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As iniciativas de militantes negros na igreja: GrUcon, Agentes de Pastoral negros e a Pastoral

iGreJA cAtÓlicA, eDUcAÇÃo e DiversiDADe: Dos eventos

3.4 movimento negro e igreja católica

3.4.1 As iniciativas de militantes negros na igreja: GrUcon, Agentes de Pastoral negros e a Pastoral

Afro-Brasileira

Como reflexo da ação militante de negros católicos, ocorreu a cria- ção do Grupo União e Consciência Negra (GRUCON) e dos Agentes de Pastoral Negros (APNs), sendo que a Pastoral Afro-Brasileira foi uma iniciativa institucional, nesse caso, criada pela CNBB. O GRUCON surge antes dos APNs, porém ambos apresentam objetivos equivalentes, sen- do frutos de uma mesma situação histórica e pertencentes às correntes ideológicas do Movimento Negro. De maneira geral, os dois grupos gi- ravam em torno de determinados objetivos, como conscientizar o negro da realidade social que o discrimina; unir a população negra que se apre- sentava dispersa na luta por direitos sociais; buscar recuperar o sentido e memória das raízes de origem africana; lutar por dignidade e espaço na esfera pública e no contexto político nacional. Aos Agentes de Pas- toral Negros foi acrescido o objetivo de afirmar dentro do cristianismo o espaço do negro e sua forma legítima e própria de expressão de sua fé (VALENTE, 1994a, p. 94).

A criação do GRUCON ocorreu no I Encontro Nacional de Negros que tinham vinculação com a prática religiosa, com a presença, naquele momento, de 14 estados representados e que haviam formado grupos de consciência negra. Definiram-se o nome do grupo e cinco princípios norteadores de suas ações:

1. O objetivo principal dos grupos de base é a união dos negros e sua conscientização;

2. Devem ser formados a partir do dado da raça e não do credo ou da ideologia político-partidária;

3. O contato com os cultos afro-brasileiros devem ser feitos com respeito e não trazer as pessoas que frequentam esses cultos para os grupos como objetos de folclore;

4. Devem lutar ao lado de outros movimentos populares: sindicatos, clube de mães, CEBs, CPT (Comissão Pastoral da Terra), CPO (Comissão da Pastoral Operária), associações de: empregadas domésticas, bairro, rurais, saúde, etc.

se para ver a situação do negro a partir do dado da fé, dentro da luta do povo. Devem ainda fazer contato com outros gru- pos além de suas reuniões internas;

6. Sempre que necessário e possível serão assessorados por estudiosos da cultura afro-brasileira negros ou não negros. (SANTOS, 1991, p. 42)

Os princípios nos quais tiveram acento a ação dos militantes do GRUCON expressam a capacidade de estabelecer o diálogo com outros segmentos, por meio do contato e troca de experiência com os movi- mentos sociais e assessoria sobre a cultura afro-brasileira.

O GRUCON passou a realizar encontros, publicar boletins de alcan- ce nacional, levando sua mensagem a todos os locais onde pudessem ser encontrados os setores progressistas da Igreja. Segundo Frei David14, di-

versos seminários sobre o negro no Brasil foram financiados pela CNBB, inclusive as grandes assembleias do grupo (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 170). O GRUCON é uma organização de âmbito nacional, com repre- sentações em Brasília e em 11 Estados da Federação: Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Espírito Santo; possui diretoria execu- tiva eleita por Assembleia Geral Ordinária; é composta por Presidente, Vice-Presidente, 1º e 2º Secretários, 1º e 2º Tesoureiros, Relações Públi- cas e seus respectivos Suplentes. Tal estrutura organizativa possibilita manter a coordenação entre a esfera nacional e os Estados, de modo a garantir estrategicamente o processo de união e consciência dos negros para assim confrontar a conjuntura política, econômica, cultural, social e religiosa, promotora da exclusão racial e social dos negros (BARBOSA, 2011, p. 99). Com essa configuração, o grupo obteve seu registro como entidade da sociedade civil.

Em 1981, ocorreu a dissidência do GRUCON, optou-se por sua inde- pendência em relação à Igreja Católica, que reconhecia o grupo como seu primeiro interlocutor no que se referia à questão racial. De modo geral, a razão foi que o trabalho pastoral poderia ser entendido pelos negros como

14 Frei Franciscano participou da formação do GRUCON e dos APNs. Desenvolveu trabalho na

Baixada Fluminense/RJ, onde criou, no início de 1990, o Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) e, no final do mesmo ano, o Educação e Cidadania dos Afrodescendentes – Educafro (AL- BERTI; PEREIRA, 2007, p. 23).

forma de cooptação e também por limitar a presença de não negros, enquanto alguns membros desejavam realizar um trabalho com carac- terística cristã. Análise realizada por Santos (1991, p. 45) aponta que mesmo o GRUCON, tendo por estratégia política o trabalho de base, não logrou resultado na prática, o “grupo-base” não conseguiu ultrapassar os limites do discurso e alcançar sua concretude na realidade. As ações não tiveram o entendimento suficiente no sentido de conformar o perfil nacional do grupo.

A luta tem sido norteada por um discurso que retrata uma indignação ética frente ao racismo e a situação social do negro brasileiro, enquanto a luta específica compreende a passagem da indignação ética para a racionalidade ética (SANTOS, 1991, p. 45).

Em que pese tal dissidência, o GRUCON e os APNs, em conjunto, exerceram papel importante na disseminação das novas características do Movimento Negro, tanto nas grandes cidades, quanto nas regiões em que entidades negras ainda não tinham conseguido se firmar (PEREIRA, 2008, p. 105).

Os Agentes de Pastoral Negros se organizaram no seio da Igreja Católica, contando com clérigos, leigos, mas não se restringiam a esse grupo, pois representantes de outras denominações religiosas compu- nham suas fileiras, preocupados com o resgate histórico da dignidade da população afro-brasileira. A proposta de atuação dos APNs promoveu renovação da consciência e do reconhecimento da identidade negra no conjunto da sociedade brasileira, especialmente no seio da instituição religiosa de que são parte, a Igreja Católica (SANCHIS, 2006, p. 2). O grupo propõe a criação de uma liturgia afro-brasileira em seus rituais, como as missas afro, capazes de trazerem diversos elementos da religio- sidade de matriz africana, tal como o candomblé e a umbanda.

O grupo contou com o apoio da Igreja e em um curto espaço de tempo já apresentava uma estrutura de caráter nacional, com um organismo central denominado por Quilombo Central – com sede própria, registrado – e presença em quase todos os estados brasileiros (VALENTE, 1994a, p. 106).

No aspecto da inculturação religiosa, o Movimento Negro Unificado (MNU) faz sua crítica aos APNs, ao avaliarem essa incorporação de ele- mentos culturais africanos com bastante desconfiança, pois a Igreja foi uma instituição que legitimou a escravidão no Brasil e também porque elabora e pratica um discurso de cooptação das camadas populares em favor das mais diversas formas de exploração do capital. O GRUCON também foi alvo de críticas por parte do MNU, que olhava com reserva um grupo de origem eclesial, uma vez que seus membros se assumiam como marxista-leninistas e ateus (SANTOS, 1991, p. 49). Outro aspec- to relativo à questão da inculturação, uma vez incorporados elementos das religiões de matriz africana em suas liturgias, desconsiderava-se seu simbolismo dentro da estrutura de suas religiões de origem, além de não levar em conta que esses símbolos representavam formas de resistência negra diante de uma religião hegemônica (VALENTE, 1994b, p. 46).

Em um dos encontros nacionais do grupo, foram discutidos alguns critérios para os Agentes de Pastoral Negros.

1. Os Agentes de Pastoral Negros são pessoas engajadas que exercem atividades voltadas para a comunidade negra; 2. A partir da própria identidade de fé, o agente de pastoral negro se une a todas as instituições e movimentos negros que lutam pela mesma causa;

3. O trabalho dos Agentes de Pastoral Negros, não indivi- dualmente, mas enquanto tais, não estarão vinculados a nenhuma política partidária;

4. Os Agentes de Pastoral Negros se empenharão em co- laborar com a unidade da comunidade negra, sem nenhu- ma preocupação de fazer adeptos religiosos. (VALENTE, 1994a, p. 98)

O grupo utilizava metodologias de trabalho desenvolvidas pela Igre- ja Católica, especificamente o método ver-julgar-agir, por meio das Co- munidades Eclesiais de Base (CEBs) que surgem embaladas pela ideolo- gia da Teologia da Libertação. As CEBs não possuem definição fechada, mas podem ser compreendidas como um movimento com base popular, que procura dar à religião o sentido de solidariedade com uma prática religiosa prenhe da realidade do povo. É o sentimento de “ser de dentro”

como forma de enfrentar “os de fora”, um lugar de luta por melhores condições de vida para todos (VALENTE, 1994b, p. 40).

A caminhada dos APNs, não ocorreu sem grandes percalços, iden- tificam-se dois pontos de tensionamentos de ordens: um de caráter in- terno, relativo aos padres que consideravam a questão racial como algo muito específico para ser discutida no interior das CEBs com os fiéis.

Os APNs nasceram dentro da corrente da Teologia da Libertação, mas se distinguindo dela na medida em que esta tendia a reduzir a um nível único – o das classes, ou, mais simplesmente, da pobreza – os conflitos estrutu- rais na sociedade brasileira. Para os APNs, a variável “ne- gro” (utilizam para expressá-la as categorias de “raça” ou de “etnia”), bem como a variável “mulher” – sobretudo quando se somam – criam outras articulações de confli- tos. (SANCHIS, 2006, p. 2)

Outro ponto de tensão consistia no próprio alvo de ação do grupo, os negros, que não conseguiam se sensibilizar pela causa defendida. A alternativa encontrada pelo grupo foi inserir a questão racial nas discus- sões de temas mais abrangentes, realizar abordagens individuais com os negros e convidá-los para os encontros do grupo, para daí poder fazer com que entendessem que havia um problema comum a ser enfrentado.

Mesmo com esses contratempos no percurso, os encontros realiza- dos pelo grupo, desde sua criação, foram apresentando progressivamen- te maior número de participantes, denotando, assim, a ação positiva e efetiva dos APNs. Com o apoio de setores da Igreja, tinham acesso ao material para o desenvolvimento do trabalho, e o grupo, em um espaço curto de tempo, obteve seu registro, com representações em quase todas as capitais brasileiras. Outra forma de apoio que receberam foram as publicações de editoras católicas que discutiam a questão racial em uma linguagem popular.

Os Agentes de Pastoral Negros trazem sua grande contribuição, na medida em que compreendem que os negros devem assumir seu lugar na sociedade como sujeitos históricos, reafirmando positivamente sua identidade étnico-racial, capaz de intervir na realidade social, de modo a lutarem contra as desigualdades.

Os Agentes de Pastoral Negros passaram a atuar nas comu- nidades a partir de uma compreensão teológica em que os empobrecidos, oprimidos e marginalizados foram tornan- do-se sujeitos do processo histórico. Essa condição de su- jeito histórico fez crescer o desejo de participação na vida eclesial e recriou formas de atuação. Em outras palavras, tornou a Igreja, em determinadas realidades, mais viva, mais alegre e mais festiva. Propiciou um encontro com um Deus que se fez um com o povo negro. Tal percepção ficou evidenciada nos cantos e na dança, nos quais a presença negra passou a ser percebida, e um Deus próximo ao negro passou a ser revelado. (ROCHA, 2010, p. 215)

O canto e a dança configuram-se como vigorosos canais de expres- são da presença negra na igreja, principalmente os cantos, que se tornam instrumento no processo de desconstrução da imagem negativa do ne- gro para a construção de uma imagem positiva. As celebrações evocam uma igreja viva, com cantos de esperança e um convite a Deus.

O Deus que, em nosso meio, vem se manifestando é para nós um acontecimento salvífico. O Deus presença que nós negros vamos descobrindo aparece embrulhado, misturado nas nossas coisas, no nosso jeito de ser negros e negras. Por isso Ele é na dança, no canto, na festa, na alegria, na luta e na garra. Então, quando cantamos, cantamos o Deus da nossa esperança; quando dançamos, dançamos o Deus da nossa esperança; quando lutamos, lutamos de braços dados com o Deus da nossa esperança. (ROCHA, 1994, p. 23)

O ano de 1988 foi emblemático na caminhada dos APNs dentro da Igreja, pois o grupo defendeu e logrou êxito ao propor e negociar com a CNBB o tema “Fraternidade e o Negro”, para a Campanha da Frater- nidade (CF/88). O tema da questão negra já vinha sendo negociado por meio da mobilização dos APNs, internamente, desde 1986, e deve-se considerar também que, em 1988, completaria os cem anos de abolição da escravatura, o que pesou na decisão da instituição eclesial. Se, por um lado, trata-se de um avanço na questão racial dentro da Igreja, por outro, demonstra a dificuldade de lidar com uma questão tão polêmica. A resis- tência da CNBB pode ser constatada ao orientar para a estadualização da

campanha, pois as arquidioceses e dioceses possuem alguma autonomia na forma de desenvolver os temas propostos. Na prática, o tema recebeu tratamento diferenciado em cada estado, com tendência clara em neu- tralizar a discussão da questão negra (VALENTE, 1994a, p. 133-134).

A título de esclarecimento, a Campanha da Fraternidade é realizada anualmente pela Igreja Católica Apostólica no Brasil, sempre no perío- do da Quaresma. Seu objetivo é despertar a solidariedade dos fiéis e da sociedade em relação a um problema concreto, que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos para sua solução. A cada ano é escolhido um tema, que define a realidade concreta a ser transformada, e um lema, que explicita em que direção se busca essa transformação. A campanha é coordenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no sentido de renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja Católica na evangelização e na promoção humana, tendo em vista uma sociedade justa e solidária.

O texto-base da Campanha foi dividido em três partes, sendo que o tema teve por ancoragem as dimensões do método ver-julgar-agir. Na introdução, foi explicitado que o tema da campanha, a questão do negro, não seria discutido de forma isolada, mas agregaria outros segmentos marginalizados da sociedade. Nessa parte, também foi abordado o cente- nário da abolição do trabalho escravo e o reconhecimento de que a Igreja não tratou da situação do negro com a “devida atenção evangelizadora e libertadora”.

A primeira parte (Ver) trata da situação vivida pelos negros naqueles dias, um balanço histórico referente à herança do período escravocrata. É considerado o papel exercido pela Igreja, que mesmo tendo justificado de forma prática, espiritual e teórica, ainda assim teve, em seu meio, alguns que condenaram a escravidão.

Na segunda parte (Julgar), citam-se algumas passagens do Novo e Antigo Testamento, de modo a dar aporte teológico para compreender a situação de marginalização e discriminação dos negros à luz da Palavra de Deus. Essa parte é finalizada com a retrospectiva do processo históri- co iniciado pela Igreja em relação às questões sociais que desembocaram na opção preferencial pelos pobres.

A terceira parte (Agir) traz as formas de ação concreta que conduzam à libertação do processo de exclusão dos negros. O reconhecimento da

culpa da Igreja na parte que lhe cabe ao justificar a escravidão; introdu- ção de elementos de matriz africana nas celebrações litúrgicas; incentivo aos APNs e à produção científica com essa temática; superação do racis- mo na própria Igreja; diálogo com as religiões afro-brasileiras. A conclu- são orienta para que o prosseguimento da discussão não ficasse somente circunscrita ao negro, mas que englobasse todos os segmentos excluídos socialmente (VALENTE, 1994a, p. 135).

Valente (1994a, p. 138) registra a fraca divulgação do tema da Cam- panha da Fraternidade/88, o que comprometeu sua ramificação na so- ciedade. A autora aponta que, na mídia, houve pouca veiculação do ví- deo produzido, diferente das campanhas anteriores que tiveram grande cobertura. Assinala, ainda, a importância dos meios de comunicação de massa como formadores de opinião, uma vez na mídia, está presente na vida diária dos cidadãos. Quanto ao material (cartazes e músicas), foi elaborado pela CNBB, que não solicitou aos APNs sua contribuição, o que não impediu o grupo de fazer seu próprio material e trabalhar em sua divulgação. O texto-base, inclusive, precisou ser complementa- do com a produção de um livreto, a fim de oferecer elementos para os padres realizarem a homilia, uma forma de antecipar o quadro de dificul- dades que teriam ao tratar da temática racial.

Com a presença de várias iniciativas de negros católicos no interior da Igreja, a CNBB se vê diante da necessidade de criar uma pastoral específica que atendesse a demanda desses grupos, com isso cria a Pas- toral Afro-Brasileira. De acordo com Oliveira (2011, p. 2), várias fontes que tratam dessa discussão divergem quanto à definição do ano de sua criação. Essa dificuldade é fruto de dois motivos: primeiro porque a ofi- cialização dessa pastoral ocorreu no gabinete da CNBB, no qual havia um grupo de cinco pessoas responsáveis por elaborar subsídios sobre a situação dos afro-brasileiros; segundo essa pastoral é resultado da pre- sença de grupos de militantes negros dentro da Igreja, como Grupo de Consciência Negra (GRUCON) e Agentes de Pastoral Negros (APNs).

Em certa medida, os APNs respondiam a uma expectativa da Igreja, mas, por outro lado, passavam por dificuldades de articulação e mo- bilização, principalmente pelo caráter ecumênico dado às celebrações litúrgicas. Com esse cenário, a CNBB criou a pastoral afro-brasileira, que recebeu apoio de padres e leigos, pois já existia um terreno fértil sendo

trabalhado pelos grupos militantes negros que pressionavam a Igreja a assumir a causa da população negra.

Em um primeiro momento, a Teologia da Libertação, que conferia embasamento às ações da pastoral, cede espaço para uma “teologia do negro”, buscando nas religiões de matriz africana aproximação do “jeito negro de rezar”, entretanto essa aproximação se tornou objeto de rejei- ção por parte da pastoral afro (OLIVEIRA, 2011, p. 5).

O objetivo da Pastoral Afro-Brasileira é realizar a animação pastoral com os grupos negros católicos e também nas comunidades, de modo a vivenciar a Palavra de Deus e, ao mesmo tempo, reafirmar suas culturas. Seu discurso parte da perspectiva na qual apresenta a Igreja Católica como aliada da população negra, capaz de influenciar o tratamento dado aos negros em seu interior. Traduz, assim, a valorização de expressões religiosas/culturais como as Irmandades e Congadas, além de difundir a “missa afro”. Estamos diante, então, do desenvolvimento de uma teolo- gia negra própria.

O movimento de militantes negros na Igreja Católica é fruto de uma confluência de fatores econômicos, sociais e políticos na qual a socieda- de estava imersa. Os documentos aqui apresentados – Concílio Vaticano II (Conferências Episcopais), CNBB (Campanha da Fraternidade) – re- latam como esses eventos refletiram no interior da organização eclesial, cabendo-lhe acertar o passo diante desse contexto de transformações.

A erupção política vivida pelos movimentos sociais, entre eles o mo- vimento negro, proporciona um novo olhar sobre o lugar do negro na sociedade brasileira, sobretudo a reivindicação por direitos iguais, re- conhecimento e valorização da cultura afro-brasileira. Nesse sentido, a mobilização de grupos negros na igreja não acontece de forma descolada desse grande movimento nacional.

Depreende-se que o raciocínio teológico da Igreja está ancorado na perspectiva de uma educação libertadora e, portanto, inclui em suas re- flexões, acerca de sua ação evangelizadora no mundo, elementos que apontam para uma nova forma de “ser Igreja”, isto é, mais próxima das populações marginalizadas. Com efeito, há um percurso histórico dessa mudança, realizando uma análise mais geral, em que se pode perceber as orientações da Igreja indo de um nível macro até o micro. Na dimensão

macro, os documentos conciliares e das conferências episcopais, sendo que, no âmbito local, os documentos da CNBB.

Partindo desse cenário, o terreno para a ação dos militantes negros católicos era fértil. A Campanha da Fraternidade/88 poderia ter se cons- tituído como a materialidade dos documentos produzidos pela Igreja. Em que pese o aspecto positivo da Campanha da Fraternidade/88, ao colocar o debate da questão racial para a sociedade brasileira, os setores eclesiais conservadores esvaziaram a discussão ao retirarem o negro do centro da discussão. Denota a complexidade no trato com a questão ra- cial e as contradições vividas em seu interior.

Nessa direção, o trabalho desenvolvido pelos grupos negros católi- cos é de grande relevância, pois provoca uma instituição secular a rever sua postura histórica frente ao lugar do negro em sua estrutura. O negro