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Em busca da efetividade do direito ao trabalho digno na rua

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 183-187)

8 O DIREITO AO TRABALHO NA RUA

8.4 Em busca da efetividade do direito ao trabalho digno na rua

Diante da violência e das inúmeras situações constrangedoras vivenciadas pelos trabalhadores de rua, devem ser pensados alguns mecanismos capazes de superar ou, pelo menos, minimizar esses problemas. Entende-se que essas condições ferem a dignidade da

pessoa humana e aniquilam boa parte dos direitos de cidadania desses trabalhadores, impedindo-os de exercer um trabalho digno. (DELGADO, 2006).

Essa realidade demanda providências urgentes por parte do Poder Público, que deve levar em conta, entre outras coisas, a falta de efetividade do Código de Posturas, no sentido de ausência de cumprimento de objetivos e de correspondência com as demandas e necessidades dos atingidos pela norma em tela, pelo menos em relação aos trabalhadores de rua. (GUSTIN, DIAS, 2005).

Em razão dessas constatações, a seguir são apresentadas algumas propostas para garantir a efetividade do direito ao trabalho digno na rua.

8.4.1 Propostas

Do ponto de vista dos trabalhadores de rua, as soluções para os problemas e conflitos que têm passam pela iniciativa da Prefeitura de destinar um local específico em logradouros públicos para o exercício de seus pequenos comércios. É isso o que pensa “B”.

Pesquisadora: Oh, “B”, cê ... se você fosse prefeita de Belo Horizonte, como é que cê ia fazer uma lei pra melhorar a vida do trabalhador de rua? Que que cê ia botar nessa lei?

B: Se eu fosse prefeito? Pesquisadora: É. B: Hahaha

Pesquisadora: Ou vereadora, igual o Ananias quer ser?

B: Eu acho que seu fosse prefeita, eu fazia... arrumava um... lugar aí ... um lugar pra os trabalhador da rua trabalhar... né... eu...

B: Eu já falei pra ela aqui, oh... essas... debaixo dessas passarela, que o povo fica fazendo mictório aí... fazendo coisa que num deve...

I: É... usando droga.

B: Aí fechava em roda aí, botava aquela... aqueles camelô daquele lado pra trabalhar ali. No outra... passarela, eu fazia outra... mesma coisa, pra outros trabalhar e... pus...e a gente por uma fiscalização. Mas, assim... A fiscalização pra, só, é... administrar. Oh, esse daqui é seu... cê num passa pra lá. O de lá num passa pra cá.

P: Aqui em Belo Horizonte é muito perseguido, né. Fiscalização vem, toma mercadoria. Não quer saber se cê comprou... Que... se... cê... tá por necessidade, né... Por exemplo... eles é muito duro com a gente, né... vendedor de rua, né... Chega tomando, chutando tudo. Uma brutalidade muito grande, né. Eu acho que devia ter um ... ter um... incentivo pelo menos pra ta trabalhando, né.

Pesquisadora: Ahan.

P: Por exemplo: não pode aqui, mas vai abrir outra área que pode trabalhar, né... Pesquisadora: Isso.

P: Agora... eles num faz isso aí. Eles chega quebrando tudo, não conversa, nem nada, né...Então, quer dizer. Cê comprou a mercadoria, pagou. Cê tá vendendo a mercadoria...

Pesquisadora: Ahan.

P: Devia ser assim. Chegar já...”oh, aqui num num pode. Mas, vamo nscrever todo

mundo, vamo abrir uma área que você vai poder trabalhar”, né. Mas chega na maior

brutalidade, quebrando tudo... Pesquisadora: Ahan.

P: Então... fica sem entender, né...

As propostas de “P” e “B” parecem ser muito semelhantes à que a Prefeitura tentou implementar com a transferência dos camelôs e toreros para os shoppings populares, mas apenas no que se refere ao fato de se tratar de uma iniciativa de destinar locais específicos para as atividades desses trabalhadores. As propostas divergem quanto ao local em que eles seriam inseridos.

Foi possível detectar que os trabalhadores preferem o trabalho em locais demarcados em logradouros públicos ao exercício de suas atividades fora desse ambiente. Atualmente, talvez, esse pensamento se dê com mais propriedade, em virtude do fracasso que os shoppings populares representaram para esses trabalhadores. Como se demonstrou neste relatório de pesquisa, esse projeto, efetivamente, em virtude do modelo adotado, não foi capaz de atender às demandas e necessidades de grande parte dos trabalhadores de rua. Como visto, por uma série de fatores, tais trabalhadores não deram conta de manter as despesas resultantes dos aluguéis dos boxes e o volume de mercadorias que essas pequenas lojas nos centros de comércio popular exigem, fatores que os levaram a vender ou a até mesmo a abandonar esses pontos de trabalho.

É importante destacar que a demarcação desses espaços para o comércio popular em logradouros públicos deveria ocorrer em locais de expressiva circulação de pessoas, para garantir a rentabilidade do comércio. Deveria, por outro lado, também levar em conta os outros usos da cidade. Não deveria, portanto, se dar de maneira desorganizada ou de forma que não se harmonizasse com o cumprimento de outras funções da cidade.

Outra medida complementar seria a adoção de um novo modelo de Centros de Comércio Popular. Ao contrário do estabelecimento dos shooppings populares pela iniciativa

privada, que fossem constituídos pela Prefeitura. A cobrança pelo uso dos pontos deveria ser paulatina e crescente até atingir um valor suficiente para a cobertura das despesas com a manutenção e administração dos shoppings. O prazo para que isso ocorresse deveria ser planejado, levando-se em conta um período razoável para que os trabalhadores “firmassem” seus comércios e tivessem condições de assumir todas as despesas.

Nesse novo modelo de shopping popular, haveria um sistema de co-gestão, inspirado nos moldes propostos por Silva (1991) para as empresas.

A co-gestão na empresa significa a participação do empregado na direção da atividade econômica, assumindo, juntamente com o empresário, a responsabilidade pela sua condução. É a forma mais alta e aperfeiçoada de co-gestão que, superando a oposição empregado x empregador (ou seja, capital x trabalho), integra-os numa unidade eficiente e harmônica, onde a cooperação substitui a oposição e a igualdade se coloca no lugar da subordincao, valorizando igualmente ambos os fatores na atividade econômica e social que se propõem. (SILVA, 1991, p. 264).

A co-gestão dos shoppings populares implicaria na participação de representantes dos trabalhadores, da Prefeitura e de outros parceiros que pudessem contribuir para o aperfeiçoamento dos empreendimentos, como o SEBRAE. Todos, em sistema colegiado, fariam a gestão desse novo Centro de Comércio Popular.

Ainda, outras políticas públicas, de caráter preventivo, poderiam ser implementadas pelo Poder Público com a finalidade de impedir a instalação de novos trabalhadores nas ruas, como programas de capacitação e qualificação de trabalhadores, que os tornassem aptos para novos empregos ou abertura de novos empreendimentos próprios. Nessas ações, é importante a participação de outros atores, por exemplo, os sindicatos. Nesse sentido, sugere a OIT:

Os sindicatos podem, através de programas de educação e de divulgação, sensibilizar os trabalhadores da economia informal para a necessidade da representação colectiva. Podem também dedicar-se a integrar estes trabalhadores da economia informal no âmbito das convenções colectivas. Uma vez que a mão-de- obra feminina é maioritária na economia informal, os sindicatos deverão adaptar as suas estruturas internas ou criar estruturas próprias para incentivar a participação e a representação das mulheres, tendo em conta as suas necessidades específicas. Os sindicatos podem fornecer diversos serviços especializados aos trabalhadores da economia informal: informações sobre os seus direitos, projectos de educação e de promoção, assistência jurídica, seguros médicos, planos de poupança e de crédito, estabelecimento de cooperativas. Não se considere porém que estes serviços podem substituir-se à negociação colectiva ou isentar os governos das suas responsabilidades. Há que conceber e promover, também, estratégias positivas de

luta contra a discriminação sob todas as suas formas, pois os trabalhadores da economia informal estão particularmente expostos a esta. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006b, p.16).

De qualquer forma, todas essas medidas devem levar em conta os fatores que conduzem os trabalhadores para a economia informal. Se isso não for observado, torna-se um círculo vicioso. Haverá novas e crescentes entradas na informalidade, não havendo o Estado e a sociedade como sustentar os custos desse problema social.

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 183-187)

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