• Nenhum resultado encontrado

15. PILAR I: O território da docência

15.11 Disciplina ministrada na UdelaR

Desde a primeira década do século XXI, o Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual estabelece estreitos laços com o Instituto Escuela Nacional de Bellas Artes IENBA, da Universidad de la República, UdelaR, em Montevidéu, Uruguai. Nesse sentido, ressaltam-se as interlocuções com os professores Fernando Miranda (atualmente diretor do IENBA), Gonzalo Vicci e, por intermédio de ambos, os trânsitos de tantos outros pesquisadores, docentes e discentes, em ações de mão dupla, sempre muito bem-vindas.

Dentre as quantas atividades desenvolvidas, em 2014, ministrei a disciplina Taller

de didáctica del diseño, no Programa de Especialización y Maestría en Enseñanza

Universitaria, da UdelaR. Sua abordagem teve por eixo orientador o trabalho pedagógico organizado a partir de projetos, no ensino superior. O curso, de Mestrado, que visava à qualificação de professores da universidade, possibilitava a seus estudantes que, caso não chegassem a defender a dissertação, pudessem obter o diploma do curso na categoria de Especialização.

Entreato 7

Devo fazer uma confissão: nunca consegui manter estudantes em fila. Isto sempre me pareceu decorrer de uma falta de habilidade, ou falta de autoridade docente.

Quando professora na Escola Parque, eu devia conduzir a última turma, ao final de cada turno, até o pátio próximo ao portão de saída. Ali, as crianças iam ao encontro de seus responsáveis, que as aguardavam. Todos os demais professores (sempre acreditei que fossem todos) organizavam suas turmas em fila, e caminhavam, disciplinadamente, ao longo de toda a extensão da escola. Iam em fila, e na fila aguardavam a sua vez de ir embora. Eu organizava as turmas, e começávamos a caminhar. Já nos primeiros metros se haviam formados pequenos grupos de conversações e risos, uns se apressavam, outros se atrasavam, outros ainda preferiam caminhar lado a lado. As crianças com 6 ou 7 anos brincavam, às vezes, de caminharem todas abraçadas. Formavam aquele corpo enorme de pequenas gentes, agarradas umas às outras, comigo ao meio. As algumas dezenas de pernas e pés se enroscavam entre si, pelo pátio afora, entre risos e eventuais queixumes desimportantes “Ai, você pisou no meu pé!”.

No ensino superior não tem sido diferente: as e os estudantes, recorrentemente, colocam em desalinho minhas aulas, subvertem planejamentos. Fizeram-me entender, afinal, que talvez essa pudesse funcionar como uma orientação metodológica. E assumo a organização das aulas incluindo suas expectativas, seus repertórios, com vistas a ampliá-los, e aos meus também. Assim, o desenvolvimento de cada disciplina está sempre aberto ao imprevisível, ao não sabido tanto para eles quanto para mim.

O mesmo acontece com as pesquisas que oriento. Em lugar de estabelecer previamente as atividades das e dos orientandos, partimos da pergunta que lhes faço: “o que você quer saber?”, vinculando as suas curiosidades e inquietações ao meu campo de investigação. E vamos aprendendo. No entanto, para aprender, também é necessário desaprender. E desaprendemos, juntos.

Cada um, cada uma, com suas questões, dificuldades, descobertas, sustos, vai construindo seu caminho. Os compartilhamentos coletivos desses processos

também não cabem em filas. Mas encontram abrigo em convescotes no meio da tarde, no gramado à frente da faculdade. Ou em abraços entusiasmados pelos corredores, ou em sessões de cinema no horário do almoço... Ou ainda em conversas online, por pequenas janelas abertas em écrans do computador e dos aparatos móveis...

Cada estudante, cada orientando, orientanda, assume parceria para a construção solidária de aprendizagens significativas, afetivas. Para o compartilhamento dos não saberes, das dúvidas. Sendo professora, aprendo mais do que ensino. Como pesquisadora, desaprendo o que acreditava saber.

Entreato 8

Depoimentos

Caroline Lima

Fundamentos da Arte na Educação. Artes Visuais/Licenciatura, 01/2019 Avaliação da disciplina e autoavaliação

Quando criança, minha professora exercia a infância junto comigo. E a gente bem que se dava. Pra mim, ela era tão menina quanto eu, só que mais sabida das coisas do mundo e eu de mundo estava sempre com fome.

Aprendi associando seus movimentos às suas palavras. Até porque, como eu poderia me esquecer que queijo é feito através da coagulação do leite se seu "i" escrito cabia perfeitamente entre as duas linhas paralelamente azuis do meu caderno? E se quando ela pronunciava "queijo", seu nariz franzia. Não poderia. Criança é mesmo bicho apegado.

Daí quando cresci e minha percepção cresceu junto, vi de perto e na pele, essa relação (aprendente e mediador) ficar um tanto torta, um tanto amarrada, um tanto mecânica e muito distante.

Dentro das minhas limitações, eu entendi um cadinho sobre o sistema e para além, aceitei o sistema. Terminei a escola assim, entrei na faculdade enfim, me enfiei aqui e nessa aula de quinta, surpreendentemente e sem querer, vi em mim aquela criança e, sentada na mesa, a essência daquela professora. Quis chorar e fiz isso. A evolução não é mesmo linear. Hoje, adulta, já não tenho tanta fome de mundo e me peguei nesse período muito arteira. Sabotei alguns textos, nota 5 pra mim... Agora me questiono sobre princípios, metodologias, fundamentos da arte aqui e acolá. De fato, não possuo nenhuma resposta, mas sei bem me questionar. Foi mesmo o que aprendi nesse semestre. Aliás, confesso, busquei mais no meu

passado do que nos livros e revisitei meus professores mais do que me idealizei sendo uma.

Foi a matéria mais difícil pra mim. As outras estavam pré-cozidas, aqui foi tudo muito cru. Nunca provei banquete como esse. Obrigada.

Alessandra Rosa

Estudos dirigidos em arte, cultura e visualidades: a obra de Vilém Flusser PPG Arte e Cultura Visual, 01/2018

Avaliação da disciplina e autoavaliação

12 de julho às 17:38

(Para Alice Coelha, já em saudades e aguardando os futuros encontros na varanda.)

Meu bem, eu não entendi nada. ou Da teoria mal fundamentada de como Alice e o Coelho podem ser os mesmos

E foi assim que, sempre sendo uma menina que sonha como Alice, de vocação às aventuras e curiosidades com as coisas, um dia vi um coelho branco passar olhando as horas. De total caraminholas em circuitos, me veio que poderia ser normal um coelho de casaca e cartola correndo por aí, mas daí a olhar as horas, já é demais! Ele corria e dizia que era tarde. Então não tive outra alternativa a não ser segui-lo. Claro que, como sempre, de entrega aos meus desejos, como vontade de saber, me joguei no buraco atrás do coelho, que continuava a gritar: “É tarde, é tarde, é tarde!” De natural elegância, como bom personagem de contos, dito, de curvas e poderes, me seduziu. Me pegou, atraída por seus encantos alegrias, que se alternavam entre gargalhadas e sinuosos sorrisos que saíam de lado, no canto da boca. Como não poderia ser diferente, caí de cabeça para baixo, depois virei pra cima, depois para baixo de novo. Minha saia se abriu que nem um paraquedas. Me encontrei embriagada, meio que em “bodenlos”. Mas mesmo sem chão, ou direção, fiquei. Então estou, ao mesmo tempo aqui e ali, seguindo, explorando esse país em pontas e cabeças sucessivamente, acreditando na poesia, na arte, como

forma de se construir e reinventar a realidade. Sigo, em total dúvida, sem saber exatamente o que me trouxe a essa aventura ou se vou conseguir traçar esse mapa até o fim. Mas confio na vontade, no desejo de saber mais, e de, ao acaso, encontrar nos meus caminhos, outros coelhos, Alices, gatos, rainhas e chapeleiros malucos que usam dois óculos ao mesmo tempo. Espero que entrem nessa história, e cada um, ao seu modo, se encontre comigo por desvios e descaminhos que se entrelaçam em um país trançado e temperado por mistérios e surpresas. Não sem receio, vou explorando, aos tropeços esse lugar de aventuras, mas não sempre de maravilhas, pois que se faz cheio de becos sem saída, pontes quebradas, cascalhos e desertos.

Há 547 dias aqui, continuo a ouvir o coelho: “É tarde, é tarde…!” Nos últimos dias, vejo que meu flerte com o chapeleiro se transformou em romance. Claro, que, como boa paixão, essa história é cheia de abstrações, dúvidas, paradoxos e confusão. Mas não é justo esse, o tempero do jogo? Como em todo caso bem vivido, mergulhei de cabeça, adquiri brânquias, tentáculos, três corações, dois cérebros e fui até os abismos de um oceano, no qual não só as mãos, mas todo meu corpo tocam as coisas.

Sigo submersa, às vezes subo à superfície, pego ar e volto. Mesmo que às vezes com medo de engolir água, acredito que podemos reinventar a realidade, empreendendo gestos que sejam a expressão de uma liberdade e criar mundos, nos quais unicórnios, deuses, maçãs e polvos, podem ser verdes e usarem dois óculos ao mesmo tempo.

Sendo assim, meu bem, entender ou não entender nada é só um detalhe. Muito agradicida por tudo senhorita!