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1 ESCÂNDALOS POLÍTICOS, DO GERAL AO ESPECÍFICO: O PROCESSO DE

2.1 O QUE SÃO OS ESCÂNDALOS – O QUE TÊM SIDO E O QUE PODERIAM

2.1.1 O jornalismo como organizador do caos situacional e narrativo

Apesar dos enfoques diferentes, Silva (2014) e Thompson (2002) apontam para a confusão que envolve os escândalos políticos. Essa confusão não é apenas da situação que resulta na explicitação dos escândalos políticos, também é da maneira como os escândalos são veiculados na mídia. Como lembra Thompson:

Os escândalos são, muitas vezes, acontecimentos confusos não apenas porque os valores e normas são comumente contestados, mas também porque no desdobramento subsequente das ações e falas que formam um escândalo específico, uma multiplicidade de valores e normas pode estar implicada. Uma transgressão específica pode estar na origem de um escândalo particular e pode se constituir no foco inicial da atenção, mas a sequência de ações e acontecimentos que se desdobra pode desviar o foco para outro lugar, de tal modo que a transgressão inicial se torna obscurecida por outros interesses” (THOMPSON, 2002, p.43).

Há uma disputa constante pelos discursos e, na imprensa, essas disputas resultam em um caos narrativo que é complexo de ser acompanhado. Apesar da grande narrativa escandalosa, nos jornais, serem baseadas em uma tentativa de torná-la linear, cronológica e didática39, o escândalo continua a ser caótico. São distintos acontecimentos sendo intercalados, muitos sem conexão direta entre si, diferentes personagens que entram e saem de cena sem qualquer explicação prévia e posterior40. Essa característica faz com

39 Cabe pontuar que não há, aqui, qualquer relação de causa e efeito ou de valoração entre a tentativa de

apresentação de situações em uma cronologia linear e o didatismo que essa tentativa é capaz de suscitar.

40 Voltaremos a essa questão no capítulo 4, com os exemplos que trazemos para ilustrar esse argumento.

Para não quebrar a fluidez do texto, propomos um exercício que pode servir como uma prévia de ilustração: tentemos lembrar quem foram os principais personagens de situações caracterizadas como escândalos em anos passados; o que fizeram, como foram apresentados, que tipo de dano foram-lhe atribuídos. É possível que lembremos de alguns – ou de vários. A questão que tentamos destacar é que a maneira como são apresentados e como se fixam nas narrativas jornalísticas é efêmera. Eles ganham e perdem protagonismo na mesma velocidade com que novos elementos são apresentados, novas situações são postas como escândalos. Marcos Valério, no Mensalão, pode ser visto como um exemplo disso. Veremos, ele é posto no

que as próprias análises dos escândalos sofram para enquadrá-lo e compreendê-lo, porque parecem pressupor que deveria haver alguma lógica no emaranhado de sentidos e ações que emanam desses acontecimentos.

Em outras palavras, as análises de escândalos políticos se dão a partir do pressuposto de que a imprensa busca, em alguma medida, se alinhar com seu ideal objetivo. Mas só existe escândalo porque a imprensa se dispõe a se soltar desse ideal – porque o escândalo é caos narrativo, não é conteúdo propriamente, e, sim, forma – embora continue a usar a objetividade, em discurso, como escudo para reforçar a legitimidade de sua fala, como pontuaremos mais à frente.

Mas, retomando o tema do caos, a grande questão que permeia os estudos de escândalos políticos é justamente o imponderável que os circunda. Não é possível determinar quando um escândalo vai eclodir e, o mais importante, o que faz com que eles passem a ser reconhecidos como tal. O escândalo político, no jornalismo, é uma experiência difícil de ser capturada. E, por isso, pensar em termos de análise que não levem em consideração esse caráter volátil, pensando o escândalo como uma estrutura narrativa fechada e pré-articulada, tendem a não progredir muito em relação à compreensão deste fenômeno.

Pensar assim faz com que haja uma alteração na maneira como as análises de coberturas de escândalos políticos são feitas. Inverte-se a ordem da necessidade de apontar enviesamentos, para tentar compreender o que essas narrativas dizem sobre o jornalismo, para além de possíveis tomadas de partido. No primeiro, os enviesamentos podem até deixar transparecer algo sobre posicionamento dos veículos jornalísticos, suas inclinações, a maneira como a organização de produção de notícias se sobrepõe ou não ao jogo político, o pretenso ideal de objetividade sendo sempre colocado em xeque. Mas não é possível ir muito longe sem se compreender o fenômeno do escândalo político. Essas narrativas não indicam, sozinhas, o caminho.

Reconhecer que os escândalos políticos, no jornalismo, são narrativas caóticas e sem qualquer vínculo prévio com um tipo específico de malfeito, é um passo importante nesse sentido, mas também não elimina todos os problemas de apreensão dessas narrativas. Como seguimos frisando, essas narrativas parecem ter em comum uma explicitação de questões identificadas com o patrimonialismo, mas isso, também, não garante qualquer facilitação na captura. É, mais uma vez, uma questão de mentalidade

centro do escândalo e depois posto de lado; outros personagens tomam seu lugar de destaque; não é necessária a apresentação de uma justificativa sobre ele não ser mais relevante para narrar as situações.

que se instaura e permite que uma contravenção explicitada seja reconhecida como escândalo.

É nesse contexto, ao mobilizar as formas narrativas que acionam a mentalidade escândalo, que o jornalismo se põe como o organizador do caos situacional e narrativo dos escândalos políticos. Ele impõe o seu modelo de estruturar a experiência política e, ao fazê-lo, angaria poder simbólico para o seu estilo de narrar, estruturado sob os ditames de um ideal dito “moderno”.

No entanto, em termos de “política narrativa”, parece faltar ainda um elemento que possa nos guiar nas análises dessas narrativas, que dê conta desse caos que os escândalos suscitam, sem que a questão do enviesamento se tornasse sobressalente. Foi pensando nisso que, ao observar os episódios que eram classificados como escândalos políticos, nos tempos distintos que nossos corpus abarcam, percebemos que as formas que mais se destacavam nessas narrativas pareciam ser tentativas de organizar as situações em polarizações. Uma ideia parecida com a que recorrentemente passou a ser suscitada nos debates políticos das épocas, a de oposição de polos.

Na esteira desse raciocínio, passamos a tentar delimitar quais seriam as ideias mais revisitadas e quais polarizações poderíamos pensar como regentes dessa apresentação de debates políticos. É sobre essa “política narrativa” que nos debruçaremos nas próximas seções, antes de retomarmos questões importantes para a identificação, análise e possíveis consequências de conceber as polarizações como parte fundamental dessas narrativas que são identificadas como escândalos políticos. Assim, reitera-se, ao mesmo tempo, a importância e a urgência de se considerar a polarização como forma e, a partir disso, observá-la como problema de pesquisa que pode abrir mais possibilidades para uma questão atual e pertinente aos estudos do jornalismo, em especial o que se ocupa de reportar a política.

2.2 COMPREENDENDO OS ESCÂNDALOS A PARTIR DAS POLARIZAÇÕES QUE