• Nenhum resultado encontrado

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO E DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO DIGITAL

O glossário da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos (2016, p. 20), do Conselho Nacional de Arquivos (CTDE/CONARQ) define documento arquivístico como “documento produzido (elaborado ou recebido), no curso de uma atividade prática, como instrumento ou resultado de tal atividade, e retido para ação ou referência”.

A autora Rosely Curi Rondinelli em sua obra intitulada “O Documento Arquivístico ante a Realidade Digital: uma revisão conceitual necessária”, publicada em 2013, fez uma análise sobre as definições de “documento arquivístico” e “documento de arquivo” encontradas em obras publicadas nos mais diversos países.

Rondinelli (2013, p. 144), então, faz as seguintes considerações a respeito dos dois termos,

O uso do termo “documento de arquivo” é comum no cenário arquivístico dos países de língua latina, entre os quais o Brasil. Já o termo documento arquivístico (archival document ou record) é próprio dos países de língua inglesa. [...] Ocorre, porém, que, no nosso entendimento, o adjetivo “arquivístico” identifica mais adequadamente a entidade em questão, à medida que lhe atribui uma qualidade: a entidade arquivística. [...] porque é produzida ou recebida no decorrer das atividades de uma pessoa física ou jurídica. Já o termo “documento de arquivo” possui uma conotação de lugar: o documento está no arquivo. [...] No nosso entendimento, ambos estão corretos; apenas consideramos o segundo mais preciso na identificação do objeto da arquivologia.

Rondinelli (2013, p. 226), também, destaca algumas características específicas dos documentos arquivísticos, como a naturalidade, a imparcialidade, a organicidade, a unicidade e a autenticidade,

Os documentos arquivísticos surgem naturalmente no decorrer das atividades de uma pessoa física ou jurídica, como decorrência normal do ato de se registrarem essas atividades. Desse registro espontâneo resulta uma promessa de imparcialidade

dos documentos, bem como um vínculo entre eles. Tal vínculo se traduz na relação orgânica que cada documento tem um com o outro e no fato de o conjunto documental daí resultante ser dotado de organicidade. Como se trata de documentar atividades, cada documento é único no seu conjunto, pois ali desempenha função específica. Finalmente, a submissão desses documentos a procedimentos arquivísticos ininterruptos de gestão e de preservação garante a autenticidade.

Os documentos arquivísticos registram e apoiam as atividades de uma instituição e servem, também, de evidência dessas atividades. Para creditar-lhes valor probatório é necessário assegurar suas qualidades, particularmente, a relação orgânica e a autenticidade (ROCHA, 2015, p. 188).

Bellotto (2004, p. 120), igualmente, destaca a importância dos valores primário e secundário dos documentos arquivísticos:

[...] o valor primário como “o estabelecido em função do interesse que o documento possa ter para a entidade que o produziu e/ou acumulou”; e o valor secundário como “o estabelecido em função do grau de interesse que venha a ser pela pesquisa histórica”. Para averiguar o valor primário é preciso verificar se o documento é necessário para o cumprimento das atribuições e para o desempenho das funções da entidade produtora/acumuladora. Essa necessidade pode manifestar-se pelos valores administrativo, jurídico e fiscal.

Romero (1994, p. 108 apud RODRIGUEZ BRAVO, 2002, p. 145) explica os valores administrativo, contábil, fiscal, legal e histórico-cultural do documento arquivístico:

El documento de archivo nació como una herramienta de la administración que valía para mantener informada la continuidad de gestión o “continuidad administrativa”, a pesar del cambio natural de sucesivos gestores (valor administrativo); para servir de recaudo a la justificación de unas cuentas y un presupuesto financiero (valor contable); para mostrar cómo se obtiene, cómo se asigna, cómo se gasta y cómo se justifican los tributos públicos (valor fiscal); para tener referencias sobre personas, lugares y assuntos en un caso necessario (valor informativo); para salvaguardar derechos y obligaciones de patrimonios, derechos y rentas (valor jurídico); para cumplir las exigencias de una ley (valor legal), y para reconstruir y revisar el passado (valor histórico-cultural).

Desde meados dos anos de 1970, a informática não cessou de fazer progressos e estabeleceu-se em todas as atividades humanas, tornando-se comum, deixando o simples tratamento de dados para dominar, também, a criação de documentos (DELMAS, 2015, p. 43- 44).

Nos anos de 1990, década em que surgiram as redes de comunicação entre computadores pelo avanço das telecomunicações e a interconexão das máquinas por meio da Internet (DELMAS, 2015, p. 44), foi o período em que Luciana Duranti iniciou o Projeto InterPares.

Na ótica de Rondinelli (2013, p. 233), este projeto resultou numa literatura de grande consistência epistemológica,

O projeto InterPares tem por objetivo desenvolver o conhecimento essencial para a preservação permanente de documentos arquivísticos autênticos produzidos e/ou mantidos em meio digital. Iniciado em 1999, já concluiu duas fases: o InterPares 1, desenvolvido entre 1999 e 2001, e o InterPares 2, que se estendeu de 2002 a 2007. A terceira etapa, InterPares 3, foi iniciada em 2007 e concluída em 2012.

O projeto foi precedido por outro intitulado A Proteção da Integridade de Documentos Arquivísticos Eletrônicos, desenvolvido entre os anos de 1994 e 1997, o qual, por sua vez, teve sua origem nos estudos e artigos de Duranti [...]. Os dois projetos, elaborados com base na associação dos fundamentos da arquivologia com os da diplomática, resultaram numa literatura de grande consistência epistemológica [...].

O glossário desenvolvido pela CTDE/CONARQ (2016, p. 21), conceitua documento arquivístico digital como “documento digital reconhecido e tratado como um documento arquivístico”.

Rondinelli (2013, p. 235) esclarece que, do ponto de vista da diplomática, o documento digital tem como características: “forma fixa, conteúdo estável, relação orgânica, contexto identificável, ação e o envolvimento de cinco pessoas, autor, redator, destinatário, originador e produtor”, conforme segue:

- O documento arquivístico deve ter fixidez que é a qualidade que lhe assegura forma fixa e conteúdo estável. A forma fixa significa que o documento deve manter a mesma apresentação de quando foi salvo pela primeira vez, enquanto que o conteúdo estável se refere ao documento que permanece completo e inalterado.

- A relação orgânica é o vínculo arquivístico que se dá entre os documentos nos chamados ambientes híbridos, ou seja, abrange tanto os documentos digitais quanto os não digitais;

- O conteúdo identificável se refere à hierarquia de estruturas no qual se dá a produção e gestão: o produtor, o autor, o destinatário, a data;

- A ação refere-se ao fato do documento arquivístico participar de uma ação ou apoiá- la;

- Para o processo de criação dos documentos, 5 (cinco) pessoas estão envolvidas: o autor, o redator, o destinatário, o originador e o produtor.

A autora explica que as características aqui apresentadas se aplicam aos documentos arquivísticos digitais e analógicos, segundo pressupostos da diplomática e da arquivologia. Sendo que, com base exclusivamente na diplomática, entende-se que esses documentos são constituídos de determinadas partes: forma documental, anotações, contexto, suporte, atributos e componentes, sendo que esses últimos se relacionam, apenas, aos documentos digitais (RONDINELLI, 2013, p. 237).

Assim, as partes constituintes do documento arquivístico, segundo a diplomática são: forma documental, anotações, contexto, suporte, atributos e componentes digitais.

Na visão de Duranti e Preston (2008 p. 811 apud RONDINELLI, 2013, p. 237), a forma documental, composta por elementos intrínsecos e extrínsecos, são “regras de representação de acordo com as quais o conteúdo de um documento arquivístico, seu contexto administrativo e documental, e sua autoridade são comunicados”.

Os elementos intrínsecos estão relacionados à ação do qual o documento arquivístico participa, contexto que o cerca, as 5 (cinco) pessoas envolvidas, ou ao menos 3 (três) delas, descrição da ação, assunto, atestação do documento, data cronológica e data tópica (MACNEIL, 2000; DURANTI e THIBODEAU apud RONDINELLI, 2013, p. 237).

Os elementos extrínsecos estão relacionados à aparência do documento arquivístico: características de apresentação geral (texto, imagem, som, gráfico); características de apresentação específica (layout, hiperlink, cor, resolução de arquivo de imagem, escala de mapa, sinal de indicação de anexo); assinatura eletrônica (a assinatura digital); sinais especiais (marca d´água, logomarca) (DURANTI e THIBODEAU, 2008; DURANTI, 2005 apud RONDINELLI, 2013, p. 238).

As anotações são “acréscimos feitos ao documento arquivístico após sua produção” (DURANTI e THIBODEAU, 2008, p. 409 apud RONDINELLI, 2013, p. 238).

O contexto é caracterizado como o “ambiente em que ocorre a ação registrada no documento” (CTDE, 2010 apud RONDINELLI, 2013, p. 238). Os contextos podem ser: jurídico-administrativo (relacionado à legislação interna e externa que controlam a condução

das atividades da instituição produtora); de proveniência (que se referem aos organogramas, regimentos e regulamentos da instituição produtora); de procedimentos (que se referem às normas internas que regulam a criação, tramitação, uso e arquivamento dos documentos da instituição); contexto documental (refere-se ao código de classificação, guias, índices e outros instrumentos que situam o documento dentro do conjunto a que pertence – o fundo); tecnológico (que se refere ao ambiente tecnológico que envolve o documento) (CTDE, 2010 apud RONDINELLI, 2013, p. 239).

O suporte, segundo a Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos (2010 apud RONDINELLI, 2013, p. 239), “é a base física sobre a qual a informação está registrada”.

O atributo do documento arquivístico digital trata-se de uma “característica definidora do documento arquivístico ou de seu elemento (DURANTI e PRESTON, 2008, p. 832, RONDINELLI, 2013, p. 240). Então, são considerados atributos: nome do autor, do destinatário, formato, direitos autorais etc. Os atributos podem estar expressos em metadados (RONDINELLI, 2013, p. 243).

Os componentes digitais são os dados de forma (aparência do documento), de conteúdo (teor do documento) e de composição (DURANTI e THIBODEAU, 2008; DURANTI, 2009b, 2010 apud RONDINELLI, 2013, p. 242).

A variabilidade limitada é entendida como uma variação da forma e do conteúdo do documento que não compromete o seu caráter arquivístico à medida que sejam implementadas regras fixas. Isso significa que essa variação é intencionada pelo autor do documento (RONDINELLI, 2013, p. 249-250).

Rondinelli (2013, p. 266) faz alguns esclarecimentos sobre o conceito de variabilidade limitada,

o conceito de variabilidade limitada, no qual se insere a questão da forma fixa e do conteúdo estável, é eminentemente arquivístico, tendo sido formulado a partir das pesquisas do Projeto InterPares, no âmbito dos estudos sobre documentos arquivísticos digitais. Nesse conceito faz-se a diferenciação entre documento e informação, entre documento arquivístico digital e informação digital.

Resumindo: um objeto digital dotado de características diplomáticas de forma fixa e conteúdo estável constitui documento, e não dado ou informação; um documento digital produzido no decorrer de atividades desempenhadas por pessoas físicas ou jurídicas, e cuja análise diplomática demonstra que, além das características de forma fixa e conteúdo estável, as demais – relação orgânica, contexto identificável, ação, e cinco pessoas (autor, redator, destinatário, originador e produtor), ou ao menos as três primeiras – também se fazem presentes, é documento arquivístico, e como tal, deverá ser submetido aos procedimentos de gestão e preservação preconizados pela arquivologia.

No entendimento de Rondinelli (2013, p. 248), a classificação dos documentos digitais demonstra que, “a questão da forma fixa e do conteúdo estável assume certo ‘dinamismo’ bastante coerente com o ambiente digital”, de acordo com o Quadro 1.

Quadro 1 – Classificação dos Documentos Digitais