Nesta se¸c˜ao, vamos demonstrar que o dom´ınio de Ford, exterior das esferas isom´etricas de elementos em um grupo discreto G⊂ PU(n, 1), ´e um poliedro fundamental para G. Para provar isto, vamos utilizar o fato de que este dom´ınio ´e estrelado. Aqui, vamos considerar somente subgrupos discretos de PU(n, 1) agindo no espa¸co hiperb´olico complexo Hn
C.
A seguinte defini¸c˜ao pode ser encontrada no artigo [48].
Defini¸c˜ao 2.4.1 Seja G um subgrupo discreto de PU(n, 1). Um dom´ınio fundamental para G ´e um
subconjunto aberto e conexo F de Hn
C tal que
1. vol(∂F ) = 0 (volume Riemanniano),
2. F n˜ao cont´em pontos G-equivalentes e, para todo z∈ Hn
C, existe g∈ G tal que g(z) ∈ F ,
3. F ´e localmente finito, isto ´e, cada subconjunto compacto de Hn
Cintercepta somente uma quantidade
finita de G-imagens de F .
No caso de dom´ınios de Ford, podemos provar algo mais do que esta defini¸c˜ao. Vamos provar que o dom´ınio fundamental de Ford ´e um poliedro fundamental em Hn
C, Veja a defini¸c˜ao abaixo para um poliedro
fundamental, retirada de [33] e [41, p´agina 69]. Um subconjunto F ⊂ Hn
C´e um poliedro se F ´e a interse¸c˜ao de uma quantidade finita ou enumer´avel
de semi-espa¸cos abertos em Hn
C. Um semi-espa¸co em HnC ´e uma componente conexa do complementar
de um bissetor em Hn
C. O fecho de F possui ent˜ao uma decomposi¸c˜ao em c´elulas dada pelas interse¸c˜oes
dos bissetores que definem F . Uma k-c´elula nesta decomposi¸c˜ao ´e chamada de k-face de F . Tamb´em, as faces de codimens˜ao um s˜ao chamadas de lados de F , e as faces de codimens˜ao dois s˜ao chamadas de arestas de F . ´E claro que cada aresta est´a contida na interse¸c˜ao de exatamente dois lados de F . Defini¸c˜ao 2.4.2 Seja G um subgrupo discreto de PU(n, 1). Um poliedro F ´e um poliedro fundamental
para G em Hn
C se as seguintes condi¸c˜oes s˜ao satisfeitas:
1. Para todo elemento n˜ao trivial g∈ G, g(F ) ∩ F = ∅. 2. Para todo z∈ Hn
C, existe g∈ G tal que g(z) ∈ F .
3. Os lados de F s˜ao, dois a dois, identificados por elementos de G; isto ´e, para cada lado s existe um lado s′, e existe um elemento g
s∈ G, com gs(s) = s′. Esta identifica¸c˜ao deve satisfazer: gs′ = g−1
s
e (s′)′= s. O elemento g
s´e chamado de transforma¸c˜ao identificadora de lado.
4. F ´e localmente finito, isto ´e, qualquer subconjunto compacto de Hn
Cintercepta somente uma quanti-
dade finita de imagens de F por elementos de G.
´
E claro que um poliedro fundamental ´e um dom´ınio fundamental. Para o nosso prop´osito, tamb´em vamos precisar da seguinte proposi¸c˜ao, que pode ser encontrada em [37, equa¸c˜ao 3, p´agina 4].
Proposi¸c˜ao 2.4.1 Sejam g e h elementos em PU(n, 1) tais que g(q∞)6= q∞, h(q∞)6= q∞e gh(q∞)6= q∞.
Ent˜ao, para todo z∈ Hn
C, temos que ρ0((gh)−1(q∞), z) Rgh = ρ0(g−1(q∞), h(z)) Rg ρ0(h−1(q∞), z) Rh .
Dem.: Pela primeira express˜ao da proposi¸c˜ao 1.5.3, temos que ρ0((gh)−1(q∞), z) = R2 h ρ0(g−1(q∞), h(q∞)) ρ0(h(z), h(q∞)) ρ0(g−1(q∞), h(z)). Mas, Rgh = RgRh ρ0(g−1(q∞), h(q∞)) e ρ0(h(z), h(q∞)) = R2 h ρ0(z, h−1(q∞)) . Destes valores de ρ0(g−1(q∞), h(q∞)) e ρ0(h(z), h(q∞)), obtemos a igualdade
ρ0((gh)−1(q∞), z) = R2h Rgh RgRh ρ0(z, h−1(q∞)) R2 h ρ0(g−1(q∞), h(z)),
que pode ser simplificada `a igualdade desejada.
Teorema 2.4.1 Seja G um subgrupo de PU(n, 1) tal que q∞∈ Ω◦(G). Ent˜ao,
F (G) = \
g∈G−{id}
Ext (Ig)
´e um dom´ınio fundamental para a a¸c˜ao de G em HnC.
Dem.: Observe que G ´e um subgrupo discreto de PU(n, 1) e que G age descontinuamente em Hn
C. Portanto,
n˜ao existem pontos limites de G em Hn C.
Sabemos que todo elemento n˜ao trivial g∈ G transforma o exterior de sua esfera isom´etrica de Ford no interior da esfera isom´etrica de Ford de g−1. Daqui, g(F (G)) est´a contido no interior da esfera isom´etrica
de g−1. Isto implica que g(F (G))∩ F (G) = ∅; esta ´e a condi¸c˜ao 1 da defini¸c˜ao acima.
Para provar a condi¸c˜ao 4, observe que, para todo elemento n˜ao trivial g∈ G, F = F (G) ⊂ Ext (Ig) e,
ent˜ao, g(F )⊂ Int Ig−1
. Ent˜ao, se ´e dada uma sequˆencia{g1, g2, . . .} de elementos distintos de G temos
que gi(F )⊂ Int
Ig−1
i
. Como os raios destas esferas isom´etricas tendem a zero, e como os centros s˜ao imagens do ponto ideal q∞, obtemos que gi(F ) pode se acumular somente em pontos limites de G, que
est˜ao contidos na fronteira de Hn
C. Isto demonstra que F ´e localmente finito.
Mais ainda, a demonstra¸c˜ao da proposi¸c˜ao 2.1.1 implica que o dom´ınio de Ford F (G) ´e aberto e n˜ao vazio. De fato, seja z ∈ F ⊂ Hn
C e suponhamos que, para todo ǫ > 0, a esfera de Heisenberg centrada
em z e de raio ǫ intercepta alguma esfera isom´etrica de Ford Ig para algum g ∈ G. Ent˜ao, podemos
encontrar uma sequˆencia infinita gnde elementos distintos de G para os quais suas esferas isom´etricas Ign
se aproximam de z. Como os raios destas esferas tendem a zero, isto implica que g−1
n (q∞)→ z, e que z
´e um ponto limite de G, o que ´e uma contradi¸c˜ao. Disto conclu´ımos que F ´e um subconjunto aberto de Hn
C.
O volume Riemanniano da fronteira de F ´e igual a zero pois este subconjunto ´e uma uni˜ao de hiper- superf´ıcies reais lisas.
Vamos agora demonstrar a condi¸c˜ao 3 da defini¸c˜ao acima. Seja z um ponto em um lado s de F , sendo que s est´a contido na esfera isom´etrica de Ford de f ∈ G. Como q∞ ∈ Ω◦(G), vemos que diferentes
elementos de G definem diferentes centros para suas esferas isom´etricas de Ford; em particular, cada lado de F est´a contido em uma ´unica esfera isom´etrica definida por um certo elemento de G. Visto que z ∈ Hn
C ´e um ponto regular de G, pode existir no m´aximo um n´umero finito de esferas isom´etricas de
Ford que cont´em o ponto z. Ent˜ao, ρ0(g−1(q∞), z)≥ Rgpara todo elemento n˜ao trivial g∈ G, sendo que
a igualdade ´e satisfeita somente para uma quantidade finita de aplica¸c˜oes de G, e ρ0(f−1(q∞), z) = Rf.
ρ0((gf )−1(q∞), z) Rgf = ρ0(g−1(q∞), f (z)) Rg ρ0(f−1(q∞), z) Rf , e, portanto, Rg ρ0(g−1(q∞), w) = Rgf ρ0((gf )−1(q∞), z) ρ0(f−1(q∞), z) Rf ≤ 1 ∀ g ∈ G − {id}. (2.1) Nesta express˜ao, temos a igualdade somente para uma quantidade finita de elementos g∈ G. Daqui, podemos ent˜ao concluir que w = f (z) pertence a uma quantidade finita de esferas isom´etricas, e que w ´e exterior a todas as outras. Pelo teorema 2.3.1, que assegura que F = F (G) ´e estrelado, podemos concluir que a linha geod´esica [w, q∞), que liga w ao ponto ideal q∞, ´e exterior a todas as esferas isom´etricas Ig,
para todo g ∈ G. Portanto, esta geod´esica (w, q∞) est´a contida no interior do dom´ınio de Ford F . Isto implica que w = f (z) ´e um ponto na fronteira de F . Resumindo, demonstramos que s′ = f (s) ´e um lado
de F contido na esfera isom´etrica de Ford If−1; isto conclui a demonstra¸c˜ao de 3.
Para terminar, vamos demonstrar agora a condi¸c˜ao 2. Para isto, seja z∈ Hn
C um ponto qualquer n˜ao
pertencente `a F . Ent˜ao, exceto para uma quantidade finita de elementos g∈ G, temos que z ∈ Ext (Ig).
De fato, se z est´a contido no interior de uma quantidade infinita de esferas isom´etricas, como o raio destas esferas tendem a zero, ent˜ao z ´e um ponto limite de G, o que ´e um absurdo. Pelo corol´ario 2.2.2, existe um elemento f ∈ G com Rf
ρ0(f−1(q∞), z)
m´aximo, sobre todos os elementos de G. Isto ´e, Rf
ρ0(f−1(q∞), z) ≥
Rg
ρ0(g−1(q∞), z) ∀ g ∈ G − {id}.
(2.2) Seja w = f (z). Vamos demonstrar que w∈ F . Da desigualdade (2.2), vemos que a desigualdade (2.1) ´e verdadeira, isto ´e, ρ0(g−1(q∞), w)≥ Rgpara todo elemento n˜ao trivial g∈ G. Mais ainda, como w ∈ HnC
´e um ponto regular, podemos ter a igualdade, nesta desigualdade, somente para uma quantidade finita de elementos g∈ G. Em outras palavras, exceto para uma quantidade finita de elementos g ∈ G, w ´e exterior a todas as esfera isom´etricas de Ford Ig. Suponhamos, em um primeiro caso, que ρ0(g−1(q∞), w) > Rg,
para todo elemento n˜ao trivial g∈ G. Isto implica que w = f(z) ∈ F (G), como quer´ıamos demonstrar. Em um segundo caso, suponhamos que, para uma quantidade finita de elementos g∈ G, ρ0(g−1(q∞), w) = Rg,
e que para todos os outros elementos de G tenhamos ρ0(g−1(q∞), w) > Rg. Assim, como o dom´ınio de
Ford ´e estrelado, a geod´esica [w, q∞), ligando w ao ponto ideal q∞, ´e exterior a todas as esfera isom´etricas Ig, para todo g∈ G. Ent˜ao, esta geod´esica (w, q∞) est´a contida no dom´ınio de Ford F . Isto implica que
w = f (z) est´a na fronteira de F . Isto conclui a demonstra¸c˜ao deste teorema.
Uma propriedade importante de um poliedro fundamental ´e a que afirma que as aplica¸c˜oes identificado- ras de lados geram o grupo original G. No caso do espa¸co hiperb´olico real, este teorema est´a demonstrado em [41, IV.F.6, p´agina 70] ou em [2, teorema 9.3.3, p´agina 220]. A demonstra¸c˜ao do livro do Maskit pode ser aplicada para se demonstrar este mesmo fato no caso do espa¸co hiperb´olico complexo. Assim, podemos enunciar o seguinte teorema.
Teorema 2.4.2 Seja F um poliedro fundamental para um subgrupo discreto G de PU(n, 1). Ent˜ao, as aplica¸c˜oes identificadoras de lados de F geram G.