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Direitos naturais e sociedade política: John Locke

O PRINCÍPE-ESTADO 1 Do príncipe soberano

D. Direitos naturais e sociedade política: John Locke

No horizonte da reflexão spinozista, delineia-se a revolução física, mas também a República dos Países-Baixos, fervilhante de discussões político-religiosas e já empenhada na modernidade comercial e manufatureira. A obra política de John Locke é contemporânea da segunda revolução inglesa (1689), da queda definitiva do' regime de direito divino e da instauração de uma espécie de monarquia constitucional; como as de Hobbes e de Spinoza, ela se inspira no espírito novo que se baseia apenas na luz natural e na experiência; como elas, leva em conta as transformações ocorridas a partir do século anterior no mercado de trabalho e na estrutura da propriedade e do comércio. Mas, se refuta vivamente John Filmer, teórico do absolutismo real de direito divino, a teoria. lockeana é também inteiramente contrária ao "contrato de submissão" que, segundo Hobbes, institui o Leviatã.

Filósofo que desenvolve uma teoria do conhecimento fundada num empirismo moderado (todos os conhecimentos provêm. da experiência, mas também da capacidade reflexiva do entendimento humana que a ela se aplica), Locke baseia sua investigação política numa concepção dos direitos naturais que não deixa de lembrar Grócio. No estado de natureza - expressão' que, em Locke, indica por vezes, como em Hobbes e depois em Rousseau, um conceito-limite, e, outras vezes, um período histórico primitivo, que pode ser encontrado entre os índios da América, por exemplo ("o estado de selvageria", segundo Rousseau) -, os seres criados por Deus são livres: livres as terras, livres os animais, livres os homens... Para os homens, que foram criados de tal modo que são capazes de conhecer, de expressar seu pensamento e de trabalhar, essa liberdade inscreve como um direito natural (ou originário) a possibilidade de dispor de sua, vida e de suas palavras como lhes convém, e de caçar os animais é de ocupar um território em que possam trabalhar para sobreviver. São iguais uns aos outros, na medida em que não existe entre eles nenhuma diferença natural que autorize um a limitar a liberdade do outro. Formam assim famílias e realizam - conforme suas conveniências - as trocas que julguem proveitosas. Nesse estado, fazem-se promessas mútuas a fim de melhor regularem suas vidas, promessas que são naturalmente obrigados a respeitar, já que, sem tal respeito, o uso da promessa perde qualquer significação. Eles decidem também sobre signos - a moeda -, graças aos quais as trocas de bens são facilitadas. Desse modo, as pessoas não mais se atêm, em particular no que se refere à ocupação do território, aos poucos acres de terra necessários à: sobrevivência de uma família. A sociedade dos homens torna-se mais complexa e surgem cada vez mais numerosos riscos de conflito.

Os conflitos mais notórios e mais prejudiciais têm como origem os atentados ao direito que cada um tem de dispor de sua vida, de se apropriar dos bens livres e de exigir o respeito aos compromissos assumidos. Decerto, aquele cujos direitos foram lesados pode legitimamente punir o culpado e obrigá-lo a reparar o prejuízo causado. Mas, independentemente do fato de que esse procedimento apresenta o risco de engendrar uma seqüência indefinida de violências, ele é empiricamente inaplicável: como Locke observa, os ladrões e os desonestos são, em geral, mais robustos e mais astuciosos do que o comum dos proprietários. Portanto, é conveniente que os que desejam a plena realização dos princípios do direito natural, ou seja, o livre desenvolvimento de cada um, entrem em sociedade e instituam uma instância

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que tem como fim organizar essa sociedade segundo regras comuns c usar os meios adequados para aplicá-las.

Desse modo, os proprietários - a propriedade das terras, dos instrumentos, do capital não é, segundo Locke, senão uma extensão natural da livre disposição que o homem tem sobre seu corpo e. sua atividade, ou seja, sobre seu trabalho - reúnem-se e entram em acordo para definir o poder público encarregado de realizar o direito Natural. Esse poder é soberano, no sentido de que os que o instituíram, c na medida em que ele atue segundo seu fim, são obrigados a obedecer-lhe e a lhe prestar apoio. Três são suas tarefas: legislador, ele fixa as regras de exercício da soberania - as leis orgânicas do Estado ou sua Constituição - e define as leis que formam o direito público c o direito privado, tendo como perspectiva aplicar os direitos de natureza às particularidades empíricas da sociedade; juiz, ele pune as faltas contra a lei e se empenha no sentido de fazer com que reine a ordem de justiça que decorre desses mesmos direitos naturais, requisitando a força pública a fim de que tenham efetividade as punições e sejam reparados Os prejuízos; governante, ele toma decisões sobre a guerra e a paz e as medidas administrativas exigidas pela salvaguarda da coletividade, a segurança dos cidadãos e a proteção de suas livres atividades.

O pacto de instituição do poder público, do Estado, é muito diferente do que Grócio imaginava e do que Hobbes prescrevia. O primeiro pensa num contrato que liga os cidadãos entre si, por um lado, e, por outro, tais cidadãos enquanto coletividade e a instância suprema; o segundo o concebe como cessão integral que obriga os súditos e não implica nenhuma obrigação por parte do Estado. Locke tem uma posição diversa na medida em que, em sua opinião, a sociedade enquanto tal - no estado de natureza - possui a capacidade de se organizar de modo harmonioso, sem que haja necessidade de recorrer à ordem política. O que impõe a instauração dessa ordem é a impotência a que se encontra reduzida uma tal sociedade quando sua organização natural é ameaçada por inimigos internos e externos. Os direitos naturais não têm força: é indispensável constituir um poder que os enuncie e formalize - que lhes dê força de lei - e que imponha sua efetividade (mediante a coerção). Portanto, o princípio-Estado é necessário - com seu aparelho legislativo, judiciário, policial e militar -, mas é uma forma vazia.

Os cidadãos-proprietários decidem sobre a natureza do corpo legislativo e do governo e sobre quais são os que, dentre eles" merecem

a confiança para realizar suas tarefas. Portanto, é deles que depende o regime, que durará enquanto servir ao bem público. Se o Estado fracassasse em sua missão e contrariasse os direitos naturais, seria um dever dos cidadãos desencadear a "insurreição sagrada" e formar governos decididos a fazer do Estado um poder ao serviço das liberdades inscritas em cada indivíduo.

A obra política de John Locke teve uma influência considerável na intelectualidade européia. Voltaire será um seu ardente propagandista. Sua clareza, sua concisão, mas também sua moderação e sua preocupação com a experiência comum fizeram dela o instrumento por excelência da luta contra a tirania religiosa e política. As duas declarações dos direitos do homem - a norte-americana, de 1787, e a francesa, de 1789 - inspiram-se diretamente nessa obra. Muitas fórmulas das diversas Constituições da Primeira República são tomadas dela. Com o Segundo Tratado do Governo Civil (1690), John Locke apresentou a fórmula liberal do Estado moderno, potência soberana e legisladora e unidade de uma multiplicidade de "súditos francos", assim como Hobbes - quarenta anos antes - apresentara sua fórmula autoritária.

INDICAÇÕES BIBLIOGRAFICAS

John LOCKE (1632-1704), Deuxieme Irailé du gouvernemenl civil (1690), Vrin, 1967 [ed. brasileira: Segundo Tratado sobre o Governo. in "Os Pensadores".

Abril Cultural, São Paulo, 1973, voI. XVIII, pp. 37-137]. R. Polin, La poli tique morale de John Locke, PUF, 1960.

Ch. Hill, Le mOllde à l'envers (les idées radicales au cours de Ia révolulion ali. glaise) (1972), Payol, 1977.

3 O Estado e o conflito

De Maquiavel a Locke, a maioria dos teóricos políticos quer procedam a uma constatação, quer se proponham um programa - reconheceram no Estado, princípio soberano e unificador da existência social, a instância graças à qual - contanto que o Estado "seja conhecido como deve ser conhecido", segundo' o enun-

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ciado de Hegel, e que o poder que ele implica seja corretamente exercido - podem ser reduzidos, ou mesmo eliminados, os conflitos que opõem os indivíduos ( ou grupos) entre si, e, portanto, que assegura a paz civil e regulamenta do melhor modo possível os antagonismos entre os reinos. Todavia, em diferente medida de acordo com o país, duas realidades se impõem, sobretudo depois do final do século X VI. Por um lado, concluindo um movimento muito antigo, reino e nação tendem a se fundir, de tal modo que as partes envolvidas nas questões da política, do direito, do governo, tornam-se cada vez mais numerosas: o tempo da senhoria e do aparelho senhorial foi definitivamente superado. Por outro lado, essas sociedades "nacionais" são cada vez mais profundamente animadas, em função das transformações dos aparelhamentos materiais e ideais e das mentalidades, por um dinamismo próprio; as sociedades como tais - independentemente de suas instituições religiosas e de suas estruturas jurídico-políticas - são tomadas como objeto de reflexão. As teorias políticas não podem ignorá-las: as relações Estado/Sociedade irão constituir o tema principal do pensamento político do século XIX (cf., mais adiante, o capítulo III). Mas, desde o século XVIII, essa presença da sociedade sob suas modalidades históricas, econômicas, morais ou culturais é um novo fermento da investigação política.

A. Montesquieu:" ( . . .) a natureza das coisas (.. . )"

Filósofo moralista, historiador e teórico político francês, Montesquieu irá exercer uma influência tão considerável quanto paradoxal nas Assembléias Constituintes revolucionárias francesas. De sua reflexão sobre o espírito das leis, de induz uma nova classificação dos regimes políticos, ao cabo da qual o governo moderado, onde é assegurada uma separação dos poderes, revela-se a única solução institucional da liberdade política. O método comanda um projeto. Mas qual? Para alguns, Montesquieu - apesar de suas nostalgias feudais - toma resolutamente partido pelo liberalismo; para outros, o barão de La Brede tornou-se objeto de uma recuperação revolucionária por causa de um mal-entendido: destinado a preservar os privilégios da nobreza, sua teoria política e jurídica foi desviada de seu significado a fim de ser posta a serviço da "causa do povo", ou, pelo menos, do Terceiro Estado burguês. .

Montesquieu se esforça no sentido de revelar o espírito das leis, ou seja, a mais forte curva da relação entre variáveis diversas concretas e relativas que fazem e desfazem as leis humanas. Pois, se "todos os seres têm suas leis", tanto a divindade como o mundo material, a humanidade tem suas leis próprias:

"Examinei inicialmente os homens e supus que, nessa infinita diversidade de leis e de costumes, eles não eram movidos unicamente por suas fantasias. Coloquei os princípios e observei os seus casos particulares se dobrarem como que por si mesmos; as histórias de todas as nações serem apenas suas conseqüências; e cada lei particular aparecer ligada a uma outra lei, ou depender de uma outra mais geral. ..

Como todas as leis, as leis humanas são

"relações necessárias que derivam da natureza das coisas".

Mas, sendo assim, as leis humanas - dotadas de estrutura própria - não poderiam ser derivadas ou deduzidas das leis divinas. A lei perde seu caráter de ordem ou mandamento; liberta-se de toda transcendência e de toda "essência"; não é mais do que uma relação imanente aos fenômenos humanos. Ainda que Montesquieu seja, nesse sentido, considerado como "o primeiro dos sociólogos" (Raymond Aron) , importa compreender que ele permanece um filósofo racionalista: "A lei, em geral, é a razão humana, enquanto essa governa todos os povos da Terra; e as leis particulares e civis de cada nação não devem ser mais do que os casos particulares em que se aplica essa razão humana. Elas devem ser tão próprias ao povo para o qual foram feitas que só por um grande acaso as de Uma nação podem ser adequadas a outra. É preciso que elas se relacionem com a natureza e o princípio do governo que foi estabelecido ou que se quer estabelecer, quer elas o formem (como é o caso das leis políticas), quer elas o mantenham (como é o caso das leis civis). Elas devem se relacionar com o elemento físico do país, com o clima frio. quente ou temperado. com a qualidade do terreno. com sua situação, com sua extensão; com o gênero de vida dos povos, lavradores, caçadores ou pescadores; devem se relacionar com o grau de liberdade que a Constituição pode suportar; com a religião dos habitantes, com suas inclinações, suas maneiras. Finalmente, têm relações entre si; têm relações com sua origem, com o objeto do legislador, com a ordem das coisas sobre as quais são estabelecidas."

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As leis mantêm relações com a natureza e com o princípio de cada governo: a teoria da lei exige uma nova classificação dos regimes políticos. Os governos podem ser distinguidos a partir de sua natureza, ou seja, a partir dessa estrutura particular que define o modo de detenção e de exercício do poder, mas também a partir desse princípio, ou seja, desse conjunto de paixões específicas que remete aos costumes e à comunicação humana. Pois há essa diferença entre a natureza do governo e seu princípio: que sua natureza é o que o faz ser tal e seu princípio é o que faz agir. Uma é sua estrutura particular; e o outro são as paixões humanas que o põem em movimento". Desse modo, portanto, as leis não devem ser "menos relativas ao princípio de cada governo do que à sua natureza"; mas o princípio é a base fundamental e o motor que determina, já que "a corrupção de cada governo começa quase sempre pela dos princípios", Levando-se em conta a interdependência entre a natureza e o princípio, "há três espécies de governo: o republicano, o monárquico e o despótico",

. O regime republicano se caracteriza pelo fato de que o poder é detido pelo povo (sua natureza) e que nele reina a virtude (seu princípio), entendida, no sentido político (amor pela res publica), virtude constantemente solicitada, através de diversos meios (educação cívica, censura, economia autárquica), por um regime cuja sorte' é condicionada por ela. Conforme a detenção da soberana potência caiba a todo o povo ou apenas a uma parte do mesmo, o regime republicano tem forma democrática ou aristocrática. Montesquieu considera a forma aristocrática como superior, pois, "o povo é admirável para escolher a quem deve confiar uma parte de sua autoridade [... J. Mas saberá conduzir uma questão, conhecer os lugares, as ocasiões, os momentos, aproveitar-se deles? Não, não o saberá".

Mas, de qualquer modo, o regime republicano é uma forma superada, simples sO,brevivência histórica condenada por causa do aumento dos Estados modernos.

. Em troca, o regime monárquico é aquele no qual um só (o rei) governa através de leis fixas e estabelecidas (sua natureza) e que condiciona a honra (seu princípio), A natureza do governo monárquico estabelece uma ligação necessária, essencial, entre monarquia c nobreza: a detenção do pó der por um só não basta; o modo de exer.

cício através de leis supõe a existência de poderes intermediários subordinados e dependentes; "as leis fundamentais supõem necessariamente canais médios por onde corre a potência, pois - se não houver no Estado. nada mais do que a vontade caprichosa e momentânea de um só - nada poderá ser fixo e, por conseguinte, nenhuma lei fundamental"; ora, "o poder intermediário subordinado mais natural é o da nobreza. Em qualquer caso, ela faz parte da essência da monarquia [...]". A nobreza está implícita também no próprio princípio do regime monárquico: "O governo monárquico supõe [...] preeminências, hierarquias e inclusive uma nobreza originária. A natureza da honra consiste em demandar preferências e distinções; portanto, por sua própria natureza, ela se situa nesse tipo de governo. A ambição é perniciosa numa República. Tem bons efeitos na monarquia; dá vida a esse governo [...]."

A honra é um princípio fácil, que a nobreza produz como que involuntariamente; sua vaidade ou seu egoísmo a impelem para o esforço. Já na República, a virtude é de certo modo forçada. Portanto, há interesse em conservar os privilégios da nobreza, a fim de beneficiar-se com seus efeitos.

. O regime despótico caracteriza-se também pelo governo de um só (sua natureza); mas, já que

"os homens são nele todos iguais, não se podem preferir uns aos outros; já que os homens são nele todos escravos, nada poli e ser preferido" [...) ", e "como é preciso haver virtude numa República e honra numa monarquia, é preciso haver Q temor num governo despótico" (seu principio).

Desse modo, a significação teórica e política de uma tal classificação é clara. Como corretamente escreve Paul Vernières, "Montesquieu substituiu uma tripartição fundada em categorias numéricas por uma nova tripartição temporal: o passado, o presente e o longínquo"2. O

despotismo é o perigo futuro da monarquia, caso essa - cedendo às pressões do povo - separe-se de uma nobreza que é a única a lhe permitir governar segundo leis. A crítica ao despotismo é exemplar; mas, agindo como uma advertência aos reis, ela libera a nobreza de qualquer responsabilidade. Blandine Barret-Kriegel avalia exatamente as conseqüências disso: "Assim, o filósofo desenraíza o despo-

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tismo de nosso solo e o expatria para a Pérsia, a Turquia ou a China; retira-o de nossa genealogia para deportá-lo inteiramente para a civilização oriental. É dessa erradicação que procede a emigração das imagens do poder absoluto, agora votado - até a ressurgência dos Estados totalitários - ao exotismo e à xenofobia (...). Se esquecermos que Montesquieu participa do esforço geral da filosofia senhorial no sentido de negar os deméritos da senhoria e de dissocial a crítica do despotismo da crítica da dominação feudal, o filósofo apresenta o risco de nos desviar do caminho. A crítica do Estado-déspota, com efeito, não passa de um engano quando dissimula -- sob os véus do harém - o cimo senhorial".:1 Todavia, é esse enfoque que leva Montesquieu a preconizar, como solução institucional para a crise, a adoção de um governo moderado, onde a separação dos puderes torna-se a garantia indispensável da liberdade política.

A lição só tem sentido se se evita confundir a liberdade política com o poder do povo, se se compreende que a liberdade política é indissoluvelmente ligada à lei:

“É preciso ter em mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e, se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros teriam também esse poder."

A liberdade política portanto, pode se encontrar apenas num governo onde o poder seja moderado porque limitado:

"É uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder é levado a abusar do mesmo; ele vai até o ponto em que encontra limites [...]. Para que seja impossível abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas poder freie o poder."

A moderação do poder, por conseguinte, depende de uma certa "distribuição" das forças, que resulte da razão e não do acaso:

"Para formar um governo moderado é preciso combinar as potências, regulamentá-las, temperá-las, deixá-las agir; ou por assim dizer, dar um lastro a um para torná-lo capaz de fazer com que o outro desista; é uma obra-prima de legislação, que o acaso raramente opera e que raramente é confiada à prudência. Um

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3 Blandine Barret-Kriegel, L'Etal ri les esc/aves, Paris, Culmann-Lévy, 1979, pp. 32-33.

governo despótico, ao contrário, salta por assim dizer à vista; ele é uniforme por toda parte: como bastam as paixões para estabelecê-lo, qualquer um serve para isso."

* O regime inglês assume, então, a figura de modelo; daí o famoso. Livro XI de O espírito das leis, que trata da "Constituição da Inglaterra", sem que seja prejudicada a coerência de conjunto do raciocínio. Montesquieu distingue três espécies de poderes que ele chama de potências: a potência legislativa, a potência executiva e a potência de julgar. E afirma claramente que

"tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de principais e nobres. ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar resoluções públicas e o de julgar os crimes e as disputas entre particulares".

Pode-se dizer que a potência de julgar é "invisível e nula", na medida em que não põe nenhum problema de alocação: ela não é dada a um "senado permanente" e "teme-se a magistratura e não os magistrados". Em troca, as duas outras potências são partilhadas por três forças: o povo, a nobreza,