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3.5 EL MISMO LAZO

3.5.1 Vuelvo al sur

Os países da América-Latina guardam em sua história um entrecruzamento de influências culturais. Na intersecção desta formação híbrida, existiram pontos de diálogo e convergência, repertórios comuns que atravessaram estes territórios e que os aproximaram em suas similitudes, seja pela sincronização, pela proximidade ou pelas transformações advindas com a modernidade.

Neste sentido, o trânsito de influências da cena revisteira perpassou os limites das bordas geográficas territoriais, já que segundo Pesavento (2005:36- 37):

Como realidade transcendente, a fronteira é um limite sem limites, que aponta para um além. É conceito impregnado de mobilidade, princípio este tão caro à história. Se a fronteira cultural é trânsito e passagem, que ultrapassa os próprios limites que fixa, ela proporciona o surgimento de algo novo e diferente, possibilitado pela situação exemplar do contato, da mistura, da troca, do hibridismo, da mestiçagem cultural e étnica.

Para desvendar elementos destes intercâmbios latino-americanos, adentramos no terreno da interculturalidade, que privilegia o diálogo e a compreensão recíproca, as contribuições estilísticas de vários gêneros de dança nos bailados revisteiros, de origens distintas, que se fundem no campo da dança, gerando hibridismos, isto é, “corpos híbridos nascidos da contaminação entre fontes culturais, técnicas corporais e gêneros artísticos distintos” (Nunes, 1999:46). Houve, portanto, trânsitos de informações interculturais entre estes países.

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A modernidade alavancou as transformações no gênero revisteiro, fortalecendo a tendência de ser priorizada, no mesmo patamar do texto declamado, a visualidade, a plasticidade, a música, o esplendor dos números de canto e dança. A velocidade do texto e a agilidade deram mais ritmo ao espetáculo e possivelmente contribuíram na renovação da linguagem, transitando por aspectos simbólicos que na década de 1920 estavam atrelados à valorização da cultura nacional.

Alguns repertórios da modernidade, como o rádio, o cinema, assim como influenciaram o Brasil, também ecoaram em outros países. No Rio de Janeiro, na década de 1920: “Através do cinema, as referências culturais norte-americanas penetraram com força no país. As coristas passaram a se chamar girls, o fox-trot, o ragtime e o charleston tornaram-se ritmos comuns nos espetáculos. Logo os atores começariam a cantar blues e a sapatear” (Antunes, 2002:56).

Assim sendo, os intercâmbios culturais proporcionaram transformações no Teatro de Revista, com a construção de elementos híbridos, que por sua vez, mudaram os corpos a partir dos novos repertórios interculturais. Os números de canto e dança ganharam destaque e ênfase neste cenário e propõem interfaces que evidenciam questões em relação à alteridades, identidades, diferenças e hibridismos.

Este trânsito de saberes artísticos, através de permutas culturais e hibridismos se destacaram na revista Argentina-Brasil, dos autores uruguaios Curoto e Lenzi, que estreou no dia 20 de novembro de 1929 em Buenos Aires. Esta revista apresentou motivos populares dos dois países, tornando-se mais um grande sucesso da companhia carioca Tro-lo-ló, que nesta ocasião, excursionava em turnê pela Argentina. Como observa Antunes:

Jardel Jércolis, cada vez mais senhor de si, se transformou no principal animador de sua companhia; cantando, dançando, representando, esquentando o espetáculo a partir da orquestra, com a batuta na mão e com muito bom humor. Juntamente com Ítala Ferreira dançou um maxixe que entusiasmou a platéia. Esta vibrava desde o primeiro quadro do espetáculo, quando o tango “La Cumparsita” foi tocado em tempo de maxixe e de tango, alternadamente (2002:100)

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Assim sendo, a dança também expressou um ponto de encontro de culturas, de sociabilidades, permeada de semelhanças e diferenças, entre sistemas culturais distintos, irmanando-se com similitudes, entrecruzamento de repertórios e hibridizações. Como neste caso, o primeiro quadro da peça

Argentina-Brasil contou com uma performance musical, que uniu dois gêneros

distintos, alternadamente, o maxixe e o tango, interpretados na mesma música: La

Cumparsita. Os bailados, nesta turnê da Tro-lo-ló, proporcionaram na cena

revisteira, um espaço para expressividade, sedimentada na interculturalidade.

Imagem no 58 - Companhia Tro-lo-ló em turnê em Buenos Aires, em 1929111

A turnê da Tro-lo-ló à Argentina contribuiu para a renovação da linguagem revisteira, incluindo hibridismos e intercâmbios culturais. Estes elementos puderam ser observados através de quadros que utilizaram o castellano como idioma, assim como a fusão de autoria com escritores argentinos, como Francisco Garcia Gimenez, na escritura de algumas revistas, bem como a participação de músicos argentinos, como o pianista Carlos Cobian. Os laços entre os países vizinhos se estreitaram com a renovação do elenco no início da década de 1930,

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com a contratação de novas coristas, atrizes e atores argentinos, como os cômicos Héctor Calgano e Alicia Vignoli e o coreógrafo Nicolas Mizin, para atuarem na Companhia Tro-lo-ló.

No Brasil o fluxo de diálogos com o repertório portenho crescia cada vez mais. No ano de 1929, a Companhia de Revistas Modernas Margarida Max, na peça Guerra ao Mosquito, de Marques Porto e Luiz Peixoto, revelou apropriação cultural em relação ao tango. O quadro 2 é intitulado de Dicha Pesada Tango, conforme o fragmento do texto em espanhol, destacado:

Que al fin tu abandono me hay hecho mas feliz.

Yo sey como la abeja, libre vuelo

Y on pos de otro cariño mi alma va (1929:6).

Sendo que curiosamente no Brasil, até aproximadamente a década de 1930, o maxixe era conhecido também como - o tango brasileiro, - que nomeava através desta terminologia, um leque de estilos musicais. Entretanto, depois, a palavra tango se tornou ambígua, porque no início da década de 1930, chegou ao Brasil à moda do tango argentino, e o que outrora era chamado de tango brasileiro, passou a denominar-se canção e canção sertaneja. . (Tinhorão, 1974:91).