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Na alegria e na tristeza: como é bom dançar! Maria Lina e Duque

3.2 DIZ ISSO CANTANDO: SIM O MAXIXE!

3.2.1 Na alegria e na tristeza: como é bom dançar! Maria Lina e Duque

A afirmação da dança do maxixe, num primeiro momento, se deu de forma marginalizada, consolidando-se pouco a pouco, trazendo em seu bojo a expressividade da cultura negra e das camadas populares. O advento da modernidade instaurou inúmeros aspectos em torno do qual a linguagem da dança do maxixe foi se construindo, e na década de 1910 vai sendo elaborada uma narrativa de brasilidade e, por assim dizer, de uma dança nacional. O fato é que os diálogos culturais entre grupos e classes sociais foram se intensificando a partir da década de 1920 ao mesmo tempo em que se operava a criação de uma cultura brasileira.

E neste percurso foram se estabelecendo também, através do maxixe, origens e narrativas de uma brasilidade imaginada. A respeito desta afirmação da brasilidade pela dança, Maria Lina, dançarina-atriz, foi muito importante na defesa deste discurso. Em turnê, na cidade de Paris, em 1913, lá dançou maxixes com outro brasileiro, o Duque, que foi seu par. O casal de dançarinos, entre outros, através do maxixe, foi responsável pela projeção desta dança na Europa. Eles foram personalidades chaves na construção da narrativa de uma dança brasileira. Afinal, depois de apresentar a dança na Europa, por sua vez, o maxixe retorna ao Brasil com o nome de “tango brasileiro”, fato que de certa forma escamoteou, pela nova terminologia, a vinculação com suas origens africanas. Na década de 1910 o tango argentino também fazia sucesso em Paris e o maxixe pegou uma carona. Após o retorno da viagem, em 1914, Maria Lina e Duque já projetavam o maxixe com o nome de tango-brasileiro, dança que aparece resignificada, com os hibridismos e diálogos culturais incorporados nos movimentos, permeada de influências parisienses (Velloso, 2006:6, 9).

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Maria Lina, certamente encantou à Europa ao dançar maxixes. Lina, segundo Sucena (1989), foi também professora de dança, e com o passar dos anos dedicou-se ao teatro de comédia. Maria Lina, apesar de italiana de nascimento, veio adolescente para o Rio de Janeiro, estudou balé no Scalla de Milão, foi responsável através de sua atuação como artista, pela construção de uma dança nacional brasileira, dança moderna ou exótica, como também era conhecido o maxixe.

Em 1914, no retorno desta turnê à Europa, Maria Lina fez uma conferência no Teatro Fênix para um público elitizado, na qual tratou de questões referentes ao maxixe, a partir de sua experiência de vida enquanto dançarina-atriz. No entanto, Maria Lina, nesta conferência, adentrava num território marcado pelo preconceito, como era o caso da dança do maxixe e nesta ocasião, ao proferir a conferência fez uma defesa em relação ao maxixe, marcando um modo de ser imbricado com uma narrativa de brasilidade. Em sua conferência Maria Lina pontua: “Há uma opinião profundamente errada que pediria licença para me opor - a das danças consideradas pouco sérias. Não há danças pouco sérias como não há danças morais. Tudo depende como se dança [...] a dança é alegria, não tem moral. Nós é que lhe pomos a moral, segundo a nossa educação”.98

Acima de tudo, esta conferência foi um relato, e por isso uma mediação de um discurso que não sabemos ao certo se traduz exímia veracidade, o que importa é que a dançarina-atriz teceu uma narrativa acerca do maxixe que por assim dizer, repercurtiu no plano do imaginário da modernidade, com elementos nutridos por pertencimentos e vínculos nacionais. Para Lina, a dança do maxixe retratava “todas as marcas da cultura brasileira, sendo que o movimento da dança e o jeitinho de dançar, eram definidores da brasilidade. (Velloso, 2009:7- 8).

A identidade social de Maria Lina revelava ambivalências e ambigüidades, que permeavam a organização da sociedade, reforçada também pela cartografia

98 LINA, Maria. A dança na educação; conferência de Maria Lina. A ilustração Brasileira Rio de Janeiro, 1 jul. 191. In: VELLOSO, Monica Pimenta. América dançarina, polêmicas em torno de uma identidade nacional brasileira. In: Z Ensaios – Ano IV - Número 2 - Abril 2008/Julho 2008 Disponível em: http://www.pacc.ufrj.br/z/ano4/2/mvelloso.htm. Acesso: 10 abr. 2009.

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dos espaços em que transitava. Em 1906 participou do elenco da peça O Maxixe, estreada no Carlos Gomes. Na revista carnavalesca A Folia, de 1924, Maria Lina também fez parte do elenco. Em Alô! Quem Fala, de Carlos Bitencourt e Cardoso de Menezes, de 1924, ela também foi integrante da peça.

Inclusive, em sua conferência, ela colocou uma questão nevrálgica e delicada relacionada à idéia do que ela compreendia acerca da identidade social de ser uma profissional das artes cênicas neste período, reforçando esteriótipos e firmando diferenças. Velloso observa:

Lina faz questão de distinguir a natureza do seu trabalho em relação ao conjunto das mulheres dançarinas e cantoras. Argumenta que essas teriam que se submeter às solicitações e excentricidades dos clientes masculinos. Não teriam, portanto, autonomia de pensamento e capacidade decisória. Era uma forma de legitimar sua opinião frente ao público, reforçando a sua condição de artista, de intelectual e sobretudo, de mulher moderna e informada (2009:6).

No entanto Giron (1998) em seu romance Ensaio de Ponto, uma farsa de recortes carnavalescos e justaposições paródicas em forma de prosa, através do personagem Praxedes, ex-ponto da Companhia Nacional de Burletas e Revistas do Teatro São José, narra esquecimentos e falsas lembranças, citando o avesso do Teatro de Revista e por sua vez, situando a dançarina-atriz Maria Lina, revelando assim as ambigüidades e ambivalências que permearam os recortes identitários velados na figura desta dançarina-atriz. Giron enfatiza a personalidade de Maria Lina, faz uma narrativa de modo a afirmar que ela tinha ousadia em realizar seus interesses e por eles dava em troca justamente o que criticou em sua conferência, se submetendo às solicitações e exigências do público masculino, e inclusive o próprio personagem do romance - o ponto Praxedes, desfrutou a troca de favores de Maria Lina. Não obstante, Praxedes, denuncia que até a autoria de uma revista de Maria Lina, Ouro Azul tinha sido uma troca de interesses entre ela e um autor de revista chamado, neste romance fictício, de Assombro.

163 Imagem nº. 47 - Programa da revista Ouro Sobre Azul, apresentada pela Companhia José Loureiro, no Teatro Recreio, em 1915. CEDOC-FUNARTE.99

A foto acima se refere ao programa da revista Ouro Sobre Azul, que, segundo consta, seria uma revista dividida em 2 atos, 8 quadros e 2 apoteoses, um original escrito por Maria Lina.

Em outro trecho de seu romance farsesco Giron foi mais longe e se lançou a prosear acerca das coristas, situando-as como personalidades sem virtudes, de reputação duvidosa: “Além de álcool e sexo, o ópio e a cocaína circulavam pela caixa sem censura alguma. As agora chamadas melindrosas cheiravam e exaltavam a droga vendida nas farmácias. Requebravam como mariposas e caiam em qualquer cantata, sempre assanhadas” (Giron, 1998:159).

Este relato ficcional de Luis Antônio Giron (1998) remenda, engana, e traz à tona a atmosfera ambivalente e ambígua dos bastidores do Teatro de Revista, que

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no romance, em geral, trazia interfaces de algumas das artistas revisteiras entremeadas de intercursos e envolvimentos afetivos e sexuais com o público masculino. Não se pode perder de vista que é apenas um recorte identitário, já que o romance também cita passagens de artistas que também namoravam sério e casavam com homens comuns da sociedade. Este romance ficcional coloca Maria Lina como uma mulher que ao escolher o Duque como seu par de dança, teria provocado ciúmes no ator Machado Careca, seu antigo parceiro na revista O

Maxixe, de 1906.

Duque, para além da ficção farsesca de Giron, atuou na vida real, como o par de dança de Maria Lina na sua turnê em Paris. Chamava-se Antônio Lopes de Amorim Diniz, baiano, ex-dentista, fez uma carreira importante. Dançarino, revistógrafo, compositor e jornalista, Duque nasceu em 10 de janeiro de 1884, em Salvador (BA), e faleceu em 28 de janeiro de 1953, no Rio de Janeiro (RJ). De origem modesta, formou-se dentista aos 20 anos, abrindo consultório em Salvador. Em 1906 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde passou a freqüentar os pontos de encontro da boemia carioca. Interessado em teatro, em 1906 estreou na peça Gaspar Cacete, de Eduardo Garrido, ao lado de outros amadores, tendo sido muito elogiado pela crítica carioca.

165 Imagem nº 48- Antônio Lopes de Amorim Diniz (Duque)100

Mais tarde, abandonou o teatro para dedicar-se à dança, onde se destacou por criar coreografia própria, com figurações exóticas para as danças brasileiras, especialmente o maxixe, que empolgava a sociedade de então. Em 1909 foi para a França, onde passou a exibir-se nos salões e teatros da capital francesa, dançando o maxixe. Fez grande sucesso ao lado de Maria Lina e Arlette Dorgère, e, já famoso, inaugurou em 1913 o Dancing Palace, no Luna Park, apresentando- se ao lado de sua partenaire Gaby. Foi responsável pela transformação do maxixe e outras danças, consideradas no Brasil de baixa origem, em ritmos elegantes e apreciados nas altas rodas. Pouco depois, abriu, em Paris, uma escola de danças e fez apresentações em Londres e Nova York.

O Duque retornou ao Brasil em 1915 e fundou uma academia de danças, no ano seguinte excursionou para Montevidéu e Buenos Aires. Atuou também no cinema, sendo protagonista, ao lado de Gaby, no filme Entre a arte e o amor (direção Angle Brazilian), em 1918. Três anos depois voltou a Paris para tomar

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parte num campeonato de danças modernas, e em 1922, no Brasil, se apresentou no elegante cabaré carioca Assírio, com o conjunto Os Oito Batutas.

Imagem nº49- Duque101

Obtendo na época financiamento do milionário Armando Guinle, promoveu a ida de seu conjunto para a França, com o objetivo de divulgar o samba e outros ritmos brasileiros aos franceses, como ele próprio já o fizera com sucesso em relação ao maxixe. Em Paris, o conjunto rebatizado por ele de Les Batutas, apresentou-se com grande êxito no dancing Scheherazade. De volta ao Rio passou a dedicar-se ao jornalismo como cronista teatral. Nessa época, compôs algumas músicas e teve algumas delas gravadas na Odeon por Francisco Alves.

167 3.2.2 Aliança de corpos presentes: a dança do maxixe

O maxixe foi uma dança que recebeu um entrecruzamento de informações de outras danças e ritmos, e por isso, possui cruzamentos híbridos, considerando a multiplicidade étnica formadora do povo brasileiro. Oriundo das camadas populares, especialmente dos negros, teve diálogos culturais com matrizes de danças originárias do lundu, em se tratando da cultura africana. A influência do lundu, repertório da cultura afro-brasileira, segundo Tinhorão (1974:44) deixou “[...] sempre claro que, seu ritmo de acompanhamento básico era o da percussão [...]”. Muito marcante também foi a contribuição da umbigada e da coreografia da dança espanhola do fandango.

Os batuques da cultura africana, os lundus, as umbigadas, dançados na Cidade Nova, onde esta linguagem expressiva enquanto dança foi paulatinamente se firmando e se ressignificando, caracterizava-se pela agilidade dos pés, que expressavam marcação e sapateados oriundos das danças de roda e revelava, no caso das mulheres, uma relação dos pés com o chão, elementos presentes nas danças africanas. Somada à fusão da agilidade dos pés do miudinho dos sapateados daquelas danças de roda à rígida marcação dos três passos básicos da polca, o maxixe foi transformando os movimentos.

Segundo Velloso (2000) a polca, o lundu e o maxixe, eram danças de tradição africana e lentamente foram atingindo a burguesia carioca, nos espaços da gafieira, do cabaret, na Cinelândia e na Praça Tiradentes.

O fato é que a polca dançada pela classe média, de acordo com Tinhorão (1974), trazia em seu bojo o arcabouço dos maneirismos da elite, de contradanças e gavotas, revelando a ambiência da nascente urbanização. O ritmo da polca, nos salões era 2/4 em allegreto, o movimento solicitava intimidade, substituindo os volteios 3/4 da valsa, pelo puladinho, o que, segundo Tinhorão:

Era o movimento de avanço do pé esquerdo, estacando obliquamente para a esquerda, o pé direito avançando até ele, que logo deslizava outra vez para adiante, permitindo ao dançarino de polca levantar o pé direito antes de recomeçar a série de três

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passos novamente com o pé esquerdo [...]. Era um ritmo com mais vivacidade (1974:54).

Outros ritmos também foram informações incorporadas na dança do maxixe, que dançada pelos mestiços, negros e brancos do povo, construiu uma ressignificação nos movimentos, ao acrescentar os requebrados do corpo às danças de salão em voga, como a valsa, a schottisch e a mazurca, ao som dos músicos de choro, que também modificaram e adaptaram as músicas, aos volteios dos passos.

Um processo que foi construindo uma roupagem nacionalizada para dança a partir de vários referenciais, da “presença de novas camadas populares surgidas com o incremento do trabalho livre (a importação de escravos fora proibida em 1850), coincidindo com o surto comercial e industrial resultante da aplicação de antigos capitais negreiros e de novas rendas provenientes da cultura do café” (Tinhorão, 1974:53). Ainda com base em Tinhorão (1974) se entende que o maxixe assumiu esta roupagem nacionalizada a partir de inúmeros referenciais, além das danças de salão estrangeiras que ganham um ritmo brasileiro ao serem executadas pelos músicos de choro, quando descem dos pianos dos salões e atinge outras instâncias populares, especialmente na Cidade Nova, quando a marcação e os movimentos dos lundus, dos batuques afro-brasileiros, das umbigadas, adapta os movimentos das danças de roda, ao ritmo marcado da polca do 2/4, que foi se transformando e se ressignificando, criando novos movimentos, como tiradas de corpo, volteios, braços erguidos, movimento de quadris, entre outros, dando maior liberdade para a dança.

Em relação aos movimentos coreográficos do maxixe, alguns aspectos se destacam: a estilização no enlaçamento dos corpos, os passos chamados de parafuso, balão caindo, cobrinha e corta capim. Estes passos contavam com um movimento vibrante das ancas e dos quadris, tiradas de corpo para o lado, volteios com braço, dando idéia de agilidade, movimentos balouçantes, remexidos, com intensa marcação para os pés.

169 Imagem nº 50 – Embora tenha surgido em meados do século XIX, da fusão da habanera e da polca, o maxixe só é aceito pela elite já no final dos anos 1910.102

Jota Efegê evidencia a prática coreográfica do maxixe, descrita pelo português João Chagas:

Os pares enlaçam-se pelas pernas e pelos braços, apóiam-se pela testa num quanto possível gracioso movimento de marrar e, assim unidos, dão a um tempo três passos para diante e três para trás, com lentidão.

Súbito, circunvolunteiam, guardando sempre o mesmo abraço e, nesse rápido movimento, dobram os corpos para frente e para trás, tanto quanto o permite a solidez dos seus rins; tornam a volutir com rapidez e força, tornam a dobrar-se, e, sempre lentamente, três passos à frente, três passos para trás, vão avançando e retrocedendo, como a quererem possuir-se.

Dança-se com doçura e dança-se com frenesi (Efegê, 1974:51). A coreografia do maxixe revelava então requebros um tanto lascivos e foi impregnada de polêmicas, e permaneceu escandalizando por muito tempo os

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grupos conservadores da sociedade carioca. Os parceiros, reboleando, traduziam o berço desta dança acalentada em sua matriz pelos batuques africanos.

O Teatro de Revista acolheu o maxixe desde o final de meados do século XIX, apesar de ter sido marginalizado pela sociedade carioca, evitada nos salões familiares, esta dança destacava-se junto aos clubes recreativos e sociedades carnavalescas, e nos palcos revisteiros projetou-se também até meados da década de 1920. O maxixe alcançou a cena revisteira, gradativamente.

Ao que parece foi o ator Francisco Correia Vasques, com um certo cuidado para não chocar ou indispor-se com sua platéia, basicamente formada por setores de classe média, dançou-o pela primeira vez, chamando-o pelo nome (provavelmente já o teria feito antes, mas de modo mais simulado). A prevenção contra a “origem baixa” e a “imoralidade” do maxixe era tão pronunciada que foi freqüente tocá-lo ou mesmo dançá-lo sob o nome de polca- tango, “tango brasileiro” (caso da compositora Chiquinha Gonzaga) ou “polca lundu” (caso de Ernesto Nazareth) (Calado,1956:233).

Os elencos no Teatro de Revistas destacavam-se dançando maxixes. Os duos encantavam a cena revisteira e variavam. De acordo com Paiva (1991) o ator-dançarino Pedro Dias dançou maxixes com Otília Amorim; Francisco Alves com Nair Alves e também com Antônia Denegri, em várias peças, entre estas, na Revista Olha o Guedes, de 1924. Aracy Cortes, a grande vedete revisteira das décadas de 1930 e 1940, também dançou maxixes em vários espetáculos, entre estes, na revista A Carioca, de Oscar Lopes, de 1924, Sta na Hora, de Goulart de Andrade, com a Companhia Tro-lo-ló, sendo que em Miss Brasil, de 1928, de Marques Porto e Luiz Peixoto, Aracy Cortes dançou com Palitos, que viria a ser seu marido.

O maxixe abriu alas para outros ritmos despontarem e, conseqüentemente, para as novas danças. Este ritmo perdurou nos espetáculos de revista da década de 1920. Gradativamente foi entrando em decadência, e de acordo com Efegê (1974) foi ficando na memória daqueles que o dançaram, foi cedendo espaço cada vez mais para o samba, e para as demais danças modernas.

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3.3 CHUÁ-CHUÁ: CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS DO MAR: A MÚSICA E A