• Nenhum resultado encontrado

Trabalho digno e trabalho informal

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 72-76)

2 O MUNDO DO TRABALHO

3.4 Trabalho digno e trabalho informal

Desde 2002, a OIT (2006b), ainda por meio da Resolução da 90ª Conferência Internacional do Trabalho, passou a estabelecer uma relação entre trabalho digno e economia informal. Nesse documento, além de apresentar um conceito para a economia informal, conforme já analisado, preocupou-se em descrevê-la e apresentar medidas capazes de criar condições para a sua superação e, consequentemente, do trabalho informal.

Em síntese, a OIT defende que o trabalho digno deve se tornar uma realidade para todos os trabalhadores e empregadores, apesar do enorme desafio de concretização desse direito entre as pessoas que se inserem no universo da informalidade:

o compromisso pelo trabalho digno está radicado na Declaração de Filadélfia, que consagra o direito de todo o ser humano a viver em "liberdade, dignidade, segurança económica e igualdade e oportunidades". É preciso, agora, considerar essa imensidão de trabalhadores e de empresas que por vezes não são reconhecidos nem protegidos por nenhuma moldura legal ou regulamentar, e que se caracterizam por uma grande vulnerabilidade e uma grande pobreza, e compensar esses défices de trabalho digno. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006b, p. 06).

Na economia informal, os déficits de trabalho digno atingem todos os seus componentes: trabalhadores assalariados e trabalhadores por conta própria. Segundo analisa a

OIT, grande parte destes “são tão vulneráveis e carecem de tanta segurança como os

assalariados, e passam de uma situação a outra. Sofrendo de falta de protecção, de direitos e de representação, estes trabalhadores são frequentemente atingidos pela pobreza”. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006b, p. 06).

Em comparação ao que ocorre na economia formal, para a OIT (2006b), os déficits de trabalho digno são mais marcados na informal, em virtude das seguintes característ icas dos trabalhadores que a integram:

os trabalhadores da economia informal não são reconhecidos nem declarados, não beneficiam da legislação laboral nem de protecção social (por exemplo, quando o seu estatuto em relação ao emprego é ambíguo), pelo que se vêem impossibilitados de desfrutar dos seus direitos fundamentais, de os exercer ou de os defender. Não estando, geralmente, organizados, raras vezes são representados colectivamente junto dos empregadores ou das autoridades públicas. A economia informal caracteriza-se muitas vezes pela exigüidade ou indefinição dos locais de trabalho,

por condições de trabalho que não garantem saúde nem segurança, fracos níveis de qualificação e de produtividade, rendimentos baixos e irregulares, longas horas de trabalho e falta de acesso à informação, aos mercados, ao financiamento, à formação e à tecnologia. Os trabalhadores da economia informal podem caracterizar-se por diversos graus de dependência e de vulnerabilidade. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006b, p. 06).

A OIT também vê os trabalhadores informais como vítimas centrais de um processo

de exclusão social. “Mesmo que alguns ganhem mais na economia informal do que ganham

os trabalhadores na economia formal, os trabalhadores e as unidades económicas da economia informal caracterizam-se pela pobreza, sinônima de impotência, [...] de vulnerabilidade.” (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006b, p. 06). Esse panorama negativo, juntamente com as características já apresentadas dos trabalhadores informais, é construído por uma série de outras constatações sobre a dura realidade dessas pessoas:

A maioria não beneficia da segurança dos seus direitos de propriedade, o que os impede de aceder ao capital e ao crédito. Têm dificuldade em recorrer ao sistema judicial para fazer valer os seus contratos, e não têm, ou quase não têm, acesso às infraestruturas e prestações públicas. Estão expostos ao assédio, nomeadamente sexual, e a outras formas de exploração e abuso, incluindo o suborno e a corrupção. As mulheres, os jovens, os migrantes e os trabalhadores idosos são as primeiras vítimas dos défices de trabalho digno mais gritantes da economia informal. É na economia informal que, tipicamente, se encontra crianças a trabalhar e trabalhadores sob servidão por dívidas. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006b, p. 06).

A principal orientação da OIT para se reverter esse quadro é a promoção do trabalho digno, o que implica na combinação de uma série de fatores.

é necessário eliminar os aspectos negativos da informalidade, zelando simultaneamente pela preservação das fontes de rendimento e do espírito empreendedor, e pelo incentivo à protecção e integração dos trabalhadores e unidades económicas da economia informal na economia formal. Não poderá haver evolução sustentável para o trabalho digno, reconhecido e protegido, se não se agir, após a sua identificação, sobre as causas profundas da actividade informal e sobre os obstáculos à integração no sistema económico social formal. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006b, p. 06).

A partir da leitura do trecho acima, para a OIT, o trabalho só é digno se é formal, se for reconhecido e protegido pelo Direito. Mas, há também outras dimensões do trabalho digno a serem consideradas:

Promover o trabalho digno para todos os trabalhadores, mulheres e homens, sem ter em conta o local onde estes trabalham exige uma estratégia abrangente: concretizar os princípios e direitos fundamentais no trabalho; criar novas e melhores possibilidades de emprego e de rendimento; alargar a protecção social; incentivar o diálogo social. Estas dimensões do trabalho digno reforçam-se mutuamente e fazem parte de uma estratégia integrada de luta contra a pobreza. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006b, p. 06).

Na obra de Delgado (2008, p. 62, grifo do autor), também se percebe posição

semelhante: “é função estatal proteger e preservar o valor do trabalho digno por meio da regulamentação jurídica. Por essa razão é que se defende o papel do direito do Trabalho em

reconhecer toda e qualquer manifestação do trabalho que se revele pelo valor da dignidade”.

Ensina também Delgado (2006, p. 207) que “o valor da dignidade deve ser o sustentáculo de qualquer trabalho humano”. A dignidade a que se refere é a humana, cujo

conceito é difícil de ser estabelecido, mas é muito bem esclarecido por Sarlet, conforme consta em sua declaração transcrita abaixo:

[...], temos por dignidade humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET apud DELGADO, 2006, p. 204).

Quando se examinam as condições de quem trabalha na rua, aplicando-se as teorias de Delgado (2006) e Sarlet (apud DELGADO, 2006), é possível afirmar que o trabalho desenvolvido por esses atores não pode ser qualificado como digno. E isso se dá não só pela não concretização de direitos trabalhistas e previdenciários, mas também pela falta de autorização para o exercício de atividades em logradouro público. Essa constatação, todavia, não é feita nesses termos pelos trabalhadores. Mas, ela pode ser percebida a partir de diversas declarações negativas sobre a ação dos fiscais, muitas vezes descrita como violenta.

Mas, a despeito dessa realidade e de sua percepção como difícil e penosa, os trabalhadores não abandonam suas atividades, pois é da rua que retiram sustento. Desse mesmo modo entendeu Freitas, ao analisar a situação dos catadores de papel: “percebe-se que nessas situações excludentes o trabalhador pouco se importa com o valor da atividade em si.

DELGADO, 2008, p. 59). Nessa perspectiva, “a realidade se afasta da orientação matriz do

ordenamento jurídico brasileiro, pautado no valor-fonte da dignidade da pessoa humana, seja

em relação à vida, seja em relação ao trabalho”. (DELGADO, 2008, p. 59).

Figura 1 – Trabalhador informal de rua

No documento Direito ao trabalho na rua (páginas 72-76)

Outline

Documentos relacionados