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Significação da revolução na América do Norte

CAPÍTULO III O Estado-Nação

A. Significação da revolução na América do Norte

A rebelião dos colonos de origem britânica, que levou à fundação da República dos Estados Unidos, é importante sob múltiplos aspectos:

-. Dirigida contra a coroa inglesa, ela legitima a secessão que realiza remetendo-se a princípios políticos aplicados pelo Reino Unido c sublinhando, em particular, que os colonos não têm nenhuma representação na Assembléia que decide sobre seus problemas.

- Embora liderada por políticos realistas, ela vale-se prazerosamenle, para se justificar, na Declaração de Independência (1776) e na Declaração dos Direitos (1787), das noções assimiladas da doutrina dos direitos naturais de John Locke, em particular a da "insurreição sagrada".

. - Nos momentos de seu desenvolvimento, ela não deixa de insistir sobre o papel motor das instituições na instauração da sociedade nova - como se o Estado fosse o "criador" da Nação -, esforçan-

do-se por manter constantemente o equilíbrio entre a tradição puritana e a novidade republicana, entre os poderes locais e a autoridade federal, entre os costumes da vida rural e os desejos de entrar no concerto do mundo industrial nascente.

- Enquanto tal, ela constitui ao mesmo tempo um modelo e um exemplo na luta contra uma sujeição ilegítima, travada em nome da igualdade natural, da liberdade de empresa e, para cada um, do direito de usufruir sua propriedade e os frutos do seu trabalho, assim como, para a coletividade, de escolher as instituições e os magistrados que lhe convenham. Ela influirá nos atos iniciais da Revolução Francesa; desempenhará um papel capital no desencadeamento das insurreições que levarão as colônias espanholas e portuguesas da América do Sul à independência.

A "boa consciência" dos insurrectos de 1776, seus pontos de vista ao mesmo tempo egoisticamente utilitários e idealistas, a aliança entre as preocupações a curto prazo e o desejo de fundar uma potência de tipo novo, expansionista e segura de si, definem os contornos de uma espécie de nacionalismo institucional, que doravante será característico da República norte-americana, que, no interior, concebe a democracia.

menos como expressão da vontade popular do que como um jogo devidamente controlado de instituições representativas, e, no exterior, apresenta-se como detentora do segredo das liberdades. INDICAÇÕES BIBLIOGRAFICAS

A. de Tocqueville. La démocratie en Amérique (1835-1840), Gallimard, 1951 [ed. brasileira, A democracia na América, Itatiaia. Belo Horizonte, 19631.

H. Arendt, Essai sur Ia Révolution (1963). Gallimard. 1967. B. A revolução na França: a nação contra a tirania

A situação é bem diferente na França. A imagem da Nação está fortemente implantada na representação coletiva; e a ação centralizadora da monarquia contribuiu bastante para reforçar tal imagem. A

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despeito das carências da política monárquica e da pobreza endêmica de uma parte da população, a sociedade francesa é rica e numerosa.

É contra esse pano de fundo que irão se apoiar as forças políticas que, por ocasião da reunião dos Estados Gerais do Reino, em julho de 1789, provocarão os primeiros grandes abalos.

É significativo que, mais ainda que os colonos da América, os promotores do movimento tivessem tido, para além da definição dos programas e do enunciado dos textos legislativos, de legitimar seus atos políticos e de proclamar as razões de seu empenho. Poucos regimes, pelo menos até a queda de Robespierre, tiveram como esse uma tal preocupação de legitimar sua ação e de anunciar a "boa nova". A publicidade das idéias é considerada como uma arma contra o inimigo declarado: a tirania. E, por trás dessa vontade de demonstração, esboça-se o projeto de uma mobilização universal contra os senhores que oprimem injustamente os povos.

Uma primeira tomada de posição significativa é a de Sieyes (1748-1836), membro da Assembléia Constituinte, da Convenção, do Diretório e artesão do golpe de Estado que abriu a Bonaparte o caminho do poder. Sua brochura O que é o Terceiro Estado? (publicada em janeiro de 1789) teve uma influência determinante nos primeiros momentos do pensamento revolucionário; e suas concepções da instituição republicana marcaram profundamente a redação das Constituições e dos códigos da República e do Império. A indubitável realidade na qual Sieyes se baseia é a Nação: ela é um dado anterior a qualquer ato político ou legislativo; é feita de indivíduos, livres, iguais, independentes, diferentes uns dos outros, mas unidos por necessidades comuns à natureza humana e pela vontade. de viverem em conjunto.

Sem essa vontade, sem a representação intelectual dessa entidade que é a Nação, os indivíduos são impotentes e incapazes de resistir às operações de sujeição tentadas por bandidos e charlatães. Todo indivíduo é um cidadão potencial, que só se realiza na medida em que liga sua vontade à dos outros membros do conjunto, com o fim de constituir o poder nacional.

É nesse sentido que a Nação é soberana; que ela é una e indivisível. Sieyès não se embaraça nem com a história nem com a sociologia; sua metafísica é pobre e só intervém na medida em que justifica o ponto de vista político adotado. Trata-se, para ele, com efeito, de designar o ser de razão em torno do qual se organiza o combate pela liberdade e pela igualdade e contra o arbítrio e os privilégios. O ser real da Nação

é o Terceiro Estado, que agrupa a imensa maioria da população que - com exclusão dos privilegiados - é a parte viva do reino. "O Terceiro Estado é tudo": a abolição dos privilégios é um convite aos que, por seu nascimento, não conseguem pertencer ao todo; e também um convite a eliminar a coletividade. os que não querem renunciar a tais privilégios.

Da Nação, do Terceiro Estado, emanam todos os poderes. Mas a Nação não poderia reinar como tal. O exercício da soberania nacional passa pela implantação de uma Constituição que defina os órgãos da legislação e do governo, as autoridades judiciárias que realizarão e garantirão a liberdade e a igualdade dos cidadãos e, mais geralmente, a plenitude dos direitos naturais. Ora, o poder constituinte - se quer ser eficaz - deve obedecer a um princípio: o da representação. Devem ser afastadas todas as tentações da democracia direta, que levam à desordem e à impotência. É mesmo conveniente que se desconfie do mandato particular, que limita o poder do deputado às prescrições dadas pelos mandantes. A boa representação é a que concede um mandato geral ao eleito; é nessa condição que ele pode participar utilmente da elaboração da vontade nacional. .

Em suma, a encarnação do povo no corpo do Rei é substituída pela representação na Nação nos corpos instituídos. Num e noutro caso, trata-se de fazer prevalecer uma vontade. Sieyès é um liberal (mostra-se profundamente apegado à salvaguarda das liberdades individuais em face da autoridade governamental) que desconfia da democracia.

O Estado emana da Nação e a representa; essa é autônoma com relação àquele, a não ser politicamente, caso em que lhe deve obediência.

INDICAÇÕES BIBLIOGRAFICAS

CONDORCET/ Antoine-Nicolas CARITAT. marquês dei (1743-1794)., Esquisse d'un tableau /zistorique des progres de l'Esprit /Zumain (1797), Boivin, 1933.

Emmanuel Joseph SIEYES (1748-1836), Euai sur les privileges (1788), Qu'est-ce que le Tiers Etat? (1789).

F. FureI, Penser la Révolution française, qallimard, 1978. J.Y. Guiomard, L'idéologie nationale, Champ libre, 1974.

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