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1 ESCÂNDALOS POLÍTICOS, DO GERAL AO ESPECÍFICO: O PROCESSO DE

2.2 COMPREENDENDO OS ESCÂNDALOS A PARTIR DAS POLARIZAÇÕES

2.2.1 Sobre a evidência da polarização no contexto brasileiro

2.2.1.2 Discutindo a polarização como recurso “político-narrativo”

compreendemos que a polarização que nos interessa, nas narrativas, é anterior às notícias de nicho e, em certo grau, propicia a radicalização.

Partindo de Teixeira (2016, p.13), lembramos que o sentido das narrativas jornalísticas opera tanto no nível substantivo, quanto no nível formal, que diz respeito à “repetição padronizada de moldes dentro dos quais histórias podem ser compreendidas, conformando convenções cognitivas socialmente partilhadas”. E é sobre esses moldes que tratamos; esses modelos de apreensão – e apresentação – dos debates políticos no jornalismo. Para isso, seguimos no objetivo de descrevê-lo e delimitá-lo na condição de algo que tangencia nosso problema de pesquisa.

2.2.1.2 Discutindo a polarização como recurso “político-narrativo”

Admitindo-se que a polarização a qual estamos nos referindo se difere da partidarização dos veículos noticiosos e mesmo da radicalização dos debates políticos, torna-se fundamental apresentar e discutir os sentidos da polarização que nos compete. Nesse sentido, um caminho inicial se destaca, a partir do qual grande parte da questão da polarização nas narrativas jornalísticas sobre política é vislumbrada: seria a polarização um recurso narrativo-político no sentido de (a) reduzir os atores e facilitar a compreensão do público sobre o cenário político; e (b) atender à escassez de espaço ou tempo (ou outros recursos) do próprio veículo jornalístico, ao reduzir os atores?

Inicialmente, parece realmente tentador delimitar a polarização por esse caminho, atribuindo-lhe ainda uma simulação de causa e efeitos. No entanto, do ponto de vista de quem se esforça para que a polarização seja reconhecida como uma questão de análise, parece-nos pouco proveitoso. E justifica-se. Colocar a polarização como questão, como problema a ser explorado, deve vir primeiro com a compreensão de que o maniqueísmo de suas razões de existir precisa ser revisto.

Dito isso, focamos em destrinchar a possibilidade que apresentamos, que questiona se a polarização seria um recurso político-narrativo, que age no sentido tanto de reduzir os atores e facilitar a compreensão do público sobre o cenário político, quanto de atender à escassez de espaço ou tempo (ou outros recursos) do próprio veículo jornalístico, ao reduzir os atores implicados nas notícias.

Admitir essa possibilidade como válida nos leva a Schmitt (2008) que, ao formular uma definição do que é próprio do político, pondera que esta pode ser obtida a

partir da definição de categorias contendo especificidades deste campo. Assim, afirma o autor, o que é político tem seus próprios critérios, que se manifestam de uma maneira particular (SCHMITT, 2008). A essas particularidades seriam remetidas toda ação que tivesse um sentido político. Como exemplo, o autor traz algumas distinções fundamentais de outros campos, a fim de abrir caminho para o estabelecimento de uma lógica semelhante para atribuir à definição política: “sob o ponto de vista da moralidade as distinções teleológicas são sobre o bem e o mal; na estética, o belo e o feio; na economia, o lucrativo e o não lucrativo”, explica Schmitt (2008, p.26). E, por fim, declara: “a distinção política específica a qual se referem as ações e motivações políticas podem ser

reduzidas àquela entre amigo e inimigo” (SCHMITT, 2008, p.26, grifos nossos).

Essa clássica definição do que é político é retomada aqui por propósitos argumentativos, especialmente porque nos faz refletir sobre a representação da política no jornalismo. Partindo dessa ideia, poderia-se rebater o conteúdo da possibilidade apresentada afirmando que o jornalismo, ao polarizar, não está reduzindo o cenário político ou facilitando a sua compreensão: ele apenas reproduz o que já é considerado e reconhecido como próprio da política – e constrói as bases de seus relatos a partir de seus recursos característicos.

Esse entendimento é reforçado também por Bourdieu (1989) que, ao tratar dos elementos para a constituição de uma teoria do campo político, aborda a questão da representação política e, dentro do assunto que nos interessa, toca na organização da representação política em dois polos. Nesse sentido, o autor afirma:

O fato de todo o campo político tender a se organizar em torno da oposição entre dois polos (que, como os partidos no sistema americano, podem eles próprios ser constituídos por verdadeiros campos, organizados segundo divisões análogas) não deve fazer esquecer que as propriedades recorrentes das doutrinas ou dos grupos situados nas posições polares, “partido do movimento” e “partido da ordem”, “progressistas” e “conservadores”, “esquerda” e “direita”, são invariantes que só se realizam na relação com um campo determinado e por meio dessa relação (BOURDIEU, p.179, 1989, grifos nossos).

Mais uma vez, estamos diante de uma concepção da política que expõe a questão da polarização como central. Percebe-se que, no campo político, seja pelos polos ou pela alegoria do amigo e inimigo, há uma noção compartilhada de que o jogo político só se desenvolve levando em consideração esses princípios. É cabível pensar que essa polarização da representação no campo político, nos termos apresentados pelos autores, só faria sentido dentro do jogo político, que dita as regras para que a própria polarização

exista. Assim, o sentido da polarização seria dado a partir do campo em que está inserido – não exteriormente. Os agentes do campo político, ao serem inseridos neste, adaptam-se a esse pressuposto, reproduzindo-o. No entanto, mesmo diante disso, não seria imprudente pensar na apropriação que o jornalismo faz dessa representação.

A princípio, podemos supor que o jornalismo teria certa margem de liberdade para escolher a maneira mais apropriada de se abordar e representar o campo político, também considerando o jornalismo como campo (BOURDIEU, 1989), com suas próprias regências, regras e fundamentos internos que o validam. E tem.

Como exemplo, relembramos as principais regras de representação da política no jornalismo, de acordo com Bennett (1996), que apresentamos em resumo a seguir: (1) imperativo de construir uma linha de estória sobre os pontos de vista oficial ou de autoridade; (2) as fontes e pontos de vistas são “indexados” de acordo com a magnitude e conteúdo de conflito entre os tomadores de decisão que são importantes ou outros jogadores do jogo de poder (assim percebidos pelos jornalistas) para assumir o desenvolvimento da estória; (3) o desenvolvimento de uma estória através de instituições normais e áreas de cobertura sugere que os jornalistas devem seguir o caminho do poder; (4) observe, narre e, quando necessário, julgue os temas e costumes da cultura política; (5) eventos que contêm imagens críveis (espontâneas, empiricamente convincentes) que desafiam a existência de políticas ou de definições oficiais de situações podem se tornar novos ícones.

Essa caracterização de Bennett (1996), apesar de se referir ao jornalismo norte- americano, parece-nos particularmente relevante de ser destacada neste momento porque revela que há apropriações e ressignificações feitas pelo jornalismo a partir do que é considerado próprio do campo político. A dualidade, o conflito amigo-inimigo, a polarização, encontram espaço nessa representação, mas, embora o jornalismo se utilize dessa forma para representar a política, não significa que haja um domínio do campo político sobre o campo midiático – questão debatida por diversos autores ao longo dos anos (Cf. MIGUEL, 2002).

É nesse quadro de entendimento que Motta e Guazina (2010) afirmam que a narrativa jornalística se apropria da visão dualista do conflito, própria do campo político, e a adapta como uma categoria que estrutura a retórica dramatizada. Em outras palavras, pontuam que, “no jornalismo, o conflito político é textualizado” (MOTTA; GUAZINA, 2010, p.133-4). Ainda de acordo com os autores, o conflito como categoria analítica aparece como valor-notícia na teoria do jornalismo, mas nem sempre este valor está claro

na literatura da área. Nesse sentido, busca-se explorar a hipótese do conflito ser a categoria estruturante da narrativa jornalística sobre a política, sendo esta uma categoria dramática que “centraliza a narrativa jornalística e tece os fios que encadeiam as ações das personagens da política” (MOTTA; GUAZINA, 2010, p.133).

Diante dessa argumentação, o conflito seria responsável por posicionar as personagens umas contra as outras na narrativa jornalística, além de estabelecer os episódios que projetam sequências lógico-temporais e concatenam enredos de histórias virtuais mais ou menos completas. Assim, se Motta e Guazina (2010) apontam para o conflito como categoria analítica do jornalismo, partimos dessa ideia e buscamos desenvolvê-la, mas apontando para uma categoria anterior, que seria a provedora desse conflito com o qual os autores trabalham, que é a polarização. Então, se, pelo que apresentamos até aqui, nossa argumentação se sustenta, e a polarização pode ser vista como uma forma narrativa da política no jornalismo, acreditamos que o caso das análises da cobertura dos escândalos políticos midiáticos pode servir como ponto privilegiado desse debate.

Isso nos remete, mais uma vez, a Teixeira (2016), quando este sugere como alternativa teórica útil a retomada da perspectiva construcionista, centrada na noção de notícia como narrativa – para a qual convergimos e assinalamos desde o início deste trabalho. Seguindo essa ideia, o autor argumenta que o critério de validade do discurso jornalístico não pode se prender única ou primordialmente ao referente empírico, mas que deve focar em um esforço de interpretação dos mundos que esse discurso ajuda a construir.

E é trilhando a partir dessa orientação que, adiante, apresentamos algumas das características do jornalismo que proporciona essa interpretação de mundos múltiplos – inclusive sugerindo uma interpretação específica de eventos do campo político, como são os escândalos políticos. Então, daremos atenção às relações existentes entre a cobertura de escândalos políticos, a cultura jornalística desenvolvida no Brasil e o compromisso que o jornalismo nacional tem proclamado firmar com a democracia.

3 A “MODERNIZAÇÃO” DO JORNALISMO BRASILEIRO: UM OLHAR

SOBRE O PROCESSO