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1 ESCÂNDALOS POLÍTICOS, DO GERAL AO ESPECÍFICO: O PROCESSO DE

2.2 COMPREENDENDO OS ESCÂNDALOS A PARTIR DAS POLARIZAÇÕES

2.2.1 Sobre a evidência da polarização no contexto brasileiro

2.2.1.1 Partidarização e radicalização nas narrativas da imprensa (ou: o que não é

Começa-se com uma advertência de negação: a intenção é deixar mais claro o que se compreende por polarização, como forma nas narrativas jornalísticas, a partir do que não é essa polarização. Para isso, começamos rememorando Gomes (2016) que, em um trabalho sobre o porquê de a mídia sempre parecer parcial e contrária à opinião daquele que a busca como fonte de informação, apresenta os principais argumentos da “hostile media perception” (HMP).

Dentro dessa discussão, enquadram-se preocupações sobre a sensação de parcialidade da cobertura jornalística, sentida em maior ou menor grau por grupos específicos de pessoas, ou seja, o sentimento de “media bias”. Nesse contexto, pode-se tomar como exemplo as ideias de Gunther (1992), que afirma que essa sensação de

parcialidade da mídia está atrelada ao grau de envolvimento de quem consome as notícias com certos grupos da sociedade, como partidos, movimentos sociais e ideologias.

Por isso, nesse sentido, Gomes (2016) explica que:

[...] na literatura sobre o tema formou-se forte consenso sobre o fato de que os portadores naturais da sensação de que a comunicação é distorcida são os “partidários” (partisans), as pessoas que têm ou tomam partido ante questões sobre os quais há clara divergência social (GOMES, 2016, p.12).

Esse debate pode ser incluído na discussão sobre a partidarização dos meios, cuja argumentação mais frequente é a de que os veículos de comunicação, a depender dos alinhamentos políticos conformados por seus donos e administradores, tendem a dar mais atenção às notícias – e também desenvolver mais pautas que abarquem – que estão dentro do espectro de interesse desses grupos políticos. Em outras palavras, busca-se discutir a partidarização política dos meios de comunicação como resultado de constrangimentos mercadológicos.

Nos termos propostos por Stroud (2011), trata-se de notícias de nicho. Esclarecendo, essas notícias exploram a visão de mundo e de política de segmentos específicos. Nesse sentido, explicam-se os veículos que se aproximam mais de uma visão de esquerda, direita, ou de determinado político e partido. É o que a autora analisa como “partisan selective exposure”, ou seja, quando os partidários interpretam a informação de uma maneira alinhada com as suas crenças políticas. Nesse contexto, explica Stroud (2011), os partidários podem se lembrar de informações que se aproximam de suas crenças, mas, por outro lado, podem falhar em se lembrar ou lembrar erroneamente de informações que vão de encontro a essas crenças.

Diante disso, pensando já no quadro brasileiro e na esteira do raciocínio proposto por Albuquerque et al (2015), destacamos que, em mercados politicamente polarizados, segmentados e com diminuído custos de produção por causa da expansão da internet, muitos veículos se desvinculam da orientação catch-all, por esta ser economicamente desvantajosa. O resultado disto é que “as forças do mercado mesmas passam a estimular um ambiente de mídia noticiosa politicamente mais ativo e advocatício” (ALBUQUERQUE; MAGALHÃES; LYCARIÃO, 2015). A partir do exposto, então, os autores argumentam que esse processo também parece estar em curso no Brasil, já que é possível perceber, aqui, características que o propicia nos EUA.

Independente de este processo estar em andamento no país ou não, é possível refletir que, diante dele, com a possibilidade de os cidadãos consumirem apenas notícias que se aproximam de seu modo de pensar, há diversas consequências de se expor frequentemente a ideias “amigáveis”. Dentre essas consequências, poderíamos focar no que acontece quando pessoas com compreensões divergentes do jogo político se encontram para dialogar, cada uma tendo como fonte de informação seu canal seletivo. Em parte, é aí que a radicalização dos discursos pode ser vista em grau mais elevado.

Como foco de análise na academia, a radicalização tem sido observada, na maior parte dos casos, por autores que trabalham com as redes sociais e as formas de conversação que se desenvolvem nesses ambientes digitais (BERTOLINI, 2016; CERVI, 2013; CUNHA, 2013). É também o que Amossy (2008; 2009) investiga através da polêmica como modalidade argumentativa e de flames, basicamente levando em consideração os debates travados por usuários em fóruns online. Afrontamentos, xingamentos e a polêmica se tornam a base da discussão de ideias políticas, quando os usuários se “enfrentam”, um a fim de refutar a crença do outro.

Saindo da constituição da argumentação nas redes para o nível estrutural, Lattman-Weltman (2015) fala em radicalização aludindo a uma “saída do armário”. De forma resumida, o autor alega que as redes sociais têm propiciado um engajamento maior e que, ao fazê-lo, reestruturam também a relação que se tem com a política. Assim, um antes considerado “cidadão comum”, passa a se relacionar mais intensamente com conteúdos que são coerentes com o que se acredita, defende-os e dissemina-os de forma que há uma maior identificação com o comportamento de um militante ou simpatizante. Essa alteração, afirma Lattman-Weltman (2015), tende a contribuir para a radicalização de posições e de preferências e a fazer com que esse “novo militante/simpatizante” consuma cada vez mais informação que se aproxima de seu modo de pensar. Ao mesmo tempo, esse cidadão comum se torna mais suscetível a levar em consideração informações com teor que lhe é mais “amigável”.

Assim, ao vislumbrar esse ciclo, estamos diante novamente dos argumentos que compõem os estudos de HMP, apresentados por Gomes (2016) e referidos no início desta seção. Percebe-se, também, que as questões trazidas pelos que examinam a partidarização dos meios se tornam presentes, na medida em que se reflete sobre como os veículos de comunicação começam a se estruturar para atender a esses públicos segmentados.

Porém, como já mencionado, não nos interessa discutir a partidarização dos meios ou tampouco a radicalização dos discursos. Mas, como muitas vezes se torna mais simples

explicar um ponto a partir da negação de outros, finalizamos essa seção afirmando que compreendemos que a polarização que nos interessa, nas narrativas, é anterior às notícias de nicho e, em certo grau, propicia a radicalização.

Partindo de Teixeira (2016, p.13), lembramos que o sentido das narrativas jornalísticas opera tanto no nível substantivo, quanto no nível formal, que diz respeito à “repetição padronizada de moldes dentro dos quais histórias podem ser compreendidas, conformando convenções cognitivas socialmente partilhadas”. E é sobre esses moldes que tratamos; esses modelos de apreensão – e apresentação – dos debates políticos no jornalismo. Para isso, seguimos no objetivo de descrevê-lo e delimitá-lo na condição de algo que tangencia nosso problema de pesquisa.

2.2.1.2 Discutindo a polarização como recurso “político-narrativo”

Admitindo-se que a polarização a qual estamos nos referindo se difere da partidarização dos veículos noticiosos e mesmo da radicalização dos debates políticos, torna-se fundamental apresentar e discutir os sentidos da polarização que nos compete. Nesse sentido, um caminho inicial se destaca, a partir do qual grande parte da questão da polarização nas narrativas jornalísticas sobre política é vislumbrada: seria a polarização um recurso narrativo-político no sentido de (a) reduzir os atores e facilitar a compreensão do público sobre o cenário político; e (b) atender à escassez de espaço ou tempo (ou outros recursos) do próprio veículo jornalístico, ao reduzir os atores?

Inicialmente, parece realmente tentador delimitar a polarização por esse caminho, atribuindo-lhe ainda uma simulação de causa e efeitos. No entanto, do ponto de vista de quem se esforça para que a polarização seja reconhecida como uma questão de análise, parece-nos pouco proveitoso. E justifica-se. Colocar a polarização como questão, como problema a ser explorado, deve vir primeiro com a compreensão de que o maniqueísmo de suas razões de existir precisa ser revisto.

Dito isso, focamos em destrinchar a possibilidade que apresentamos, que questiona se a polarização seria um recurso político-narrativo, que age no sentido tanto de reduzir os atores e facilitar a compreensão do público sobre o cenário político, quanto de atender à escassez de espaço ou tempo (ou outros recursos) do próprio veículo jornalístico, ao reduzir os atores implicados nas notícias.

Admitir essa possibilidade como válida nos leva a Schmitt (2008) que, ao formular uma definição do que é próprio do político, pondera que esta pode ser obtida a