• Nenhum resultado encontrado

DO ALTO DO MONTE: EMBAIXO O RITMO MODERNO DA CIDADE: JAZZ

BANDS

No final do século XIX e início do século XX delineou-se um sistema de posturas, atitudes, crenças, comportamentos, trazendo aspectos estéticos, políticos, filosóficos, que foram incorporados na capital do Brasil, então o Rio de Janeiro. O positivismo, o liberalismo, os ideais republicanos, nacionalistas, de progresso do país, de esperança no mercado internacional e nos investimentos estrangeiros, e assim, os Estados Unidos paulatinamente vão se impondo de forma a atrelar sua economia ao mercado brasileiro, economia que vai tornando- se cada vez mais hegemônica e avassaladora, recolonizando novamente o solo brasileiro e também, nesse sentido, influenciando culturalmente o país.

As danças modernas eclodiram no pós-guerra, oriundas dos Estados Unidos, representadas especialmente pelo foxtrot, one step, o charleston, o

184

proximidade corporal. Este discurso demonstrava o ritmo da modernidade incorporado nas práticas sociais, que se tornou uma exigência nas relações de trabalho: a velocidade popularizava-se e por isso a jazz band afirmava-se no terreno da música e da dança enquanto práticas culturais, em detrimento de ritmos do século XIX, como a valsa, por exemplo (Gomes, 2004:214).

Deste modo, o Teatro de Revista foi um importantíssimo espaço para apresentar as danças modernas. As danças modernas constituíam um fenômeno cultural daquela época em permanente transformação. O Teatro de Revista apresentava estas novidades, tornando-se um espaço dialógico e reflexivo, onde se consolidavam as danças modernas e onde a população também as conhecia.

De fato, é necessário considerar a importância do entrecruzamento de informações culturais e estrangeiras nas danças revisteiras cariocas, especialmente quando aparece o advento das jazz bands, que executavam as músicas em peças revisteiras, como também em outros momentos e espaços de lazer na cidade. Deve-se ressaltar que “na verdade, o termo jazz, antes de significar o gênero musical hoje conhecido por esse termo, designava no Brasil dos anos 20 as ‘danças modernas’ tocadas por jazz-bands” (Gomes, 2004:81).

As jazz-bands tocavam em cassinos, clubes de elite, gafieiras, além de fazerem gravações e participarem no rádio, no cinema, sendo um lugar privilegiado, os salões de dança, onde podiam também fazer seu espetáculo, sua performance. Nas gafieiras, segundo Calado (1956), os movimentos tornaram-se mais acrobáticos e saltitantes, arabescos coreográficos e o ritmo acompanhou estas transformações ao apostar na base rítmica, nas síncopas, tornando a música cada vez mais saltitante e a dança conhecida pelo seu puladinho, como é possível perceber através da imagem abaixo.

185 Imagem nº 54 - Com o fim da Primeira Guerra Mundial, duas novas danças, desta vez originária dos Estados Unidos, vão invadir os salões brasileiros: o fox-trot e o charleston108

No primeiro ato de Guerra ao Mosquito, destaca-se um número de cortina chamado de Charlston, dançado por Gui Martinelli e girls.

Na década de 1920 foi uma febre o ragtime e o one step, a bossa da época, a dança do momento e atingiu feito uma enxurrada a cena revisteira. Tinhorão (1972) observa que as novidades norte-americanas advindas da publicidade, do cinema, impulsionaram a adoção do modelo da música dos jazz bands e das danças modernas. Esta novidade causou impacto junto aos grupos conservadores que viam nas danças modernas uma degenerescência dos costumes. A década de 1920 foi o período por excelência da consolidação destas danças.

A reportagem de Careta, de 07 de abril de 1928, ressalta a vinculação das novidades norte-americanas com o espírito moderno:

Isso significa, talvez, que o “espírito moderno” – sinônimo de “espírito americano” – tem entre nós uma simpatia unânime. O nosso povo, talvez inconscientemente, mas com uma sinceridade que ninguém pode por em dúvida, está integrado, creiam, na vida moderna – nessa vida moderna de tão neuróticas e vertiginosas seduções, que se agita ao ritmo do jazz-band e evolui com a velocidade dos aviões.

186

Calado (1956) pontua que a inserção do jazz se deu no início do século XX e mais que uma música, constituiu uma nova formação instrumental, que contou com trompete (ou pistão), clarinete ou trombone, além de saxofone, como também violino, banjo e bateria. Através de Pixinguinha, Alfredo da Rocha Vianna Júnior, um ícone importante para a história da música no Brasil, teve sua transposição para a música popular brasileira e se destacou com a formação da banda chamada Oito Batutas.

Tudo começou com uma turnê de seu conjunto Os Batutas à Paris, em janeiro de 1922. Levando um repertório constituído por sambas, choros e maxixes, a temporada prevista de um mês terminou sendo esticada para seis. Assim, o grupo (que também incluía o sambista Donga) acabou tomando um contato mais íntimo com os estilos de música popular norte-americana da época, isto é, o charleston, o shimmy e o ragtime, que eram muito executados nos palcos parisienses, segundo depoimento do próprio Pixinguinha (Calado,1956:235).

A foto abaixo retrata a nova formação instrumental implementada com o

jazz band, Oito Batutas, onde é possível reconhecer o trompete, trombone, sax

alto, banjo, piano e bateria. As posturas e poses e todo o figurino demonstram, segundo Calado (1956:236): “[...] a influência e a identidade dos Oito Batutas em relação ao jazz tradicional. A atitude que assumem nessa foto é praticamente idêntica (como se além da música também necessitassem decalcar toda a gestualidade dos jazzmen)”.

187 Imagem no 55 – Os Oito Batutas109

A jazz-band Oito Batutas como pode ser observado pela fotografia abaixo, foi ironizada num quadro da revista Secos e Molhados, de Luiz Peixoto, que reproduziu e satirizou esta performance musical. Na fotografia se percebe a origem afro-americana do ritmo e musicalidade, bem como do instrumental utilizado pelas jazz-bands. Este quadro da revista Secos e Molhados exagerando na movimentação e gestualidade do chamado jazzmen evocaram o humor e a comicidade.

109. Em 1922 financiados pelo milionário Arnaldo Guinle viajam para o exterior e se exibem em

Paris, “no Dancing Schéhérazade”. Ficam seis meses em cartaz. “Os Oito Batutas não só serão os primeiros a lançar a música popular brasileira no exterior, como também trarão para o Brasil ‘le dernier cri’ da moda musical na Europa: o Fox-trot, o Shimmy e o ragtime. Assim influenciados pelo jazz, incluirão saxofones, clarinetas e trompetes no instrumental do grupo e utilizarão arranjos ao estilo das jazz-bands”. Fonte: Nosso Século: 1910-1930. São Paulo: Abril Cultural, 1980: 260.

188 Imagem No 56 - O bem humorado quadro de cortina - Jazz-band da Revista Secos e

Molhados, década de 1920.

E as Jazz Bands tocavam ritmos carnavalescos e estrangeiros variados: tangos, maxixes, marchinhas, chorinhos, foxtrotes, modinhas, entre outros, de modo que foram interferindo no “vocabulário” dos movimentos de dança.

As danças modernas, oriundas de ritmo afro-americano, no caso do

shimmy, tinham fundamentos técnicos específicos, que aparece como uma dança

originária do jazz, “caracterizada pelo chacoalhar do corpo partindo dos ombros para baixo, simulando um tremor" (Bevilaqua, 2001:83).

Raul Pederneiras demonstra estes novos tempos, os embates e tensões que se criaram na sociedade a partir das novas danças, as mudanças e permanências, do convívio entre o porvir dos comportamentos modernos e os comportamentos tradicionais. Ele explica de forma descritiva estas mudanças na revista, de sua autoria Vamos Pintar o Sete, encenada em 1922, que apresentou quadros que tematizavam as danças modernas. No primeiro quadro do segundo ato: “As Cavações” os professores protestavam porque não entendiam as danças modernas, em se tratando da onda dos novos ritmos que monopolizaram a cena revisteira. Entra então a personagem “Dança”, acompanhada das coristas:

189

Dança

Nas invenções ninguém cansa E cada dia que se passa Eu introduzo na praça O passo da nova dança Eu sou a dança moderna Cavação para divertir Com isso de dar à perna Não tenho mãos a medir. Neste passinho

Sei de mansinho

Tudo arrastar, arrastar (bis). Sempre esquisita

Impinjo a fita (bis) Sem me queimar

Ai! Sem me queimar (coro repete). (Bevilaqua, 2001:81)

O curioso é que numa charge de Raul Pederneiras (1921), um ano antes de ser encenada a revista Vamos Pintar o Sete, o caricaturista revistógrafo, já elaborava na linguagem da caricatura, questões em torno das novidades da dança. A temática ao redor das danças modernas, já aparecia na caricatura “Decadência da Cultura”.

190 Imagem no 57 - Decadência da Cultura, de Raul Pederneiras (1921)110

O conteúdo desta caricatura de certa forma reapareceu no texto de Raul Pederneiras Vamos Pintar o Sete, pela personagem Belchior, que por sua vez,

191

entra protestando contra as danças modernas de passos descompassados, um “reumatismo a cada passo”.

Belchior – Onde está a delicadeza de outrora? Antigamente o cavalheiro dava o braço a cavalheira (executa o que diz) e dançavam com todo o respeito... (dança uma valsa com toda a delicadeza) e no fim o cavalheiro levava a dama pelo seu braço a seu lugar (executa). Agora é isso... (entra um par dançando Fox- trot, exageradamente). O cavalheiro pega a dama como quem leva um embrulho pra casa; gruda-se com goma arábica e no fim... (o par separa-se bruscamente e sai cada um para seu lado) vai cada um pra seu lado sem mais cerimônia. Isso não é sério... isso é uma falta de consideração! Protesto!”(Bevilaqua, 2001:81).

Raul Pederneiras reforça em sua linguagem expressiva, com ironia, as tensões que provocaram nos grupos mais conservadores o advento das danças modernas. A revista Vamos Pintar o Sete, no primeiro quadro do II Ato, introduz novamente os ritmos afro-americanos, que reaparecem e desta vez apresentam o shimmy:

Shake the shimmie – o shimmie Eis pois a dança original

Que a vocês ou bem ou mal A minha lição exprime. Braços rijos, esticados. O busto nums bamboleios Ombros pra cima voltados

São dois chocalhos os dois seios. (Bevilaqua, 2001:82)

As danças modernas como o foxtrot, o charleston, o shimmie, o one step vem da mesma fonte, ou seja, fruto dos ritmos afro-americanos. A revista Careta, de 06 de dezembro de 1913, se refere às danças modernas, e se detém a explicar a origem do cake-walk:

Depois que o cake-walk, nascido nas cubatas dos negros do sul dos Estados Unidos e que não é mais que o cateretê tão nosso conhecido, complicado com os movimentos convulsivos que lhe emprestou a rigidez própria do anglo-saxônico, tão diferente da flexibilidade felina dos nossos mestiços, depois que o cake walk

192

deu a volta ao mundo, saltando dos palcos do music-hall para os salões dos eternamente blasés, não parou a tendência dessas gentes, a cata sempre de novidades, para importação dos exotismos coreográficos de movimentos mais ou menos irregulares.

Na década de 1920 o exotismo coreográfico das danças modernas monopolizou a cena revisteira e por isso gradativamente o maxixe foi declinando, em detrimento das novas danças, de modo que reacendia a força de outrora nas revistas carnavalescas.

No segundo decênio do século XX, o sapateado foi uma técnica de dança também incorporada nas revistas e aparecia nos quadros de dança.

Em Secos e Molhados, Araci num dos quadros estava como sapateadora, na moda dos sapateados que eram obrigatórios em todos os números e atrações estrangeiras que aqui se apresentaram e, depois de 1929, seriam vistos nos primeiros filmes americanos falados (e naturalmente musicados e cantados), maravilhando os cariocas e começando a concorrer para diminuir a freqüência aos teatros (Ruiz, 1984:44).

Segundo Sucena (1989) participou do Teatro de Revista um bailarino e sapateador chamado Gus Brown, que entre outras revistas, em 1924, coreografou

À La Garçonne.

Os ritmos norte-americanos e as danças modernas se fizeram presentes de forma marcante nas revistas da década de 1920. Em Olha o Guedes, de 1924, por exemplo, Francisco Alves e Antônia Denegri dançam, sendo que o repertório desta dança elucida “a invasão dos ritmos americanos através dos discos de vitrola” (Paiva, 1991:244).

193