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Dispositivos de governamentalidade: a tecnologia de intervenção calculada na

3. BIOPOLÍTICA E GOVERNAMENTALIDADE EM MICHEL FOUCAULT: a

3.3. GOVERNAMENTALIDADE, LIBERALISMO E NEOLIBERALISMO: a relação racionalização de

3.3.1. Dispositivos de governamentalidade: a tecnologia de intervenção calculada na

na população e no mercado

Os dispositivos de governamentalidade são parte integrante do conceito de governamentalidade que aqui se constrói. Assim pode-se dizer que esses dispositivos seriam o conjunto de instituições, de procedimentos, de análises e reflexões, os cálculos e as estratégias que permitem o exercício do poder de governo que tem como alvo principal a população.

Os dispositivos de governamentalidade são, sinteticamente, todos os instrumentos que possibilitam governar a população. “Os dispositivos de segurança agem sobre uma realidade de maneira a anular, frear e regular, ou seja, identificar o que é perigoso, calcular os riscos e intervir sobre as crises” (TÓTORA, 2011, p.86). Com o objetivo de permitir o desenvolvimento do poder e da tecnologia política de intervenção sobre a vida, deve existir um elemento que vai disciplinar e organizar, que vai se aplicar da mesma forma ao indivíduo e à população. Tal dispositivo de governabilidade é a norma.

Uma das consequências práticas dessa governamentalidade que se encarrega de promover a vida e que está inserida no liberalismo é a instauração de norma, uma vez que, um governo que tem como escopo garantir a vida terá sempre à necessidade de mecanismos reguladores e corretivos. E esse mecanismo por excelência é a norma. (DANNER, 2010).

A norma consegue estabelecer um elo com o elemento disciplinar do corpo individual, ou seja, ela permite a disciplina do indivíduo particular, para que ele haja de acordo com o que é desejado socialmente, e ao mesmo tempo do elemento regulamentador de uma multiplicidade de indivíduos tomados em conjunto. Assim, a norma é tanto àquilo que se pode aplicar a um corpo que se deseja disciplinar como à população, estatisticamente considerada, que se deseja regulamentar. (FOUCAULT, 2005).

Segundo Maia (2011), a norma só pôde ser estabelecida através da utilização de elementos estatísticos, de definição de regularidades observadas no corpo social, tais como casamentos, suicídios, crimes e acidentes. Há a necessidade de uma gama de saberes e de especialistas que agem de forma a colaborar com os gestores da burocracia estatal para a criação e publicação de normas. Há aqui, segundo Foucault (2002), a junção de poderes e saberes gerando várias ciências, tais como as ciências criminais, a sociologia e a psicologia. A noção de norma como um padrão de média marca um estilo de racionalidade posto agora em funcionamento.

Assim, pode-se concluir que o liberalismo e a força normativa andam de mãos dadas. Ainda que o lema liberal seja intervir o menos possível na economia, essa não intervenção é mais uma intervenção calculada na população, uma vez que a razão governamental, que quer garantir a liberdade do sujeito e do mercado, age sobre a população através dos dispositivos de segurança. Pela norma, principalmente, que ao final se limita e controla o comportamento, a saúde, as escolhas, os interesses, a mobilidade, dos indivíduos em prol de sua liberdade (MAIA, 2011).

A intervenção do Estado na população já era forte dentro do liberalismo, mas a intervenção no mercado era fraca, com a comprovação histórica de que a ação descontrolada das atividades econômicas individuais não levaram a um conjunto harmônico da sociedade civil, têm-se como exemplo a primeira guerra

mundial e a queda das bolsas em 1929, quanto se percebeu a necessidade de intervir cada vez mais (FOUCAULT, 2008a). Essa intervenção foi só se intensificando para garantir mais liberdade com mais segurança e o Estado foi se fortalecendo. Eis que surgem os Estados totalitários, a segunda guerra mundial e assim, há uma crise do liberalismo. O capitalismo foi tomado como causador dessas deformidades (FOUCAULT, 2008a). “As reavaliações das intervenções econômicas, inspiradas na teoria de Keynes [...], provocaram, segundo Foucault, um debate sobre a crise do liberalismo e a apresentação de novos projetos na arte de governar [...]” (TÓTORA, 2011, p.91).

Para justificar a manutenção do capitalismo os teóricos do neoliberalismo surgem com novas propostas que não excluía a intervenção, mas, a intensificava (FOUCAULT, 2008a). A ideia agora é sustentar um Estado de Direito, ou seja, fortalecer a sociedade civil e o poder judiciário para que eles evitem o descontrole do Estado. “Essa idéia de fazer valer os princípios gerais do Estado de Direito na economia, era claro, uma maneira concreta de rejeitar o estado hitlerista [...]” (FOUCAULT, 2008a, p.235). Essa intervenção não é diretamente no mercado, mas em todos os componentes que podem alterá-lo. As normas serão grandes aliadas do capitalismo, elas garantirão, não sozinhas, mas acompanhadas de todos os outros mecanismos e dispositivos de governamentalidade, o bom funcionamento do mercado.

Para Foucault (2008a), no neoliberalismo não se acredita mais que o mercado deixado livre cria o preço justo, mas que ele só pode funcionar bem e criar o preço justo nas condições certas. Condições essas que tem que ser criadas através da intervenção do Estado na população e em todo o meio que possa desorganizar o mercado. “O mercado econômico não é por si só auto-regulável pelo princípio do laissez faire, mas necessita de uma política ativa e vigilante, embora sem dirigismo” (TÓTORA, 2011, p.91).

Essa nova política aponta, assim, para a atuação nas condicionantes do mercado, na população, na tecnologia de produção inclusive nas condições meteorológicas. Essa intervenção agora se dá em um nível mais profundo, mais intenso, mais voltado à construção de saberes para a criação de verdades. Intervém-se fortemente nas crenças da população e principalmente em seus interesses (FOUCAULT, 2008a). Com efeito, para os neoliberais tem que ocorrer

uma intervenção maciça do Estado sobre a sociedade civil para garantir a moldura do mercado; para garantir que o mercado haja como regulador da sociedade. “O mercado deve dizer a verdade, deve dizer a verdade em relação a pratica governamental” (FOUCAULT, 2008a, p.45). É preciso, diz Foucault (2008a, p.143- 157), “[...] governar para o mercado, em vez de governar por causa do mercado”. O mercado, a partir desse momento, é quem dita como se deve viver.

Somente entendendo a história e o surgimento, segundo o apresentado por Foucault (2008a), da população e da razão de Estado tal qual posta anteriormente, que se pode compreender que são eles conceitos necessários para a compreensão do termo biopolítica. A biopolítica é uma prática de governo que tem como alvo principal o governo da população que se efetiva através de dispositivos de governamentalidade, os quais são um conjunto de mecanismos que o poder dispõe para se exercer.

Esses mecanismos ou dispositivos de governamentalidade podem ser descritos como técnicas de vigilância, escolhas estratégicas, normas e a criação, o desenvolvimento e a utilização de saberes que visam o diagnóstico, a classificação, enfim o conhecimento o mais preciso de seu objeto, qual seja a população e as variáveis que nela intervém. A ação desses dispositivos pode ser observada através dos saberes veiculados pelas ciências e principalmente através das decisões políticas. Todos esses dispositivos ou mecanismos tem como foco a população e tem como escopo alcançar os fins desejados pela prática governamental que tem como foco principal o mercado.