• Nenhum resultado encontrado

4. ECOPOLÍTICA E ECOGOVERNAMENTALIDADE: fontes para uma releitura

4.4. CONSTITUIÇÃO DE SABERES E DE VERDADES NESSE NOVO PARADIGMA: os instrumentos

4.4.3. O discurso ambiental oficial

Nessa esteira, inserem-se os denominados discursos ambientais oficiais caracterizados como aqueles que, em cada época, tiveram a atenção de órgãos oficiais no sentido de buscar instituí-los e consolidá-los como verdade em nível mundial. O discurso ambiental oficial é compreendido como àquele que é produzido pelos organismos governamentais locais ou globais que institucionalizam uma fala sobre o meio ambiente, apresentando-a como consenso sobre o assunto (CARVALHO, 1989). Esse discurso, por certo, estabelece efeito de verdade. Marca seu ponto de vista sobre as questões ambientais na medida em que fixa objetivos, estabelece princípios, cria normas e estratégias de ação (MOREIRA, 2004).

Rutherford (1999a, 1999b, 2000), Malette (2011), Veiga-Neto (2014), entre outros autores citados não usam em suas obras (pelo menos não nas utilizadas como base para esse trabalho) a expressão discurso oficial, todavia, em seus textos demonstram claramente que reconhecem a sua existência.

Falar em discurso ambiental oficial só tem sentido a partir da década de setenta. A publicação do estudo The Limits to Growth e a Conferência de Estocolmo que ocorre neste mesmo ano de 1972, podem ser considerados como marco na emergência de um discurso oficial sobre o meio ambiente. A Conferência de Estocolmo apresentou planos de ação eco-mundiais. Observa-se que a primeira diretriz de um plano de 109 diretrizes é a implantação de um programa de vigilância mundial, destinado à avaliação de problemas ambientais internacionais. (CARVALHO, 1989).

Pode-se extrair desses documentos, segundo Rutherford (2000), a semente para um discurso intervencionista, dado que é necessário conhecer para governar.

O discurso extraído de ambos os documentos parecia ter a pobreza e o crescimento populacional como os maiores vilões e tratavam da manutenção do desenvolvimento econômico sob a crença de que os avanços tecnológicos poderiam ser usados como aliados do meio ambiente. Está-se, ainda, preso ao paradigma iluminista de ciência em que a vocação tecnológica do homem o levaria à solução de quaisquer problemas, incluindo os problemas ambientais (discurso da resolução de problemas). A proposta desse discurso era corrigir e recuperar o meio ambiente, do impacto causado pela pressão populacional e pela pobreza, além da degradação causada pela própria tecnologia, através do desenvolvimento de novas tecnologias como aparelhos antipoluentes, substâncias químicas descontaminantes, uso de produtos biodegradáveis, entre outros. (SCARLET e FENSTERSEIFER, 2014).

Dentro dessa proposta, percebe-se, estão inseridos o clamor pela preservação do meio ambiente, todavia, ainda muito comprometido pela visão capitalista tradicional de desenvolvimento que se encaixa perfeitamente ao paradigma da ciência concebido pelos renascentistas. Logo, procurava-se novas soluções dentro do mesmo paradigma.

O discurso ecológico oficial como qualquer discurso trás consigo a ideia de que uma certa forma de agir e pensar é a forma correta. Assim, esse discurso nomeia como bom um certo tipo de atitude e afirma que é ela a medida para a solução dos problemas ambientais (CARVALHO, 1989). Há uma racionalidade baseada num suposto consenso que impõe à obediência a esses preceitos por causa de seu manto de verdade (FOUCAULT, 2008a).

O que de novo surge dessa profusão são os órgãos de controle e intervenção ambientais. Assim, dentro dessa perspectiva, se multiplicaram os órgãos ambientais especializados, departamentos, secretarias, comitês do meio ambiente. Segundo dados da própria ONU no início do ano de 1970 havia 60 desses órgãos, enquanto, em 1979, já contavam com cerca de 100 (CARVALHO, 2006). Mais impressionante foi a proliferação global de legislações restritivas do acesso aos recursos naturais, limitativas da propriedade privada.

A degradação ambiental, entretanto, apertou sua marcha, o aparato desenvolvido para contê-la não surtiu o efeito esperado. Percebeu-se, assim, que o discurso de resolução de problemas baseado na inovação tecnológica não era capaz de frear a degradação ambiental e nem acalmar o clamor da sociedade civil.

Muitos foram os instrumentos de controle e intervenção criados através desse discurso e legitimados por ele, entretanto, como se percebeu não estancaram o problema do meio ambiente.

Percebeu-se que se teria que lançar mão de outras teorias, técnicas e práticas para conter a degradação ambiental. Assim, em 1987 foi publicado o relatório Nosso Futuro Comum, cuja proposta foi calcada na união entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental criando assim o denominado desenvolvimento sustentável (BRUNDTLAND COMMISSION, 1987).

Então o discurso oficial sobre o meio ambiente da década de setenta e oitenta foi abandonado e um outro foi erigido, em seu, lugar como discurso oficial o do desenvolvimento sustentável (CARVALHO, 1989). Esse novo discurso propõe como opção política um crescimento econômico controlado que se estabeleça em formas produtivas que minimizem a destruição ambiental e concorram para promover a igualdade social, a preservação da natureza e a qualidade de vida (BRUNDTLAND COMMISSION, 1987).

O desenvolvimento sustentável, segundo conceitua o Relatório Brundtland é “Development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs” (BRUNDTLAND COMMISSION, 1987). Milaré apresenta uma tradução já consagrada desse conceito, qual seja, “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (MILARÉ, 2011, p.77).

Dentro dessa definição, que é bastante aberta, está contido um discurso de desenvolvimento do qual podem ser percebidos dois ângulos: (i) um ângulo que coloca o bem estar da população e do meio ambiente sobre a responsabilidade do desenvolvimento de tecnologias que produzam com um mínimo de poluição possível e que pressionem menos os recursos naturais e (ii) um outro ângulo que propõe a adequação do desenvolvimento econômico à um desenvolvimento social e ambiental (CARVALHO, 2006).

A primeira parte desse discurso está associada à mesma racionalidade que impera desde o iluminismo, qual seja a crença na tecnologia como fonte de solução de todos os problemas. A segunda, todavia, trás uma significativa evolução em relação ao discurso oficial anterior, dado que amplia a visão do desenvolvimento

associado estritamente ao crescimento econômico (primeiro discurso oficial) para um crescimento econômico adaptado, conformado, a ganhos para as dimensões sociais e ambientais. Desloca-se o eixo quantitativo do crescimento econômico, crescer por crescer, situando-o em um eixo qualitativo, como crescer.

Um dos efeitos dessa nova perspectiva é o fortalecimento da utilização de atores econômicos nacionais e internacionais para pressionar um desenvolvimento sustentável. O que se pode perceber ao analisar a proposta feita pelo Relatório Brundtland (1987) para uma reorientação das instituições financeiras como o Banco Mundial, o FMI e os bancos de desenvolvimento locais, no sentido de garantir que os projetos a serem financiados por essas entidades sejam precedidos de Avaliação de Impacto Ambiental (CARVALHO, 2006).

O Impacto Ambiental pode ser definido como a mudança em um parâmetro ambiental dentro de um determinado período e numa determinada área, que resulta de uma dada atividade, comparada à situação futura desse mesmo local na ausência dessa atividade (SÁNCHEZ, 2008). Esse conceito remete a uma análise que é tanto ambiental como social, dado que as mudanças ambientais afetam os indicadores sociais das comunidades em seu entorno. Como ambas as dimensões social e ambiental são consideradas dentro dessa análise de Impacto Ambiental, essa medida de necessária Avaliação de Impacto Ambiental para o financiamento de empreendimentos pelo mundo não deixa de refletir a mudança imposta pelo paradigma do desenvolvimento sustentável. A Avaliação de Impacto Ambiental tem suas origens no ano de 1970 nos Estados Unidos, todavia, a sua difusão global se dá principalmente após à assunção do discurso do desenvolvimento sustentável.

Carvalho (1989) apresenta diversas questões que desabonam de certa forma a escolha de utilizar atores econômicos internacionais como forma de pressão para a necessária realização de Estudos de Impacto Ambiental. Todavia, essa discordância se concentra basicamente na forma escolhida para conseguir esses resultados (Avaliação de Impacto Ambiental) do que neles mesmos. A sua preocupação se concentra principalmente na submissão de países pouco desenvolvidos aos parâmetros ambientais de organizações financeiras globais.

O discurso oficial do desenvolvimento sustentável, assim como o anterior da resolução de problemas, impulsiona a criação e consolidação de órgãos

ambientais nacionais e internacionais. Além de multiplicar as normas, (leis, portarias, decretos, medidas provisórias, entre outras formas normativas) com conteúdo ambiental (CARVALHO, 1989). A associação de todas as normas nacionais e internacionais limitativas do uso dos recursos ambientais, de todos os órgãos de controle e fiscalização ambiental, além das estratégias de controle através da pressão econômica demonstra que se está diante de uma clara ecopolítica de controle. Um controle que vai para além dos Estados, um controle mundial, como preleciona Rutherford (2000) e Malette (2011) e Passetti (2013).

Assim, quando o discurso oficial faz a defesa da vida não se pode tomá-lo por um discurso ingênuo e gratuito, tem-se que considerar todas as bases fáticas, históricas e inclusive as conceitológicas, em que esse discurso foi produzido. Quais os efeitos em curto e em longo prazo daquilo que apregoa como sendo o melhor caminho para a segurança e a vida da sociedade.

4.5. O MEIO AMBIENTE COMO OBJETO DE CIÊNCIAS E CÁLCULOS