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3.3 CHUÁ-CHUÁ: CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS DO MAR: A MÚSICA E A DANÇA NO TEATRO DE REVISTA

3.3.1 Roupa branca e alva: samba para mãe de santo rezar

O emergir do samba no Rio de Janeiro está alinhavado com as múltiplas experiências da capital, desde os terreiros de umbanda, das casas das tias baianas, dos cordões, dos ranchos, das sociedades carnavalescas, dos blocos, tendo como um dos seus ápices de projeção as manifestações do carnaval. Construiu-se no convívio com mudanças e permanências, na articulação com tradições culturais existentes, que também se transcenderam, consolidando uma linguagem de música e de dança específica, a partir do diálogo com a modernidade, com práticas culturais, hibridismos, ressignificações, entrecruzando- se numa trama coletiva e popular, que se destacou na então capital federal.

A consolidação do samba e da marcha funde-se essencialmente com as múltiplas manifestações culturais populares, e, neste sentido, se desdobrou para atender suas necessidades, delineando feições rítmicas musicais para a demanda da produção cultural voltada também para o carnaval, como a cadência dos ranchos, blocos e cordões carnavalescos.

Os cordões eram agremiações carnavalescas, manifestações populares existentes desde meados do século XIX, em que participavam os foliões das camadas populares, consolidando uma manifestação popular repleta de proposições criativas, embates e rivalidades, e também muito reprimida por perseguições policiais. Segundo Sohiet os grupos, clubes e blocos foram sucedâneos dos cordões: “Os Grupos carnavalescos, juntamente com os clubes,

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pareciam ter uma organização mais esmerada. Dispunham de sede e tinham que requerer licença de funcionamento” (1998:85). Participavam, em geral, pessoas do segmento popular, dispostos a participar do Carnaval.

Estas manifestações, de acordo com Soihet (1998), chegaram ao Rio de Janeiro através da vinda de baianos que se instalaram na região da Cidade Nova e passaram a travar relações sociais, através das chamadas Tias Baianas, que ao serem procuradas pelos baianos recém chegados no Rio, davam apoio e sustentação cultural, necessárias a inserção social na comunidade. No entanto, Melo (2003) alerta que a construção do samba foi um processo coletivo e popular que vai muito além dos limites das casas das tias baianas, de forma que o samba não se restringe de forma unívoca a cartografia deste lugar social. Pois, havia um trânsito de influências entre os diversos recônditos da cidade, diálogos culturais entre múltiplas manifestações populares, entre a tradição e a modernidade, entre intelectuais e sambistas, um entrecruzamente que permitiu ampliação, mobilidade e flexibilidade na linguagem do samba.

Contudo, não é possível esquecer que a cidade do Rio de Janeiro possuía uma cartografia construída em torno de pertencimentos de classe social, onde, na década de 1920, a Praça Onze de Junho, em frente à residência da baiana tia

Ciata, famosa e destacada figura, destinava-se às camadas populares para os

festejos do carnaval, em detrimento da Avenida Rio Branco, dirigida ao carnaval das classes médias.

Sohiet (1998:93) observa que no “Rio de Janeiro, nas décadas de 20 e 30, os ranchos figuravam ao lado das grandes sociedades como as maiores atrações do Carnaval. Desfilavam na avenida Rio Branco [...]”. A marcha presente no período áureo dos grandes ranchos carnavalescos engendrava uma manifestação popular onde o samba também foi se inserindo com sua coreografia influenciada e marcada pela estilização da batida dos pés no chão, um sapateado cuja ancestralidade se encontrava nos passos da coreografia do batuque africano.

No entanto, o samba também foi sendo invadido pelas influências de massificação cultural na década de 1920 e foi modificando o repertório que se criava em relação à dança. Segundo Gomes (2001:528) “As exigências da cultura

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de massas por ritmos ‘dançáveis’ é um elemento que não deve ser subestimado ao se estudar o sucesso do samba”. Isto porque a dança acompanhava um grande aparato divulgador de produtos culturais, munidos da publicidade, da difusão das novidades dos bens de consumo, do progressivo aperfeiçoamento da tecnologia dos discos, da expansão do rádio, do cinema, além de modelos culturais norte-americanos que se fundem na produção das danças modernas, à luz da consolidação de ritmos de sucesso, que seguem a massificação da indústria cultural, a modernização da cidade, atingindo a música popular como um todo e a conseqüente apropriação dos novos ritmos dançáveis pelas massas.

O samba transitou por um território repleto de hibridizações: desde a ancestralidade dos batuques africanos, entremeados do ritmo do maxixe carioca, do aproveitamento dos ritmos baianos. Na década de 1930, os sambistas das escolas de samba firmavam aspectos populares no samba do carnaval, pontuando também diferenças e alteridades em relação à música. Somava-se neste período também uma série de influências dos ritmos norte-americanos das jazz-bands, até mesmo aspectos da erudição dos orquestradores, que fez o ritmo se transformar em passos largos, tanto que na década de 1930 haviam vários tipos de sambas, numa ascensão contínua da produção cultural para a demanda das diferentes classes sociais (Tinhorão, 1997:20, 50,52).

Na década de 1920 intensificou-se o resgate da cultura brasileira. Através das revistas carnavalescas abriu-se um espaço privilegiado para o samba e os sambistas, numa época em que oficialmente ser sambista era sinônimo de malandragem, de bandidagem, de ser um sujeito fora da lei, considerado “mau elemento”, que por sua vez, sofria perseguição policial. Só em 1933, o Carnaval foi oficializado, entretanto, na década de 1920, a linguagem do sambista e do carnaval, teve trânsito livre e intenso junto ao Teatro de Revista.