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iGreJA cAtÓlicA, eDUcAÇÃo e DiversiDADe: Dos eventos

3.1 Documentos da doutrina social da igreja

De acordo com Cury (1991 apud LEMOS 2001, p. 11), a Igreja Ca- tólica, com o objetivo de defender suas concepções, sempre se colocou

no local de legítima agência de transmissão de valores por intermédio da educação e com força suficiente para fazer valer seus princípios no campo educativo, afirmando-se como lugar de educabilidade dos povos, nações, grupos sociais e indivíduos. A Igreja Católica, de acordo com a análise de Cury, é uma realidade histórica presente e atuante, que apre- senta em sua dinâmica interna contradições e tensionamentos entre ho- mogeneidade/heterogeneidade, tornando essa realidade mais expressiva a partir do Concílio Vaticano II.

A doutrina social impele todos os fiéis católicos a atuarem em prol de uma sociedade mais justa e procura refletir sobre questões sociais prementes, que acabam por afetar todos os cidadãos, pois são provenien- tes do processo de desenvolvimento da industrialização, que de uma forma ou de outra comprometem a estrutura social. Existe uma com- posição de temas diversos em que busca incidir, tais como: missão da igreja, ação eclesial, trabalho humano, meio ambiente, promoção da paz, política, economia, família, propriedade privada e outros. Em face dessa realidade, diversas encíclicas pontifícias são elaboradas com o intuito de dar sustentação à doutrina social, sendo a Rerum Novarum a primeira escrita em 1891 pelo Papa Leão XIII.

Com efeito, a encíclica de Pio XII, Divinus Illius Magistri (1929), é a que mais evidencia a relação entre educação e igreja. De acordo com Lemos (2001, p. 13), esse documento afirma que a educação só pode ser perfeita se for cristã, uma vez que a perfeição está em Deus e no que Dele emana e considera a educação como uma obra social que abarca três tipos de intervenções: da família, da sociedade civil e da Igreja. Assim, a Igreja imputa a si mesma o direito de acautelar-se pela educação, seja pública ou privada, estendendo-se a todos os povos, sem restrições. Essa encíclica afirma, como ambientes propícios à ação educativa, a família e a Igreja, que possuem como espaço complementar a escola, portanto elas devem estar juntas e harmonizadas. O documento refuta o concei- to de uma educação laica, neutra e também de uma escola mista, por constituir-se em empecilhos à formação integral cristã. A Igreja cobra do Estado o respeito à pluralidade e à liberdade de escolha da família pela educação de seus filhos, devendo ele, também, garantir condições favoráveis à obra educativa da Igreja, uma vez que não consegue oferecer a educação pública adequada (LEMOS, 2001, p. 14).

A encíclica Mater et Magistra, de 1961, traz como tema central o processo de socialização. Segundo Lemos (2001, p. 15), o conflito ge- rado pela dinâmica da luta de classes ganhou contornos mundiais, ma- nifestando-se no tensionamento entre sociedades subdesenvolvidas e desenvolvidas. Esse documento revela a consciência do Papa João XXIII dos problemas sociais vinculados às questões de base econômica. O ser humano é visto como fundamento, causa e fim último, de toda institui- ção social, e a educação é abordada nessa encíclica como estratégia de conformação aos ensinamentos da Igreja, tanto sobre o domínio social como econômico.

Uma doutrina social não se enuncia apenas, mas aplica- se na prática, em termos concretos. Isto vale sobretudo, quando se trata da doutrina social cristã, cuja luz é a verda- de, cujo fim é a justiça. A educação cristã deve ser integral, compreender a totalidade dos deveres. Há de fazer nascer e fortificar nas almas a consciência de terem de exercer cristãmente as atividades de natureza econômica e social. (MATER MAGISTRA nº 225 e 227)

As reflexões promovidas por essa encíclica são aprofundadas no Concílio Vaticano II, que conduz mudanças radicais no interior da Igre- ja. A questão da pobreza torna-se central para a instituição eclesial, pois certifica a divisão da sociedade entre ricos e pobres, entretanto, as solu- ções apresentadas vão ao encontro da perspectiva assistencialista e pa- ternalista, que não realizam o enfrentamento do sistema capitalista.

O Concílio Vaticano II, tendo investigado mais profunda- mente o mistério da Igreja, não hesita agora em dirigir a sua palavra, não já apenas aos filhos da Igreja e a quantos invo- cam o nome de Cristo, mas a todos os homens. Deseja ex- por-lhes o seu modo de conceber a presença e atividade da Igreja no mundo de hoje. (GAUDIUM ET SPES, 2011, p. 7)

Dois documentos são elaborados pelo Concílio Vaticanos II, a Cons- tituição Pastoral Gaudium et Spes (sobre a Igreja no mundo hoje) e a declaração a respeito da educação cristã Gravissimum Educationis. A en- cíclica Gaudium et Spes (1965) se baseia nas questões relacionadas ao

homem, à sociedade e à história, ao aprofundar a discussão das desigual- dades sociais. No capítulo “A conveniente promoção do progresso cul- tural”, consta a definição do conceito de cultura que confirma o quanto essa dimensão passa a ser refletida pelo Concílio.

A palavra “cultura” indica, em geral, todas as coisas por meio das quais o homem apura e desenvolve as múltiplas capacidades do seu espírito e do seu corpo; se esforça por dominar, pelo estudo e pelo trabalho, o próprio mundo; torna mais humana, com o progresso dos costumes e das instituições, a vida social, quer na família quer na comuni- dade civil; e, finalmente, no decorrer do tempo, exprime, comunica aos outros e conserva nas suas obras, para que sejam de proveito a muitos e até à inteira humanidade, as suas grandes experiências espirituais e aspirações. Daqui se segue que a cultura humana implica necessariamente um aspecto histórico e social e que o termo “cultura” as- sume frequentemente um sentido sociológico e etnológi- co. É nesse sentido que se fala da pluralidade das culturas. (GAUDIUM ET SPES, 2011, p. 75)

A situação da cultura é compreendida a partir da sociedade atual, a despeito das condições de vida do homem moderno. No contexto da industrialização e urbanização, têm-se novas formas de viver, e os va- lores tornam-se cada vez mais uniformes, o que afeta a forma de vida das pessoas. A encíclica salienta que as expressões culturais de todos os segmentos sociais que compõem uma nação devem ser preservadas pelo Estado, não devendo se apropriar delas. A cultura é posicionada como exercício de liberdade e autonomia, pois, por meio dela, é possível liber- tar o homem da ignorância. Chama atenção no documento a parte em que há a convocação dos cristãos em relação à dimensão da cultura, tra- ta-se de assumir uma posição reveladora de respeito e reconhecimento da diversidade cultural contra qualquer forma de discriminação social:

Dado que hoje há a possibilidade de libertar muitos homens da miséria da ignorância, é dever muito próprio do nosso tempo, principalmente, para os cristãos, trabalhar energi- camente para que, tanto no campo econômico como po- lítico, no nacional como no internacional, se estabeleçam

os princípios fundamentais segundo os quais se reconheça e se atue em toda a parte, efetivamente, o direito de todos à cultura correspondente à dignidade humana, sem discri- minação de raças, sexo, nação, religião ou situação social. (GAUDIUM ET SPES, 2011, p. 83)

A encíclica Gaudium et Spes destaca o quanto a Igreja passa a se in- terrogar sobre sua presença e atuação no mundo. Segundo Lemos (2001, p. 18), o avanço não é tanto no campo da concepção da proposta educa- tiva, mas se trata de como a instituição pode contribuir para a constru- ção da sociedade contemporânea, o que representa os novos ares trazi- dos pelo Concílio Vaticano II que refletirão nas conferências episcopais subsequentes.

A declaração Gravissimum Educationis (1965), produzido pelo Con- cílio Vaticano II, elucida de forma mais aprofundada o papel da Igre- ja na esfera educativa, acentua a importância da educação na vida do ser humano e o quanto influencia o progresso da sociedade, além de acrescentar a urgência em educar jovens e adultos para acompanharem as exigências advindas do desenvolvimento econômico. Constata-se no documento o exercício de uma prática educativa que leve em conta o ser humano como um todo, sem distinção de qualquer ordem.

Todos os homens, de qualquer estirpe, condição e idade, visto gozarem da dignidade de pessoa, têm direito inalie- nável a uma educação correspondente ao próprio fim, aco- modada à própria índole, sexo, cultura e tradições pátrias, e, ao mesmo tempo, aberta ao consórcio fraterno com os outros povos para favorecer a verdadeira unidade e paz na terra. A verdadeira educação, porém, pretende a formação da pessoa humana em ordem ao seu fim último e, ao mes- mo tempo, ao bem das sociedades de que o homem é mem- bro e em cujas responsabilidades, uma vez adulto, tomará parte. (GRAVISSIMUM EDUCATIONIS, 1965, p. 3)

A compreensão da verdadeira educação é explicitada nesse docu- mento como um direito inalienável e aberto a todas as pessoas, portanto destaca a necessidade de sua universalização. Ademais, evidencia o índi- ce elevado de crianças fora da escola e a qualidade duvidosa da educação oferecida pelo Estado. Sendo dever da família, não exime a sociedade

em contribuir e dar suporte no processo educativo, sendo a educação escolar compreendida como instrumento capaz de aprimorar as aptidões intelectuais e desenvolver a capacidade de julgamento dos estudantes, oferecendo-lhes uma base sólida de valores e também a preparação para o mundo do trabalho.

Entre todos os meios de educação, tem especial impor- tância a escola, que, em virtude da sua missão, enquanto cultiva atentamente as faculdades intelectuais, desenvolve a capacidade de julgar retamente, introduz no patrimônio cultural adquirido pelas gerações passadas, promove o sentido dos valores, prepara a vida profissional, e criando entre alunos de índole e condição diferentes um convívio amigável, favorece a disposição à compreensão mútua; além disso, constitui como que um centro em cuja ope- rosidade e progresso devem tomar parte, juntamente, as famílias, os professores, os vários agrupamentos que pro- movem a vida cultural, cívica e religiosa, a sociedade civil e toda a comunidade humana. (GRAVISSIMUM EDUCA- TIONIS, 1965, p. 7)

A educação, a partir das definições dos documentos descritos (En- cíclica, declaração e Concílio Vaticano II), passa por questões colocadas à Igreja pela sociedade contemporânea, isto é, os avanços da ciência e tecnologia provocam novas formas de ser da Igreja no mundo. Como consequência, afirma seu papel a partir de uma educação que acredita poder oferecer e, ao mesmo tempo, chama para si a responsabilidade no desenvolvimento de uma proposta educativa consonante com os princí- pios e valores da educação católica. Nessa medida, trata-se de uma edu- cação que promova a construção do homem integral, com forte alusão ao compromisso dos cidadãos com a capacidade de transformação da realidade social, tornando-a mais justa e fraterna, ao mesmo tempo em que afirma a necessidade de considerar as diferenças culturais.

3.2 Documentos episcopais de medellín, Puebla, santo