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4. ECOPOLÍTICA E ECOGOVERNAMENTALIDADE: fontes para uma releitura

4.2. A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE ECOPOLÍTICA E DE ECOGOVERNAMENTALIDADE

4.2.2. O meio ambiente como objeto da biopolítica

O Estado, dentro da biopolítica, tende permanentemente a um processo de governamentalização, ou seja, de incorporação permanente das formas de gerir as condutas humanas, segundo uma relação de poder. Esse conceito (biopolítica),

proposto por Foucault (2008a, 2008b), é fundamental para a interpretação da emergência do meio ambiente como um novo alvo ou objeto para as práticas governamentais.

Como já demonstrado, anteriormente, ocorreu em certo momento da história uma entrada da vida como elemento central de governo, tornando-se objeto central de conhecimento científico e foco de criação de práticas, normas e estratégias de governo. Para Foucault (2008a, 2008b) essa apropriação do elemento vida ocorreu quando as condições biológicas da vida e a relação dessas condições com a saúde e, posteriormente, com o bem estar da população tornaram-se objeto de conhecimentos especializados e cálculos políticos. A preocupação em intervir sobre a realidade social empreendida entre os séculos XVII e XIX, cujo centro se desenvolveu sobre a produção de um corpo são para o Estado, buscava uma população sadia e produtiva e seu adequado balanço em relação à possibilidade de essa população extrair da natureza e produzir industrialmente recursos para manter a si e, ao mesmo tempo, o capitalismo (Foucault, 2008b).

Esse mesmo ímpeto de controle da vida é que deu origem à problematização do meio ambiente o que o tornou objeto de estudos científicos, e com o tempo, foco de gestão da vida. Uma vez que se percebeu que tanto a vida da população quanto a oferta de recursos estavam intimamente ligadas à qualidade do meio ambiente.

Autores como Rutherford (2000, 1999a) e Darier (1999) nomearam de ecopolítica essa transformação do meio ambiente em foco das estratégias de gestão da vida. Propuseram, ainda, compreender a atenção dada pelo Estado e pela sociedade civil ao meio ambiente como uma ecogovernamentalidade. Dado que o meio ambiente tornou-se objeto de uma racionalidade fundamentada no conhecimento científico. Racionalidade essa que tem como fim o desenvolvimento de mecanismos e dispositivos para o governo da vida.

Foucault (2008a, 2008b) já havia salientado, dentro do seu estudo de biopolítica e governamentalidade, que a intervenção na realidade social de forma adequada, ou seja, buscando o governo da vida estava ancorada na produção saberes e verdades. Essa produção de saberes, por sua vez, era gerada por estudos científicos. Essa dinâmica que é cíclica (estudos científicos criam saberes e verdades que definem a forma de intervenção, essa intervenção é legitimada por

saberes e verdades ancoradas em estudos científicos) se mantem intacta dentro da ecopolítica e ecogovernamentalidade. As mudanças se devem ao objeto de estudos que se estendeu da população para todo o meio ambiente.

Veiga-Neto (2014) e Passetti (2013) acrescentam que a ecopolítica amplia do humano para o planetário, o papel conferido à vida. “Assim, nossos interesses e preocupações com a manutenção da vida vão para além da população humana (como corpo-espécie) e se instalam no todo do planeta” (VEIGA-NETO, 2014, p.41). Nessa mesma linha, Darier (1999) afirma que em uma perspectiva histórica a ecopolítica constitui o mais recente intento de estender os mecanismos de controle a todo o planeta.

Como essa mudança ocorre? É a questão que se impõe!

Foucault (2008a, 2008b) alertou para o fato de que na contemporaneidade o saber, ou o conhecimento foi tomado pelo conhecimento experto, ou seja, um conhecimento científico. A alegação de cientificidade passou a ser o suficiente para que um tipo de saber seja considerado verdadeiro. Alertou, ainda, para o fato de que o conhecimento, denominado de científico, tem estreitas relações com o poder e que em relação às práticas governamentais, esse tipo de conhecimento, torna-se o protagonista na definição de objetos de governo e na definição das formas de intervenção social. Pode-se inferir, dessas palavras que o saber ou conhecimento científico deve ser um dos responsáveis por erigir o meio ambiente como alvo de práticas governamentais.

Segundo Rutherford (1999a, 2000), o desenvolvimento da biologia e o surgimento da ciência da ecologia e as modificações no conceito de meio ambiente que dela se pode extrair são os principais fomentadores dessa apropriação do meio ambiente pela biopolítica, logo da gestão de toda a vida no planeta.

A palavra ecologia deriva do grego oikos que significa casa e logos que significa estudo, constitui assim o estudo da casa (planeta terra) e de todos os organismos e processos funcionais que o tornam habitável (ODUM, 2004). A percepção dos processos funcionais, ou seja, dos fluxos entre os organismos vivos, dentro da visão apresentada pela ecologia, faz com que a população e a natureza estejam ligados de forma irremediável. Essa inter-relação criou quase que uma fusão entre todos os organismos na terra vivos ou não, na qual a relação entre população e recursos passou a ser vista como uma forma de fluxos dentro de um

ecossistema global.

Através da percepção de interdependência entre a população e natureza possibilitada pelas ciências naturais, como a biologia e a ecologia, o meio ambiente foi trazido cada vez mais para o domínio do cálculo político consciente. Percebeu-se que a produção e extração de recursos naturais e a própria sobrevivência do homem estava ligada a um equilíbrio natural, ou seja, a manutenção de forma equilibrada dos fluxos entre todos os organismos do planeta.

Associada a essa percepção, havia ainda a ampliação da ocorrência de devastações naturais e posterior surgimento dos movimentos ambientais internacionais e com eles a criação de discursos e verdades o que fez com as atenções se voltassem para o meio ambiente. Houve, assim, uma mudança do foco da população – sua saúde, natalidade, mortalidade e produtividade – para o meio ambiente, ou seja, para a população e a natureza – seus fluxos, pontos de equilíbrio, resiliência, poder de restauração, entre outros.

Surge, assim, a problemática do meio ambiente como foco dos governos e da sociedade civil e, por conseguinte, a sua absorção pelos cálculos matemáticos, estatísticas, experiências laboratoriais e todas as formas de conhecer e dominar um objeto. Nasce a busca pela intervenção no meio ambiente focada na gestão da vida de todo planeta.

Desse contexto, percebe-se que a ciência da ecologia é uma das responsáveis por erigir o meio ambiente como foco de biopolíticas. Todavia, não é essa a única causa, dado que também influíram o aumento da percepção da devastação da natureza e o surgimento de movimentos ambientais internacionais e, por decorrência deles e da ciência da ecologia, a constituição de conhecimentos, a criação de discursos e verdades sobre o meio ambiente.

Assim, depois de desenvolver a correlação entre o desenvolvimento sustentável e o capitalismo, tratar-se-á a seguir desses outros elementos históricos com escopo de ao final deixar mais claro toda a motivação determinante da eleição do meio ambiente como foco de biopolíticas e, por conseguinte, esclarecer o conceito de ecogovernamentalidade.