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Durkheim ou a explicação social

O Estado-Cientista

B. Durkheim ou a explicação social

Émile Durkheim expressa muito bem a ambigüidade da nascente sociologia, não fosse senão por ter sido um dos seus primeiros fundadores. Ele rompe incontestavelmente com toda metafísica, recusa obstinadamente qualquer teoria geral do devir. Contra a filosofia, Durkheim funda um positivismo rigoroso e decide "tratar os fatos sociais como coisas". Dizendo isso, não só se afasta de qualquer pretensão ontológica, que considera o homem como uma criatura indeterminada (o ser), mas também, precisamente, da psicologia individualista. É preciso admitir a existência do fato social independente da consciência individual. Nessa perspectiva, seu estudo sobre o suicídio era absolutamente subversivo. Afirmar que "o suicídio varia na razão inversa do grau de integração da sociedade religiosa, da sociedade doméstica ou da família, e da sociedade política, ou da nação" é admitir a prioridade do coletivo sobre o individual, do social _ sobre o psicológico. Um homem não se mata somente por motivos pessoais; OS homens se matam mais nesta sociedade do que naquela, neste dia mais do que naquele outro. . .

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compreendemos que essa formulação era indispensável para construir a sociologia e que Durkheim soube fixar as regras científicas do método sociológico, buscar as causas eficientes dos fenômenos sociais antes de investigar suas causas finais ou motivos. Criar a ciência do social exigia, certamente, que se construísse a realidade social como coisa (que se pusesse de lado o Homem), que se investigassem suas determinações fora de qualquer pressuposto filosófico ou político (que se pusesse de lado o juízo).

Onde estão as idéias políticas de Durkheim? No fato de não tê-las de modo algum! Piada fácil, que não serve para nada. Ao contrário, ele se recusa a acantonar a sociologia numa investigação gratuita, e espera que ela sirva para a administração correta das sociedades, sem o que "não valeria uma hora. de esforço". O cientista descobre e explica permanências e evoluções. Graças às observações dele, o político poderá agir melhor.

Independentemente dessa função de assessoria política, desejada por seu autor, a obra de Durkheim é ainda política, mas de um modo mais indireto. Ela é política por seu excesso de neutralidade, que toma a sociedade como um todo pré-constituído. O racionalismo de observação adotado por Durkheim evita certamente a superficialidade do empirismo ou os a priori da filosofia da história. Mas, definindo a sociedade como uma consciência coletiva, pretendendo explicar o todo social, Durkheim explica a vida coletiva tal como ela existe, explica-a até legitimá-la. Empresta à sociedade industrial sua coesão invocando sua totalidade. Propõe assim sua estabilidade e subestima os conflitos que não são anomias, casos patológicos.

Durkheim realiza nas ciências do homem o mesmo trabalho a que se entrega o Estado moderno: buscando explicar a sociedade nova, ele admite' sua totalidade, explica a integração e os desvios - em suma, racionaliza a explicação do real no momento em que o Estado irá racionalizar sua dominação sobre o real.

INDICAÇOES BIBLIOGRÁFICAS

r-:.milc lJl.:RKHEIM (1858-1917). La dh';s;o/l du Ira~'aiI sociar, étude sur I'organisatio/l des sociétés supér;eures (1893), PUF, 1960 leu. brasileira parcial: Da div/S{io do trabalho social. in "Os Pensadores", Abril Cultural, São Paulo, vol.

PUF, 1947 [ed. brasileira: As regras do método sociológico, in ibid., pp. 373-463)]; Le suicide (1897), PUF, 1967 [ed. brasileira parcial: O suicidio. in ibid.. pp. 465-504]; Les formes élémentaires de Ia vie religieustl (1912) [ed. brasileira parcial: As formas elementares da vida religiosa, in ibid.. pp. 505-547).

B. Lacroix, Durkhe:m et Ia polilique. Fond. Na!. des Se. Politiques, 1981. C. Max Weber ou a necessidade do sagrado

A primeira vista, Max Weber parece mais prudente do que Durkheim. Não pretende explicar, mas compreender; não busca construir uma "física social", mas uma sociologia histórica; reserva para as ciências da natureza o exame das causas eficientes, caras a Durkheim, buscando antes captar as ações humanas a partir de dentro.

As ciências da cultura, com efeito, devem respeitar a especificidade de seu objeto, reconhecer o Geist, o espírito, a cultura, a humanidade, essa mistura de consciência e de vontade que impede estudar uma ação sócio-histórica como se estuda a pressão atmosférica ou o átomo; que obriga a lhe reconhecer um sentido, uma significação, pelo menos para aquela que a realiza e busca uma finalidade. E essas ações têm lugar numa sociedade, ou seja, numa cultura. Como decodificar esse contexto? Buscando o sistema de valores adotado pela sociedade, a fim de compreender, por exemplo, como um protestante inglês do século XVII podia ser levado a comprar bens e a fazê-los frutificar.

Weber pôde então escrever sobre A ética protestante e o espírito do capitalismo, explicar o aparecimento do capitalismo europeu e ligá-lo à concepção calvinista do mundo. O puritanismo proíbe o homem de conhecer os decretos de Deus, mas o obriga a engrandecer seu Reino cá embaixo. O trabalho, então, confirma a fé dos predestinados. Ele é oração. A organização racional do trabalho e a acumulação do capital enriquecem a vida humana não porque proporcionam dinheiro ao homem, mas por lhe provarem que ele é um eleito de Deus.

Por conseguinte, o capitalismo não nasceu apenas quando um capital foi acumulado, quando ocorreram transformações técnicas e quando uma classe tomou consciência de seu interesse econômico. Nasceu quando os homens o desejaram, quando homens conceberam o mundo diferentemente e quando o submeteram a essa nova concepção.

Para confirmar a validade de sua interpretação, Max Weber sublinha que a China pôde conhecer acumulação de capital e revolução

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técnica sem que lá nascesse a revolução industrial: faltava a ética suscetível de mover o conjunto. Todavia, seria abusivo concluir que Max Weber opõe ao Econômico de Marx um Religioso que determinaria sempre o curso da história. Ele se contenta em revelar uma configuração singular, na qual o fator religioso teve essa primazia.

Para além da gênese do capitalismo, Max Weber pôs a nu a dimensão do político no Estado. O andamento de sua investigação consiste então em construir categorias abstratas que ajudem a captar sociedades concretas, quando essas são confrontadas com tais categorias.

O sociólogo imagina assim dois tipos de sociedade, dois modelos que, enquanto tais, não existem nunca, mas oferecem pontos de apoio:

. a comunidade (Gemeinschaft)

na qual os indivíduos são fortemente integrados no todo social e atuam segundo a tradição e os dados afetivos de natureza religiosa

. e a sociedade (Gesellschaft)

à qual os participantes aderem calculando seus interesses mútuos e na qual atuam com o objetivo de obter os acordos mais vantajosos.

A Gesellschaft torna-se agrupamento quando um contrato explícito une seus membros; empreendimento, quando sua finalidade é determinada de modo racional; instituição, se o empreendimento puder impor aos membros seus comportamentos mediante decretos ou leis.

Qualquer que seja sua racionalização, a ordem política permanece marcada pela dualidade entre a tendência ao conflito e a tendência à integração. Ela se caracteriza pela emergência da potência, a Herrsclzatt ou dominação, pela qual dominantes e dominados constituem-se em grupo político. O Estado, então, é essa instituição que t:xercc a dominação no espaço (um território) e no tempo (a história), t:sst: monopólio da violência física legítima.

Uma vez estabelecida essa especificidade do político, e restabelecida a evidência em virtude da qual o Estado exige, obediência, Max Weber dabora uma lipologia da dominação. Ele distingue: . o poder carismático

no qual a legitimidade remete a uma transc\:ndência, a um princípio com o quar o líder mantem uma relação privilegiada. O líder carismático detém sozinho a autoridade; seus fiéis não podem receber senão delegações excepcionais.

. poder tradicional

cuja legitimidade é fundada no peso do passado e em sua aceitação, o qual dita as regras particulares. Os titulares da autoridade devem obediência pessoal a seus superiores. O poder deles é arbitrário.

(Exemplo: as monarquias absolutas.) . o poder racional

A legitimidade é fundada num corpo de regras legais, de regras gerais. Os titulares da autoridade estão limitados a uma esfera definida de competência. O poder deles é estabelecido pelo direito. (Exemplo: os Estados burocráticos.)

Qual é a lição política desse trabalho? Max Weber não formula nenhuma. Ele se atém ao corte de princípio entre a reflexão científica, que anuncia apenas juízos de fato, e a atividade política, que fabrica ou reproduz valores. As conclusões científicas não induzem a nenhum valor e, ao contrário, o estabelecimento das verdades deve reptidiar todo valor. Apesar dessa separação entre o cientista e o político, o acento que o sociólogo alemão coloca na universalidade da burocracia no Estado moderno (e, portanto, implicitamente, no caráter secundário das oposições capitalismo/socialismo ou ditadura/democracia) não podem deixar de ter efeitos políticos. As perspectivas traçadas por suas análises tendem a privilegiar bem mais o melhoramento da sociedade burocrática do que o advento de uma impossível democracia.

Todavia, não é simples resumir as idéias políticas de Max Weber. Ou, melhor: seria simplista utilizar suas formulações sobre o chefe carismático para fazer dele um hitleriano precoce; ou referir- se à Ética protestante para considerá-lo um antimarxista radical. E, de resto, não importa saber se Max Weber era antimarxista ou amarxista, ou se teria ficado fascinado ou horrorizado com Hitler. Mais segura revela-se sua desesperança em face da sociedade burocrática que elimina o indivíduo, o apelo secreto de Weber a reencontrar o sagrado.

Max Weber foi o primeiro a compreender a sociedade pós-industrial e a ver como ela perdeu a dimensão religiosa de suas origens, para não funcionar senão segundo sua própria gravidade. Máquina vazia, que gira em torno de si mesma, ela abandona a cultura e se submete a uma racionalização extremada, que esmaga todos os valores. E Weber não crê que as sociedades humanas possam progredir sem valores, contentando-se com a verdade prática; não crê que elas possam avançar sem um Deus. ~ aqui que sua visão aparece radicalmente oposta ao

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desafio marxista. Ele interpela o Estado-Cientista, excessivamente cientista, para que ele se salve por meio de novos valores e se eleve através de novos heróis.

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

Max WEBER (1869-1924), A ética proleslanle e o espirilo do capitalismo (1904-1905) [ed. brasileira, Pioneira, São Paulo, 1967]; A polilica e a ciência como vocação (1919) [ed. brasileira: i" Ensaios de sociologia, ed. por HansGerth e C. Wright MilIs, Zahar Editores, Rio de Janeiro, s.d., pp. 97-183]; Economia e sociedade (1922) [eu. brasileira parcial: Ensaios de Sociologia, cit.] . Raymond Aron, Les étapes de Ia pensée sociologique, Gal1imard, 1967.

D. Vilfredo Pareto ou a propaganda pelo fato

Como todos os estudiosos do social, Pareto pretende ser científico c acredita obter isso por meio de um ultrapositivismo. A ciência é apenas lógico-experimental; o observador é neutro, somente os fatos é que contam. Constituir um conceito é inútil ou perigoso; pretender estabelecer núcleos de inteligibilidade que só se justificariam pela pura racionalidade corresponde a uma itusão filosófica. A observação científica e as opções políticas, de resto, não teriam nenhuma relação entre si: "Uma mesma doutrina pode ser recusada do ponto de vista experimental e admitida do ponto de vista da utilidade social, ou vice-versa".

Portanto, restam os fatos, que o pesquisador irá agrupar. Conhece-se a célebre imagem do bêbado que perdeu sua chave numa rua e passou a buscá-Ia debaixo do poste sob o pretexto de que aí havia luz.

O empirismo radical de Pareto cede a essa embriaguez: a rua não existe, a sociedade não existe como objeto; há apenas fatos sociais, zonas de luz nas quais o sociólogo pode operar aproximações, fazer triagens, propor classificações.

Nesse jogo de classificação, indispensável para passar à posteridade, Pareto brilha, não sem talento. Tudo parte da distinção entre ações lógicas e ações não lógicas (essas últimas, em princípio, são mais raras, dada a paixão raciocinante do homem; mas uma ação não lógica pode consistir em introduzir uma lógica onde não existe nenhuma, onde meios e fins se contradizem).

Para classificar as ações, convém conhecer os principais instintos do homem, o que Pareto chama de resíduos. Ele distingue dois instintos fundamentais: o instinto de combinação, pelo qual o homem espírito lógico - gosta de calcular; e o instinto de inércia, em virtude do qual o homem - de natureza conservadora - "opõe-se a que as coisas que estão unidas se separem". Acrescentam-se a esses outros quatro instintos: manifestação de seus sentimentos, sociabilidade e conformismo, piedade, individualismo. As sociedades apelam predominantemente para esse ou aquele tipo de instinto. Atenas cultivava o instinto de combinação, próprio às sociedades democráticas; já Esparta cultivava o de conservação, e isso tornava inevitável o conflito entre as duas cidades.

Os efeitos políticos desse edifício (que nós simplificamos ao extremo) são claros. A distinção fundamental entre condutas lógicas e não lógicas permite denunciar as ilusões democráticas ou, a fortiori, socialistas, condenadas à contradição entre os fins (de libertação) e os meios (autoritários), Toda sociedade é dirigida por elites que se apoderaram do poder graças à sua arte combinatória. Mas as elites, que fazem a história, correm ° risco de se perder nela. Desgastam-se, combinam excessivamente, esquecem-se do instinto de inércia, negligenciam a preocupação com a persistência dos agregados, intelectualizam-se, separam-se das massas, "A história é um cemitério de aristocratas". Pareto recomenda aos dirigentes do século XX que se acalmem, organizem a circulação das elites, renovem seus membros para melhor se manterem. E, já que é um fato que as elites fazem as sociedades, já que é um fato a necessidade de uma elite viril para dirigir a massa, Pareto será - de fato - "liberal-fascista", representante do Governo Mussolini na Sociedade das Nações, mas defensor da liberdade de imprensa. Sobretudo, será um dos primeiros doutrinários do antidoutrinatismo, desses fanáticos do fato, para os quais as massas devem inexoravelmente se submeter ao que é.

INDICAÇÕES BIDLJOGRÂFICAS

Vilfredo PARETO (1848-1923), Les ~')'j.temes socia/istes. 1903; Traité de socioiogie généra/e (1916),. Genebra, 1968.

330 - HISTÓRIA DAS IDÉIAS POLÍTICAS E. Eric Weil ou a política da razão

O ponto de partida da concepção política desenvolvida por Eric Weil (1904-1977) é filosófica, no sentido estrito da palavra. Renovando as perspectivas do pensamento especulativo clássico e apoiando-se nos resultados adquiridos por Kant, por Hegel (e pelo que há de hegeliano nas investigações de Marx), a concepção de Weil considera fundamental o fato de que o homem, animal social e histórico, é razoável (nem racional - as provas de suas "loucuras" são demasiadamente freqüentes -, nem irracionat - ele busca constantemente a coerência de seu discurso e de sua conduta -, mas simplesmente: capaz de razão).

Como tal, ele busca a satisfação, a vida plena e transparente; mas, porque é social, porque fala, essa satisfação só vale se for reconhecida por aqueles com quem ele vive, e, no limite, pela humanidade inteira. Assim, o homem visa - ainda que não o saiba - ao universal ("a própria ação egoísta quer a dimensão universal"). Sendo assim, a política é definida como:

"a ciência [...] da ação razoável; ela diz respeito à ação universal. a qual embora seja, por sua origem empírica ação de um indivíduo ou de um grupo não visa ao indivíduo ou ao grupo enquanto tais, mas ao gênero humano".

Nessa ótica, é claro que as ciências sociais, por mais úteis que sejam (na medida em que estudam as condições empíricas da ação), são incapazes de definir a ação razoável. Essa, como ação política, só pode ser compreendida em função de uma dupla referência: ao indivíduo sujeito normal, que busca (quer queira ou não) o acordo consigo mesmo, e o gênero humano histórico, lugar de toda satisfação possível (e duradoura).

O indivíduo quer, ao mesmo tempo, a satisfação e o universal: como ser moral, ele se pretenderia universal. Mas não poderia estar só: por causa disso, não pode deixar de por problemas políticos. Talvez se possa pensar que lhe basta estar de acordo com seu grupo histórico (e, portanto, que não existam problemas políticos, mas somente soluções)! Mas o que acontece quando o grupo contradiz a exigência de universalidade? Quando ele se recusa a colocar a questão de sua inserção no gênero humano, "universal concreto"? A resposta é dada por Sócrates: é preciso, em nome da moral, julgar a política.

Em outras palavras, o direito positivo de uma dada sociedade 'i histórica não pode ser aceito como norma transcendente. Pelo menos,

é o que a história cstabelece; ela está repleta de rebeldcs que, para estarem de acordo consigo mesmos, tomam o partido de julgar sua sociedade e suas regras, precisamente em nome da universalidade que buscam ao buscarem a satisfação. O problema político surge inelutavelmente a partir do momento em que se compreende que o direito positivo tcm de ser referido a esse direito universal quc é subjacente à sua própria essência.

Esse direito universal assume, de acordo com a época, diferentes figuras: está sempre presente como instância e impõe uma tarefa ao sujeito, ou seja, a tarefa de definir, por exemplo, para além das normas em uso, o que seria a justiça. Assim, Eric Weil dá uma represcntação da antiga idéia de "direito natural" que assegura o dinamismo da mesma: as condições da justiça, da liberdade, da dignidade, étc., não são - em cada época - as mesmas; mas essas "reivindicações", em cada época, intervêm como exigência de superação, de recusa do dado, e como fermento. . .

Nesse sentido, o indivíduo moral já é um educador a partir do momento em que aceita o problema político, isto é, o questionamento do direito positivo. E o filósofo (que tampouco pode deixar de se ocupar de política) - que é concebido por Eric Weil, conforme a tradição clássica, como o homem que compreende a si mesmo - é o educador por excelência: se quer ser coerente, deve considerar que é responsável pela liberdade:

"A tarefa de filósofo educador consiste em discernir a razão no mundo, ou seja, em descobrir as estruturas do mundo em vista da realização da liberdade razoável" (Philosophi'e politique, p. 57). Sua atividade pertence ao terreno do conhecimento. Ora, o que ele conhece na época atual é a comunidade humana organizada como comunidade de trabalho: seu "sagrado" é a dominação da natureza, é a razão calculadora, materialista e mecanicista. Essa comunidade, que existe de direito, é, por um lado, dividida em povos e em Estados, é comandada, de diversas maneiras, por mecanismos sociais que subjugam os indivíduos. Para esses últimos, tais mecanismos constituem uma segunda natureza: quer a economia seja "liberal" ou "dirigista", os indivíduos se encontram "diante de uma única necessidade, a de se valorizarem, de se tornarem preciosos uns aos outros" (id., p. 77); eles estão "submetidos à pressão das circunstâncias (...), à ameaça de

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desemprego, de falência [...], [ameaça] de ir para o campo de trabalho forçado, de ser processado por sabotagem" (id., p. 78). Sendo assim, a competição é a regra de conduta deles. . .

A essa situação, acrescenta-se o fato da divisão do gênero humano em nações; cada uma delas vê as outras nações como situadas numa exterioridade "natllral" que deve ser combatida. Lutas de classes, lutas internacionais: o indivíduo, preso pelo racional, é mergulhado na absoluta irracionalidade. Por causa disso, "na sociedade moderna, [o indivíduo] está completamente' insatisfeito" (id., p. 93). Há conflito, no seio da moral viva, entre a determinação racional da eficácia e a vontade de cada um de dar um sentido à sua vida, aqui e agora.

Essa insatisfação leva-o a se comprometer na ação histórica, com o objetivo de realizar o "universal concreto". Nesse empreendimento, choca-se com um Estado cuja fupção histórica é assegurar a sobrevivência da comunidade contra a derrota externa e a dissolução interna.

Para obter isso, o Estado edita 'leis e se apóia numa administração. Segundo Eric Weil, os debates sobre os regimes são abstratos e anedóticos, porque os regimes resultam do próprio dado histórico. Contra esse dado, o filósofo-educador não pode muita coisa: sua missão é lutar contra os dogmatismos (tecnocráticos e políticos) e denunciar os envolvimentos passionais. Trata-se sobretudo, na época atual, de recordar que o cálculo de eficácia, inelutável, não poderia desconhecer o sentimento de justiça, que permanece constantemente presente, a despeito do egoísmo imposto pelas circunstâncias; e que a expressão desse sentimento supõe a possibilidade- de uma discussão livre dos cidadãos e de uma educação que permita a cada um dar sua opinião com conhecimento de causa. O objetivo do filósofo político, portanto, consiste em assegurar uma organização mundial de tal natureza que nela possa existir "a satisfação dos indivíduos razoáveis no interior dos Estados particularmente livres" (id., p. 240). .

Fortemente marcado pelo ensinamento hegeliano, Eric Weil não crê possível escapar de uma visão