• Nenhum resultado encontrado

conformAÇÃo Do ProBlemA DA PesQUisA A PArtir Dos mArcos

1.5 multiculturalismo e educação

Por oposição às políticas universalistas no campo da educação, o multiculturalismo coloca a diversidade cultural como centro de sua ação, a educação multicultural reforça a promoção da equidade educacional, por meio da valorização das diferentes expressões culturais presentes no ambiente escolar. Somado ao trabalho de quebra dos preconceitos em que os “diferentes” são sistematicamente submetidos/vitimados, o intuito é de formar novas gerações no princípio do respeito e abertura à pluralidade cultural.

O multiculturalismo tem por princípio colocar em destaque as di- ferenças, não no sentido do assimilacionismo ou da integração, mas de modo a desvelar o intricado jogo de poder implícito nas relações de dominação e subordinação entre as diversas culturas. Trata-se de com- preender a imposição de uma cultura sobre a outra, por meio de sua des- valorização ou invisibilização, a partir do momento em que é assimilada e agregada à cultura dominante. Esse processo garante a dominação nas formas de ser, pensar e agir dos indivíduos, inclusive gerando sentimen- to de inferioridade e de inadequação, identificado ao longo do processo histórico por parte dos sujeitos de culturas subjugadas.

A origem do multiculturalismo, de acordo com Gonçalves e Silva (2006, p. 17), por mais que ao longo do tempo tenha se tornado globali-

6 Equidade em educação, segundo Gadotti (1992, p. 21), significa igualdade de oportunidades para

todos poderem desenvolver suas potencialidades. “(...) Igual para todos não significa uniformidade cultural monocultural. Educação para todos significa acesso de todos à educação, independentemente de posição social ou econômica, acesso a um conjunto de conhecimentos e habilidades básicas que permitam a cada um desenvolver-se plenamente, levando em conta o que é próprio de cada cultura”.

zado, surge em países em que a diversidade cultural é identificada como um problema de construção de uma unidade social. O multiculturalismo no início de sua manifestação concentrava-se nas reivindicações de gru- pos étnicos, porém, na segunda metade do século XX, outras minorias/ grupos culturalmente dominados agregaram-se a esse movimento, por intermédio de organizações políticas que lutaram por reconhecimento de seus direitos civis.

Nessa direção, torna-se proeminente esse movimento nos Estados Unidos da década de 1960, conduzido por estudantes e líderes religiosos que se recusaram a aceitar uma proposta de integração que invisibilizas- se e não reconhecesse as diferenças culturais. Os autores ressaltam que o multiculturalismo não interessa à sociedade como um todo, mas aos grupos sociais que são excluídos por questões econômicas, principal- mente por questões culturais.

Buscar definir o multiculturalismo coloca-se como um desafio, pois se trata de um conceito de caráter polissêmico e complexo, que con- templa diversas abordagens. Contudo, pode ser compreendido como um corpo teórico, prático e político (CANEN; OLIVEIRA, 2002, p. 61). Contrapondo-se ao modelo de sociedade da modernidade, que susten- tava a ideia de homogeneização e evolução da humanidade, a proposta multiculturalista compreende a sociedade como constituída por identi- dades plurais. Conforme as autoras, o projeto multiculturalista insere-se

em uma visão pós-moderna de sociedade, em que a diversi- dade, a descontinuidade e a diferença são percebidas como categorias centrais. Da mesma forma, contrapondo-se à percepção moderna e iluminista da identidade como uma essência, estável e fixa, o multiculturalismo percebe-a como descentrada, múltipla e em processo permanente de cons- trução e reconstrução. (CANEN; OLIVEIRA, 2002, p. 61)

As diferentes abordagens do fenômeno do multiculturalismo expres- sam posturas epistemológicas diversas que até mesmo conflitam entre si, pois apresentam compreensões ideológicas e políticas próprias. Vão des- de perspectivas mais liberais ou folclóricas, que se referem à valorização da pluralidade cultural, até visões mais críticas com foco no questiona- mento de uma ordem racista, sexista. Enfim, criticam os preconceitos

em geral, no sentido de uma prática transformadora da realidade social, cultural e política. Três grandes abordagens são destacadas por Candau (2011, p. 246): o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalis- mo diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo, também denominado por interculturalidade.

O multiculturalismo assimilacionista afirma a existência de uma so- ciedade multicultural, porém funciona na perspectiva da integração, ou seja, todos devem ser incorporados à cultura hegemônica. Relativo ao campo da educação, há promoção de uma política de universalização da escolarização. Entretanto, não há posicionamento crítico relativo ao caráter monocultural da educação, do conteúdo dos currículos, das prá- ticas pedagógicas e nem das relações assimétricas de poder na sociedade mais ampla.

O multiculturalismo diferencialista afirma que a assimilação nega a diferença e a invisibiliza. Coloca ênfase no reconhecimento da diferença e garantia de espaço de expressão das diversas identidades culturais, a fim de manter suas matrizes culturais de base. A crítica realizada a essa abordagem se refere à formação de comunidades culturais consideradas como “homogêneas”, com organização própria (escolas, igrejas, clubes, etc.) que na prática favoreceu a criação de apartheids socioculturais, por mais que sejam enfatizados o acesso a direitos sociais e econômicos.

Já o multiculturalismo interativo ou interculturalidade, a autora considera essa abordagem adequada para a construção de sociedades mais democráticas, inclusivas e justas, pois privilegia a articulação en- tre políticas de igualdade e políticas de identidade. Nessa perspectiva, a autora elenca as seguintes características que conformam a intercultu- ralidade:

1. Promoção deliberada da inter-relação entre diferentes sujeitos e grupos socioculturais de uma mesma sociedade;

2. Rompimento com a visão essencialista das culturas e das iden- tidades culturais, na medida em que as concebe em um processo contínuo de construção, desestabilização e reconstrução;

3. Processos de hibridização cultural intensos e mobilizadores de construção de identidades abertas, uma vez que as culturas não são puras nem estadísticas em nossa sociedade;

4. Consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais, marcadas por preconceitos e discriminação;

5. Presença da relação conflitiva e complexa entre diferença e desi- gualdade, sendo que uma não reduz a outra;

6. Presença do diálogo entre diferentes saberes e conhecimentos. Um proeminente estudioso sobre multiculturalismo, Peter McLaren (1997), afetou, com seus estudos, diversos autores nacionais ao discu- tirem essa temática, dentre eles, temos Candau (2002, 2003), Canen (2001) e Moreira (2001). Especificamente, destaca-se sua obra Multicul-

turalismo Crítico (1997), referência nos estudos relacionados ao multi-

culturalismo.

McLaren (1997, p. 96) considera que o multiculturalismo crítico deve ser compreendido como uma pedagogia crítica ou de resistência que se traduz em uma ação transformadora e toma a educação e a cultu- ra como instâncias permeadas pelo conflito. Essa perspectiva não separa a diferença da discussão mais ampla, relativa às desigualdades sociais, ao contrário, as questiona. Defende o engajamento da educação, uma vez que tem sua base na dimensão social e constitui-se no processo dinâmi- co da história. O autor analisa, de forma conjunta, a diferença cultural e suas implicações com as relações de poder, pois politiza o conceito de cultura, na medida em que o situa no campo dos conflitos sociais e históricos.

A discussão sobre a multiculturalidade na educação leva a algumas indagações: de que forma a educação está envolvida com essa nova reconfiguração da sociedade, proporcionada pelo multiculturalismo? A escola está preparada para repensar seu papel na sociedade? Como a escola percebe e educa sujeitos plurais? A escola consegue se abrir e incorporar, de fato, saberes diferenciados que permeiam as várias expressões culturais?

A sociedade, pensada sob a perspectiva multicultural, contrapõe- se à lógica de uma sociedade homogênea, única e coesa. Significa con- siderar o que historicamente tem sido negado e, a partir desse ponto, conferir outra interpretação sobre a realidade experienciada, de modo que possa contribuir para uma nova prática educativa. Nesse sentido,

a reflexão volta-se para os educadores/professores que irão se deparar com alunos/sujeitos que se constituem e reconstituem nas mais diversas composições identitárias – a perspectiva de uma identidade mestra não consegue abarcar essa gama de possibilidades. Afinal, não estamos dian- te de um aluno homogêneo, aliás, nunca estivemos.

Na perspectiva multicultural em nossa sociedade, a proposta é tor- nar a escola um espaço de crítica cultural, pois, como bem apontam Candau e Moreira (2003, p. 163), o papel do educador/professor é o de fomentar no aluno a dúvida questionadora sobre a realidade na qual está inserido, inquirir aquilo que é dado como “natural” ou determinista/ fatalista, em nossa sociedade, de modo a poder, inclusive, transformá-la. Dentre as diversas correntes do multiculturalismo, a perspectiva da interculturalidade atende melhor aos objetivos desta investigação, na medida em que objetiva compreender de que maneira a diversidade étnico-racial, por meio da Lei nº 10.639/03, está presente nas práticas educativas de duas escolas privadas confessionais a serem pesquisadas. O que poderemos detectar nos discursos dos docentes em relação ao multiculturalismo? De que forma trabalham as diferenças no cotidiano da sala de aula? A diversidade é contemplada no projeto político-peda- gógico dessas escolas?

o cAmPo De PesQUisA: As escolAs