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Na avaliação multidisciplinar das crianças, as expectativas da família e

dos profissionais têm um papel importante e recíproco. Enquanto a natureza e a forma da avaliação multidisciplinar têm sido detalhadas e a composição e os papéis da equipa especificados, pouca atenção tem sido dada às expectativas recíprocas da família e dos profissionais. Tradicionalmente, na avaliação, eram feitas aos pais perguntas para se obterem informações demográficas e dados acerca da história clínica e desenvolvimental da criança. Pouca ou nenhuma exploração era feita em relação às preocupações e sentimentos que as famílias levavam para a avaliação das suas crianças.

Haverá também de se considerar que, paralelamente, a implicação das famílias no processo de intervenção precoce tem sido amplamente fomentada. Contudo, os meios para a concretização desse envolvimento não têm merecido a mesma atenção.

Com este estudo pretende-se dar um pequeno contributo para a exploração de um dos aspectos da implicação das famílias - a avaliação multidisciplinar da criança com alterações do desenvolvimento. Assim, tentamos perceber um pouco melhor as expectativas que ambos os parceiros - pais e profissionais - trazem para a avaliação multidisciplinar da criança e em que medida essas expectativas são satisfeitas.

Tratando-se de um estudo de natureza exploratória, tem algumas limitações. A primeira dessas limitações relaciona-se com o modo como a amostra foi obtida. Relativamente aos profissionais das equipas multidisciplinares, podemos considerar que a amostra é representativa, uma vez que responderam 100% dos profissionais das equipas de intervenção precoce dos Centros "A","C","D" e "E" e 86.5% dos profissionais do Centro "B"; no que respeita aos pais, já não podemos considerar a amostra totalmente representativa, pois, além de se desconhecer o total dos pais que nesses

Centros participavam em programas de intervenção precoce, a sua selecção foi acidental.

Ainda que em cada Centro se tivesse obtido respostas de profissionais e de familiares, essas respostas não foram especificamente emparelhadas para

cada criança. Acresce ainda que os profissionais respondem em relação a uma

experiência profissional em geral enquanto os familiares se reportam à experiência da avaliação da sua criança.

Embora não se possam fazer comparações directas entre as respostas dos pais e dos profissionais, visto que todas as crianças foram avaliadas por equipas multidisciplinares dos centros onde os profissionais trabalham, parece razoável retirar impressões gerais comparando os pontos de vista dos pais acerca do processo de avaliação das suas crianças e as atitudes e percepções dos profissionais relativas aos serviços prestados e às expectativas dos pais.

A maior parte dos questionários foram respondidos por mães à semelhança do que aconteceu com um estudo acerca das dificuldades, necessidades e expectativas da família já realizado no nosso país (Coutinho, 1993).

Acima de tudo, o que os pais pretendiam da avaliação dos seus filhos era a ajuda para eles próprios lidarem com a sua criança (52%), enquanto os profissionais pensavam que o que eles mais desejavam era informações (87.6%) e o apoio directo à criança. Quase 90% dos pais estavam

convencidos de que tinham aprendido a lidar melhor com os filhos, mas apenas dois terços dos profissionais consideravam tê-lo ensinado.

Em relação ao conteúdo do processo de avaliação, 31.7% dos profissionais consideravam que os pais recebiam sempre respostas às suas questões e 51.2% dos pais sentiam que isso era verdade na avaliação da sua criança. Aproximadamente dois terços dos pais consideravam que tinham obtido um diagnóstico seguro na avaliação e apenas 12% dos profissionais pensavam tê-lo fornecido. Curiosamente, 11.8% dos pais acreditavam ter

obtido a cura para a deficiência dos seus filhos e 3.6% do profissionais pensavam tê-la oferecido.

Verificámos que mais de 80% dos pais acreditavam ter sido

identificadas as áreas fortes e fracas do desenvolvimento da criança, mas apenas 58% dos profissionais consideraram tê-lo realizado. É ainda de

salientar que apenas cerca de 17% dos profissionais sentiram ter

transmitido aos pais um retrato "real" das crianças, mas uma percentagem

elevada dos pais (79.5%) considerou que esse retrato lhes tinha sido

fornecido.

Como se pode ver nos quadros 12 e 17 há uma considerável diferença

entre os sentimentos experimentados pelos pais durante a avaliação dos seus filhos e a percepção dos profissionais acerca de tais sentimentos. Cerca de metade dos pais expressam preocupação, nervosismo e cerca de um terço ansiedade. Estes sentimentos poderão reflectir o confronto com uma situação nova muito importante na vida da família, concretizada pela "perda da criança ideal" que os pais esperavam (Worthington, 1992,

cit. in Simeonsson, 1996), pelo receio de não serem ouvidos e das necessidades da família não serem tidas em conta (Dunst et ai. 1988). Muitos

pais experimentaram também sentimentos como esperança (48.8%), confiança (26%), satisfação (11.8%) e optimismo (12.6%), que poderemos considerar sentimentos positivos.

Por parte dos profissionais, parece haver uma tendência para

sobrestimarem a dimensão dos sentimentos negativos que atribuem aos pais (ansiedade, medo, tristeza, confusão), ficando-nos a dúvida se se trata de uma não adequada percepção dos sentimentos dos pais ou se serão os profissionais que sentem ansiedade e frustração e atribuem estes sentimentos aos pais (Simeonsson et a/1995).

É interessante notar que, de uma maneira geral, os profissionais

consideravam oferecer mais do que os pais esperavam da avaliação

multidisciplinar dos seus filhos, excepto no que diz respeito ao dar respostas às questões dos pais, ao fornecer um diagnóstico seguro e informações detalhadas acerca da criança e a "cura" para a deficiência. Os pais manifestavam tendência para considerar que obtiveram mais do processo de

avaliação do que aquilo que os profissionais consideravam ter oferecido nesse mesmo processo. Parece ser manifesta uma apreciação mais positiva dos pais relativamente aos resultados da avaliação, do que a encontrada nas respostas dos profissionais.

Em termos gerais, é clara uma variabilidade de percepção entre os pais e os profissionais acerca do conteúdo e da forma do processo de avaliação das crianças e dos seus papéis nesse mesmo processo. Mesmo dentro de cada um dos grupos há diferenças individuais que revelam percepções e experiências diferentes.

Estes dados reforçam a importância da avaliação sistemática das expectativas e percepções das famílias no sentido de diminuir a probabilidade de crenças estereotipadas entre os profissionais. Para além disso, os dados realçam o facto das expectativas das famílias para a implicação da avaliação serem muito diversas, o que é reflectido nas respostas acerca dos papéis que pediram para assumir no processo de avaliação da sua criança. Enquanto

algumas famílias pretendem um papel mais activo, outras preferem um papel mais passivo como por exemplo a simples presença na sala da avaliação para acalmar a criança ou para aprender observando as actividades dos profissionais. Esta variabilidade no desejo de envolvimento

pode reflectir experiências anteriores, estilos pessoais, diferenças culturais assim como outros factores (Simeonsson & Bailey, 1990).

As atitudes dos profissionais e os papéis que atribuem aos pais são muito variáveis. Podemos afirmar que vão de uma perspectiva centrada na criança em que cabe ao profissional o papel do especialista e os pais apenas prestam informações ou a ajuda solicitada pelo profissional, até uma perspectiva centrada na família em que a família é incluída na equipa de avaliação, dá o feed-back sobre os resultados da avaliação e ensina mesmo os profissionais a interagir e comunicar com a criança. Possivelmente estas diferenças de pontos de vista estão relacionadas com a situação de mudança que a intervenção precoce atravessa em Portugal e também uma falta de apoio

legislativo e de coordenação das práticas de intervenção precoce no nosso país.

Os dados que obtivemos indicam que a congruência entre as expectativas e a experiência de avaliação é variável. Enquanto para a maior parte das famílias a experiência de avaliação foi útil, para algumas foi uma experiência negativa porque sentiram que a esperança lhe foi imediatamente retirada. Podemos afirmar, usando a metáfora do "encontro" (Kempler, 1981, cit in Simeonsson, 1996) que para muitas famílias a avaliação correspondeu a um encontro completo congruente com as expectativas, enquanto para outras famílias não o foi completamente, quer porque as suas questões não obtiveram resposta adequada ou porque as suas preocupações não foram tidas em conta.

Relativamente aos profissionais, também alguns encontros não foram completos, o que transparece da análise das ideias dos profissionais acerca daquilo que é necessário mudar na avaliação multidisciplinar das crianças. A

maior parte dos profissionais aponta para a necessidade de um maior envolvimento das famílias no processo de avaliação das suas crianças, dando um papel mais activo aos pais (36%) ou valorizando as suas competências (18.7%), apenas 4% dos profissionais não vê qualquer necessidade de mudança. Pelo contrário, a maior parte das famílias não considera haver necessidade de mudança, o que provavelmente reflecte a necessidade de uma maior formação e informação das famílias (Bailey et ai. 1994) e também o facto de, para muitas famílias, se tratar do primeiro contacto com os serviços de intervenção precoce.

A documentação das expectativas, percepções e preocupações dos pais pode constituir forma efectiva de operacionalizar a implicação da família. Particularmente a avaliação das expectativas da família antes do processo de avaliação pode permitir uma orientação preciosa para uma abordagem individualizada.

Por seu lado, a percepção dos pais acerca da avaliação pode constituir uma base para determinar se a experiência de avaliação actual foi um encontro

completo para a família (Simeonsson, 1996), que possa constituir uma plataforma para subsequente interacções pais/profissionais.

No contexto da avaliação transdisciplinar, a congruência de expectativas é um factor importante que vai influenciar o sentido da relação de colaboração pais/profissionais (Al-Darmaki & Kivhingan, 1993).

As estratégias para facilitar a implicação das famílias são imprescindíveis para que os serviços sejam individualizados. Dar à família a oportunidade de participar formalmente na descrição das suas expectativas e das suas experiências poderá ser um primeiro e importante passo, que certamente contribuirá para a implicação continuada e complementar da família, com as suas competências e saberes únicos, na equipa de intervenção.

Se, como foi discutido ao longo deste estudo, as expectativas e percepções dos pais e dos profissionais acerca do processo de avaliação, são diferentes, deve-se ter a preocupação de converter o momento da avaliação num encontro positivo para pais e profissionais, que facilite a construção de uma relação de complementaridade. Para tal é importante conhecer as expectativas das famílias antes do processo de avaliação. Os serviços necessitam de se munir de instrumentos para determinar essas expectativas, que podem ser semelhantes aos que utilizamos neste estudo.

Não deveremos contudo perder de vista que cada família é única e as suas expectativas e necessidades também o são e portanto a oportunidade da utilização do questionário deve ser ponderada e decidida com cada família.