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2.2 ABRE ALAS: CORISTAS NO TEATRO DE REVISTA

2.2.1 Duo: Melindrosas e Almofadinhas

As influências da modernidade diluíam-se na vida da população, nos hábitos, atitudes. Os papéis sociais redefiniram-se e as identidades dos habitantes da cidade se reorganizavam com a modernidade. Os almofadinhas, segundo

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Melo, (2004) jovens que eram vistos como “símbolo” da moda masculina, assim como as jovens melindrosas ousadas, um contraponto da “mocinha recatada” da elite, passeavam nas ruas, nos chás dançantes, nos cafés, clubes, nos cinemas. Demonstrava-se que ser moderno significava uma gama de comportamentos, atitudes que eram incorporados pelas melindrosas e almofadinhas.

Na década de 1920 as relações sociais foram redefinidas cotidianamente. Uma onda de mudanças atingiu os relacionamentos. A proximidade, a intimidade, parece ser temática que ficou em evidência nos bailados revisteiros. As danças modernas difundidas através do Teatro de Revista, ao som de músicas tocadas pelas jazz-bands, foram dançadas no palco do Teatro e exprimiram também a quebra de tabus no que concerne às relações de gênero entre homens e mulheres, que dançavam juntos, não só no palco, mas também em bailes, clubes, gafieiras, cassinos, atingindo as várias camadas sociais.

Ofrenesi da modernidade, das danças modernas, o foxtrot, o charleston, o maxixe instigavam a proximidade e contato corporal, o que consolidou uma revolução no comportamento da época, causando embates na sociedade, tensões entre os grupos sociais, que insistiam na manutenção dos antigos costumes:

Nas percepções que o teatro de revista oferece sobre a capital federal, outro exemplo no qual é possível notar tal relação é o caso da dança, um verdadeiro fenômeno de popularidade no período. Os anos que se seguem a Primeira Guerra são caracterizados pela fulminante ascensão da novidade do jazz band, em detrimento de alguns gêneros herdados do século XIX, como a valsa e a polca. [...] Utilizando pesados arranjos para metais e percussão para execução de canções em ritmos acelerados, o jazz-band foi visto por muitos como sintoma maior da degeneração humana no período do pós-guerra, tanto em função de sua sonoridade quanto pelo contato corporal proporcionado pelos estilos da dança a ele relacionados (Melo, 2004:214).

As músicas no Teatro de Revista também traziam para o palco o debate acerca das transformações advindas com a modernidade, como o modo de vestir feminino, que diminuiu o cumprimento das saias e vestidos, deixando as pernas mais à mostra, inaugurando a moda “moderna”, atingindo tanto as mulheres

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populares quanto as da elite - que eram chamadas de melindrosas, com as novas práticas de sociabilidade e comportamento. A música Gavião, de Pixinguinha, segundo Paiva (1991) teve lançamento no palco pela atriz Margarida Max com as coristas e foi um grande sucesso na peça Guerra ao Mosquito, de 1929 e demonstrava estas mudanças:

As muié anda na rua Com as canella de fóra O gavião toma o chero

Vem chegando e sem demora Garra ellas pelo bico

Bate aza e vão se embora!89

As modificações no vestuário das mulheres influenciaram os figurinos da cena revisteira, que também foi “lançadora” de modas. A moda dos cabelos foi marcante na década de 1920 e foi a revista A la Garçonne, sucesso do Teatro Recreio de 1924, com Margarida Max, que inspirou o corte de cabelo curto, bem aparado na nuca, mudando-o, diminuindo-o em comprimento, tendência que atingiu todas as camadas sociais. A la Garçonne, título da revista que ajudou a lançar esta moda, foi inspirada no nome de um romance em voga na década de 1920, que relacionava-se ao universo da mulher moderna, vinculada a emancipação.

O figurino refletia não só uma modificação do cabelo, mas de padrões de conduta, de vestuário, uma nova relação com o corpo nos espaços públicos. Gardin (2008) observa que a arte da moda guarda a possibilidade de ruptura, de transformações de padrões, situando-se no campo da inventividade, da criação, fruto de uma opção ideológica, política e social; e pontua que:

Há de se considerar, portanto, dois aspectos quando tratamos da questão da moda: a moda do corpo e a moda para o corpo. Qualquer que seja o posicionamento da utilização do corpo no sistema de comunicação, o resultado está num posicionamento ético, moral e estético que envolve o fator filosófico, político e social, portanto ideológico. A utilização do corpo em sistema de

89 Guerra ao Mosquito,1929:18. Observa-se que optei por conservar a citação da revista sem

atualizar a escrita para o português de hoje, isto se deve ao desejo de destacar este verso da música de Pixinguinha.

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signos, como linguagem, implica necessariamente um posicionamento ideológico (Gardin, 2008:76).

As influências da moda incidiram também no ambiente fértil de idéias que circulavam nos palcos do Teatro de Revista, imbuindo as coristas, alavancando a construção do imaginário da modernidade em relação ao corpo feminino. De acordo com os novos “ditames” estéticos, as coristas dos bailados passaram a pertencer ao novo padrão de beleza da modernidade, em que o culto ao corpo esbelto reforça-se continuamente. Possivelmente as antigas três sessões diárias, ritmo frenético da modernidade nas produções teatrais, que no Teatro São José, por exemplo, até aproximadamente 1922, veiculava três apresentações revisteiras num único dia, também contribuiu para exaurir os corpos das coristas que, por conseqüência, tornou-se mais magro. Contudo, havia também as coristas gordinhas. No entanto, difundiu-se a tendência de homogeneização da plasticidade e compleição física das coristas, sendo um aspecto a ser valorizado na década de 1920.