

geração. “Os de 1ª são retomados como direitos [...] de participação no debate público que

informa e conforma a soberania democrática de um novo paradigma, o [...] do Estado Democrático de Direito e seu direito participativo, pluralista e aberto”. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 04, grifo do autor).

Dessa forma, em caso de dar alguma continuidade às idéias de Marshall sobre a cidadania, poderia se pensar que com o paradigma do Estado Democrático de Direito houve uma incorporação dos direitos difusos ao status da cidadania, mas não somente isso. Acrescenta-se ao rol de direitos de 1ª, 2ª e 3ª gerações, a criação de canais e espaços

institucionais ou não para a participação efetiva dos cidadãos organizados, para a tentativa de superação ou, pelo menos, minimização da desigualdade social, problema ainda a ser vencido em diferentes setores. Não se trata mais, portanto, como afirmou Carvalho Netto (1999) de perceber os cidadãos como massa pronta a ser moldada pelo Leviatã.

A partir desse novo paradigma constitucional também emerge a necessidade de um novo papel do juiz, bastante diferente daquele registrado nos paradigmas anteriores. No Estado de Direito, o juiz é visto como um mero repetidor do texto legal.

É claro que sob este primeiro paradigma constitucional, o do Estado de Direito, a questão da hermenêutica do juiz só poderia ser vista como uma atividade mecânica, resultado de uma leitura direta dos textos que deveriam ser claros e distintos, e a interpretação algo a ser evitado até mesmo pela consulta ao legislador na hipótese de dúvidas do juiz diante de textos obscuros e intrincados. Ao juiz é reservado o papel de mera „bouche de 152a loi‟

(CARVALHO NETTO, 1999, p. 04, grifo do autor).

Sobre o papel do juiz no Estado Social, que registra um significativo avanço em relação ao que se verificava no paradigma anterior, tem-se como elemento norteador de sua atuação a necessidade de o Estado se direcionar para a concretização dos direitos, o que, fatalmente, define uma nova postura hermenêutica diante da lei.

O juiz agora não pode ter a sua atividade reduzida a uma mera tarefa mecânica de aplicação silogística da lei tomada como premissa maior sob a qual se subsume automaticamente o fato. A hermenêutica jurídica reclama métodos mais sofisticados como as análises teleológica, sistêmica e histórica capazes de emancipar o sentido da vontade da lei da vontade subjetiva do legislador na direção da vontade objetiva da própria lei, profundamente inserida nas diretrizes de materialização do Direito que a mesma prefigura, mergulhada na dinâmica das necessidades dos programas e tarefas sociais. Aqui o trabalho do juiz já tem que ser visto como algo mais complexo a garantir as dinâmicas e amplas finalidades sociais que recaem sobre os ombros do Estado. Explica-se assim, por exemplo, tanto a tentativa de Hans Kelsen de limitar a interpretação da lei através de uma ciência do Direito encarregada de delinear o quadro das leituras possíveis para a escolha discricionária da autoridade aplicadora, quanto o decisionismo em que o mesmo recai quando da segunda edição de sua

Teoria Pura do Direito. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 04).

Como já salientado no paradigma do Estado Democrático de Direito, a tarefa hermenêutica do juiz é reelaborada. Diante do incrível aumento da complexidade social, é preciso interpretar o Direito tendo em vista não só o cumprimento da lei (regra), mas também a simultânea satisfação do desejo de se alcançar a justiça, o que pode ser obtido mediante uma leitura adequada do papel dos princípios no ordenamento jurídico. Resume Carvalho Netto, que:

[...] é de se requerer do Judiciário que tome decisões que, ao retrabalharem construtivamente os princípios e regras constitutivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo, a exigência de dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade, entendida como segurança jurídica, como certeza do Direito, quanto do sentimento de justiça realizada, que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 05).

Mas, como defende Carvalho Netto (1999), tal objetivo decorre da aceitação de que as normas se tratam de um conjunto de regras e princípios, que devem ser manejados e interpretados permanentemente diante de cada caso concreto. Essa visão supera o positivismo jurídico e vai ao encontro das idéias de teóricos como Dworkin (2002), que serão apresentadas mais detalhadamente a seguir.

7.2 A resolução de casos concretos segundo o paradigma do Estado Democrático de

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 151-153)

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