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conformAÇÃo Do ProBlemA DA PesQUisA A PArtir Dos mArcos

1.2 Globalização e diversidade cultural

O contexto global atravessa um período de transformações comple- xas, profundas e aceleradas. Mudanças de variadas ordens estão ocor- rendo no mundo contemporâneo por meio da introdução e penetração de novas tecnologias, das alterações das relações no mundo do trabalho, do incentivo exacerbado ao consumo, das novas tendências culturais, da aceleração no processo de comunicação, de novos desenhos da polí- tica mundial. Enfim, efeitos do fenômeno da globalização, que por sua natureza complexa e imprecisa, envolvem processos e tendências muito diversos que afetam nossa forma de entender o mundo e as ocorrências da vida cotidiana.

Essas mudanças proporcionam conquistas e apresentam avanços, contudo o acesso a essas inovações continua concentrado em determi- nada parcela privilegiada da sociedade. Parte considerável da popula- ção mundial ainda vive em situação de pobreza extrema, refletindo a manutenção da concentração da renda e dos meios de produção. Nessa medida, os benefícios proporcionados por essas inovações não chegam a ser consumidos por essa parcela. Ao contrário, assistimos a um movi- mento de refluxo no qual há o crescimento dos níveis de pobreza mun- dial. Depreende-se desse cenário que, se o processo da globalização por um lado amplia as possibilidades da sociedade em termos das inovações tecnológicas, por outro expõe sua face de exclusão que agudiza as desi- gualdades sociais.

Diante desse quadro, as opiniões se dividem em termos dos efeitos da globalização: de um lado temos aqueles que destacam seus aspectos positivos, como o aumento na abrangência da democracia e a luta pela garantia dos direitos humanos; de outro lado, como negativos, são apon- tados os seguintes fatores: aumento das desigualdades sociais que geram exclusão, desemprego e ausência dos trabalhadores organizados como força política.

A globalização, de acordo com Hall (2006, p. 67), é um complexo de processos e forças de mudança que, por conveniência, recebe essa denominação. O autor traz o argumento de Anthony McGrew (1992) ao afirmar que

a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. (HALL, 2006, p. 67)

O processo de ocorrência dos eventos em escala mundial incide so- bre a construção das identidades culturais, conforme Hall (2006, p. 67- 68). As identidades, nesse contexto, não são fixas e tampouco determi- nadas, apresentam fluidez e não se limitam às fronteiras geográficas; são fragmentadas em diversas outras identidades, tais como: classe, gênero, etnia, raça e nacionalidade.

Esse fenômeno de caráter mundial, que interfere na dimensão eco- nômica, também influencia o campo cultural. Conforme Lopes e San- tos (1997, p. 30-31), a globalização da cultura, com o desenvolvimento dos diversos meios de comunicação, criam grupos que se identificam com o objetivo de tornarem-se consumidores, porém, ao mesmo tempo, ameaçam a afirmação cultural de diferentes grupos sociais. Assinalam, ainda, que se trata de uma estratégia no plano econômico ao buscar homogeneizar culturas diferentes, porém essa ocorrência não se faz sem tensão, uma vez que existe uma tendência de resistência à massificação do consumo, que demanda uma produção que leve em conta a diver- sidade de estilos de vida. Corroborando tal argumento, Valente (1999,

p. 10) afirma que movimentos de reação a essa realidade produtora de desigualdades ocorrem com frequência, com destaque para os conflitos nos campos cultural e racial baseados na dimensão da “diferença”.

As questões suscitadas pela diversidade cultural refletem na esfera educacional, em termos da construção do currículo escolar, da formação dos professores e das práticas pedagógicas. Pode-se, portanto, indagar: qual tipo de cidadão a escola pretende formar? Aquele capaz de conviver positivamente com as diferenças? Cabe à escola formar sujeitos aptos a viverem em um mundo constituído por identidades plurais? Como o processo de constituição das identidades culturais é tratado pela edu- cação privada confessional e seu currículo? Essa pergunta nos provoca compreender como a identidade e a diferença se conformam em nossa sociedade marcada pela diversidade cultural.

Não se pode compreender o ser humano sem levar em conta sua complexa totalidade e considerar a natureza do contato entre socieda- des/grupos que trazem a marca da diferença. Há de se levar em conta o processo histórico na contextualização da diversidade, pois essa di- nâmica engendra as diferenças e a significação simbólica que lhes são atribuídas (GUSMÃO, 2011, p. 35).

Segundo Silva (2011, p. 76), a identidade e a diferença são constru- ídas socialmente e possuem uma relação não de contradição/oposição, mas de complementaridade. Afirma que a identidade não é fixa, homo- gênea e nem definitiva, sendo, sim, a medida em que é uma construção, resultante de uma relação. Como componente de um mesmo contínuo, a diferença também se constitui num processo histórico, ininterrupto e dialético. A identidade e a diferença não são dadas, preexistentes, mas, sim, fruto de uma produção social, sendo criadas e recriadas constante- mente por meio do contato entre diferentes culturas.

Na perspectiva de McLaren (1997, p. 72-73), a lógica da democracia sob o jugo do capitalismo diz respeito à criação de identidades formais que passam a ilusão de conformarem uma identidade, na medida em que apagam as diferenças. Os indivíduos são “desnudados de suas culturas”, com o objetivo de tornarem-se cidadãos puros e transparentes. Nesse processo, as pessoas são dominadas e abandonam suas “identidades po- sitivas”, racial ou étnica, constrói-se a universalidade do dominador, que

cria uma ideia reguladora de cultura. Para McLaren, opera-se com a lógi- ca do “sujeito universalizado branco”, e esse sujeito se autolegitima, na medida em que tem presença hegemônica no mundo. A fim de elucidar essa afirmação, o autor cita Joan Copject (1990, p. 30), utilizando-se do modelo norte-americano, o qual, porém, pode ser tomado para as socie- dades democráticas de forma geral:

A democracia é o quantificador universal através do qual a América do Norte – o “caldeirão”, a “nação dos imigran- tes” – constitui-se enquanto nação. Se todos os nossos cidadãos e cidadãs podem ser considerados norte-ameri- canos, isto não se deve ao fato de dividirmos quaisquer características positivas, mas, ao invés disso, por ter-nos sido dado o direito de nos despirmos destas característi- cas, de nos apresentarmos descorporificados diante da lei, consequentemente eu me torno um cidadão. Esta é a lógi- ca peculiar da democracia. (COPJECT apud MCLAREN, 1997, p. 72-73)

McLaren argumenta sobre a necessidade de as pessoas repensarem as relações entre identidade e diferença, de modo a compreenderem a etnicidade como uma política de localização e de enunciação, ou seja, o sujeito precisa se posicionar para dizer alguma coisa, pois é do lugar de onde se fala que seu discurso ganha legitimidade.

O processo de afirmação da identidade e a marca da diferença estão sempre associados ao ato de incluir e excluir, pois demarca fronteiras e realiza a distinção entre o que fica dentro e o que fica fora. Essa separa- ção reafirma relações de poder e de autoridade, significa classificar e hie- rarquizar o mundo social entre “nós” e “eles”. Afirma McLaren (1997) que a identidade e a diferença dizem respeito à atribuição de sentido ao mundo social e também à disputa e luta em torno dessa atribuição.

Essa classificação entre “nós” e “eles”, que diz respeito às caracterís- ticas da língua e do pensamento ocidental, é denominada por oposições binárias, tais como: branco/preto, bom/ruim, normal/perturbado. Sendo o primeiro termo sempre privilegiado, ele é o termo definidor não só do significado social, mas também de uma hierarquia dependente, isto é, a ideologia dominante faz parecer que o segundo termo, digamos, a parte que se expressa como desprivilegiada, está fora do primeiro termo, e até

mesmo em frontal oposição – porém, McLaren (1997, p. 127-128) afir- ma que um existe dentro do outro, pois se relacionam de forma mútua e recíproca.

Ao tratar da questão do “Outro”, Candau (2008, p. 31) vai nessa mesma direção ao afirmar que os diferentes, muitas vezes, estão perto de nós e até mesmo dentro de nós, mas que normalmente não os ve- mos, não os ouvimos, não os reconhecemos, não os valorizamos e muito menos interagimos com eles. Vivemos em uma sociedade de “apartação social e cultural” que segrega os diferentes em espaços específicos, com crescente construção de barreiras físicas, afetivas e simbólicas.

De acordo com Silva (2011, p. 97), o “Outro cultural”, o diferente é sempre um problema porque coloca em questão a legitimidade de nossa própria identidade. Sendo assim, a questão da identidade, da diferença e do Outro é um problema social, pedagógico e curricular. No primeiro caso, por vivermos em uma sociedade heterogênea, o contato com o diferente é inevitável e, também, porque as crianças e jovens convivem no ambiente escolar com a diferença. Sendo que esse Outro, mesmo na condição de ignorado ou reprimido, retornará à cena social, na condição do conflito, nos campos do confronto e da hostilidade.

As diferenças, de fato, apresentam um repertório de riquezas e pos- sibilidades. No entanto, esse contato produz determinada fricção entre os diferentes segmentos/grupos, por conseguinte não se faz de forma pacífica ou isenta de conflitos, pois as desigualdades sociais configu- ram-se como realidade. Na relação estabelecida com esse Outro, as di- ferenças tornam-se proeminentes, por isso a escola, pública ou privada confessional, tem como desafio considerar as diferenças em suas práticas pedagógicas, em seu currículo e na formação continuada dos docentes, de modo que a convivência e o reconhecimento do Outro sejam uma constante e, ao mesmo tempo, uma garantia da construção de uma cul- tura de paz e harmonia, calcada nos direitos sociais.