5.4 O espa¸co de Teichm¨ uller n˜ao ´e conexo
5.4.1 Um grupo discreto Γ cujo conjunto limite ´e um n´o selvagem
Nesta se¸c˜ao, vamos apresentar uma constru¸c˜ao explicita para um subgrupo discreto quase-Fuchsiano Γ de PU(2, 1) cujo conjunto limite ´e um n´o selvagem. Para tanto, vamos construir um colar de p´erolas de Ford entrela¸cado no grupo de HeisenbergH = C × R. Nesta constru¸c˜ao, vamos utilizar o seguinte n´o duplo (“square knot”[49, p´agina 61]), representado na figura 5.5, que possui dois eixos de simetria y e V .
y
y y
v
Figura 5.5: (a) O n´o duplo. (b) Simetria no eixo y. (c) Simetria no eixo V .
Para descrever a a¸c˜ao do grupo Γ na fronteira do espa¸co hiperb´olico complexo, vamos utilizar as coordenadas horoesf´ericas (ζ = x + iy, v) para o grupo de HeisenbergH.
Considere o seguinte grafo K, mergulhado no grupo de HeisenbergH, ilustrado na figura 5.6. Este grafo K possui os seguintes v´ertices:
v1= (3i, 0) v2= (3i, 7) v3= (4, 31) v4= (4, 35) v5= (−4 − 6i, 83) v6= (−4 − 6i, 3) v7= (0, 3).
e as seguintes arestas:
C1= v1v2 R1= v2v3 C2= v3v4 R2= v4v5 C3= v5v6 R3= v6v7.
Como as arestas C1, C2 e C3 est˜ao contidas em retas que se projetam verticalmente em pontos do
plano complexo C, segue que estas arestas est˜ao contidas em cadeias verticais do grupo de Heisenberg. Al´em disso, as arestas R1, R2 e R3est˜ao contidas em R-c´ırculos infinitos. Isto pode ser provado atrav´es
do c´alculo dos seguintes invariantes angulares de Cartan:
V7 V6 V5 V4 V3 V2 V1 Figura 5.6: O grafo K.
Denotemos agora por iV a invers˜ao na cadeia vertical V ={(ζ, v) ∈ H, ζ = 0} e denotemos por iy a
invers˜ao no R-c´ırculo imagin´ario puro {(ζ, v) ∈ H, Re(ζ) = v = 0}, que coincide com o eixo y. Observe que este grafo K juntamente com as suas imagens pelas aplica¸c˜oes iV, iy e iViy = iyiV formam um n´o
duplo no grupo de HeisenbegH. (veja a figura 5.7)
Figura 5.7: As simetrias do n´o duplo em rela¸c˜ao `a cadeia vertical e ao eixo imagin´ario y
Agora vamos descrever uma cobertura deste grafo K por esferas de Heisenberg de modo que esta cobertura, juntamente com as suas imagens pelas aplica¸c˜oes iV, iy e iViy v˜ao formar um colar de p´erolas
de Ford entrela¸cado emH. Para isto, cubra o grafo K por esferas de Heisenberg, constru´ıdas para satisfazer as seguintes propriedades: (veja figura 5.8)
• Todas estas esferas s˜ao centradas em pontos de K, e elas s˜ao duas a duas disjuntas ou exteriormente tangentes em pontos de K. De fato, caminhando sobre o grafo K do v´ertice v7 para o v´ertice v1,
encontramos uma sequˆencia Sn, n = 1, 2, . . . , N de esferas de Heisenberg exteriormente tangentes,
isto ´e, se SjTSk 6= ∅, ent˜ao |j − k| = 1, e SjTSk ´e um ponto do grafo K.
• A primeira esfera S1 neste caminho ´e tangente `a cadeia vertical V no ponto v7= (0, 3), e a ´ultima
esfera SN neste caminho ´e tangente ao eixo y, no ponto v1= (3i, 0).
• Para cada um dos v´ertices v2, v3, v4, v5, v6do grafo K, existe uma esfera nesta cobertura centrada
• O raio destas esferas deve ser escolhido suficientemente pequeno para que o conjunto formado por elas e pelas suas imagens pelas aplica¸c˜oes iV, iy e iViy forme um colar de p´erolas entrela¸cado no
grupo de HeisenbergH. (veja figura 5.9)
Figura 5.8: Uma cobertura do grafo K por esferas de Heisenberg.
Observe que as esferas de Heisenberg desta cobertura que est˜ao dispostas sobre as arestas C1, C2 ou
C3 s˜ao tangentes em seus v´ertices, e que as esferas desta cobertura, dispostas sobre as arestas R1, R2 ou
R3, s˜ao tangentes em pontos sobre as cadeias do equador destas esferas. Isto ocorre porque as arestas R1,
R2e R3est˜ao contidas em R-c´ırculos infinitos que passam sobre os centros destas esferas de Heisenberg.
A quantidade e o tamanho destas esferas n˜ao ´e importante para o teorema que estamos interessados em demonstrar. Apesar disso, vamos apresentar agora, explicitamente, uma tal cobertura do grafo K com N = 63 esferas.
(a) Cubra a aresta C1com quatro esferas de Heisenberg unit´arias tais que a primeira ´e tangente ao eixo
y no v´ertice v1, e a ´ultima est´a centrada no v´ertice v2. Estas esferas possuem os seguintes centros:
(3i, 1) (3i, 3) (3i, 5) (3i, 7).
(b) A aresta R1 ´e coberta por cinco esferas, duas delas com raio um, centradas nos v´ertices v2 e v3, e
trˆes outras intermedi´arias de raio 1/2. Estas trˆes esferas possuem os seguintes centros: 12 + 21i 10 , 142 10 4 + 3i 2 , 19 28 + 9i 10 , 238 10 .
Figura 5.9: Uma cobertura do grafo K e sua imagem pela invers˜ao na cadeia vertical V .
(c) A aresta C2 ´e coberta por trˆes esferas de Heisenberg unit´arias, duas delas centradas nos v´ertices v3
e v4 e uma outra centrada em (4, 33).
(d) A aresta R2´e coberta por seis esferas de Heisenberg unit´arias, duas delas centradas nos v´ertices v4
e v5 e as outras centradas nos seguintes pontos:
12− 16i 5 , 223 5 4− 12i 5 , 271 5 −4 − 18i 5 , 319 5 −12 − 24i 5 , 367 5 .
(e) A aresta C3´e coberta por 41 esferas de Heisenberg unit´arias centradas nos pontos (−4−6i, 83−2n),
n = 0, 1, 2, . . . , 40.
(f) A aresta R3´e coberta por uma esfera de Heisenberg unit´aria centrada no v´ertice v6 e por mais oito
esferas de Heisenberg de raios √
52− 1
16 tais que a ´ultima destas esferas ´e tangente `a cadeia vertical no v´ertice v7. Os centros destas oito esferas s˜ao:
−(2n + 1) √ 52− 1 16 ! 1 + 3 2i , 3 ! , n = 0, 1, 2, . . . , 7.
Suponhamos agora que seja dada uma cobertura S do grafo K com N esferas de Heisenberg satisfazendo as propriedades citadas acima. Seguindo o grafo K do v´ertice v7 para o v´ertice v1, de-
note por Sn, n = 1, 2, . . . , N as esferas desta fam´ılia S. Neste mesmo sentido de percurso, denote por
p1= v7, pn= Sn
\
Sn−1 para n = 2, 3, . . . , N e pN +1= v1 .
Para cada n = 1, 2, . . . , N , seja Ln o meridiano da esfera de Heisenberg Sn que cont´em os pontos de
tangˆencia pne pn+1, contidos em Sn. Observe que estes R-c´ırculos existem pois temos trˆes tipos de esferas
na fam´ıliaS: 1o. as esferas S
n centradas em um dos seguintes v´ertices de K: v2, v3, v4, v5, v6. Neste caso, um dos
pontos de tangˆencia pn ou pn+1 ´e um v´ertice de Sn, e o outro ponto pertence `a cadeia do equador
de Sn.
2o. as esferas S
n centradas nas arestas C1 ou C2 ou C3 do grafo K, em pontos diferentes dos v´ertices
de K. Neste caso, os dois pontos de tangˆencia pn e pn+1s˜ao os v´ertices de Sn.
3o. as esferas S
n centradas nas arestas R1 ou R2 ou R3 do grafo K, em pontos diferentes dos v´ertices
de K. Neste caso, os dois pontos de tangˆencia pne pn+1pertencem `a cadeia do equador de Sn e s˜ao
pontos sim´etricos em rela¸c˜ao a invers˜ao na espinha complexa de Sn.
Para cada esfera Sn do primeiro e do terceiro tipo, existe um ´unico meridiano Ln, desta esfera Sn, que
cont´em os pontos de tangˆencia pn e pn+1. Para as esferas Sn do segundo tipo, qualquer meridiano Ln de
Sn cont´em os pontos de tangˆencia pn e pn+1.
Considere agora as esferas An= iV(Sn), n = 1, 2, . . . , N e os pontos qn= iV(pn).
Para cada esfera An = iV(Sn), n = 1, 2, . . . , N , seja Kn = iV(Ln) o meridiano desta esfera obtido
de Ln pela invers˜ao na cadeia vertical V. Observe que este meridiano Kn cont´em os pontos qn e qn+1
de An. Isto ocorre porque: os pontos de tangˆencia pn e pn+1 est˜ao contidos no grafo K; qn = iV(pn);
qn+1= iV(pn+1).
Denote por iLn a invers˜ao em Ln e denote por iKn a invers˜ao em Kn. Observe que
iKn = iV◦ iLn◦ iV para n = 1, 2, . . . , N. (5.2)
Considere tamb´em as seguintes aplica¸c˜oes holomorfas, contidas em PU(2, 1) gn = iy◦ iLn e hn = iy◦ iKn para n = 1, 2, . . . , N.
´
E claro que as esferas isom´etricas de Ford de gn e hns˜ao, respectivamente, Sn e An. As esferas isom´etricas
de Ford de g−1
n e h−1n s˜ao as imagens iy(Sn) e iy(An), respectivamente. Observe que a uni˜ao de todas estas
esferas Sn, An, iy(Sn), iy(An), n = 1, 2, . . . , N formam um colar de p´erolas de Ford entrela¸cado no grupo
de Heisenberg. Aqui, ´e importante observar que as aplica¸c˜oes gne hn transformam os pontos de tangˆencia
de esferas pn = SnTSn−1e qn = AnTAn−1 em pontos de tangˆencia pn′ = iy(pn) = iy(Sn)Tiy(Sn−1) e
q′
n = iy(qn) = iy(An)Tiy(An−1), respectivamente. Nestas condi¸c˜oes, pelo teorema de constru¸c˜ao 4.2.1,
podemos concluir que o grupo
Γ = < gn, hn : n = 1, 2, . . . , N >
gerado pelas aplica¸c˜oes gne hn´e discreto, e que o exterior de todas estas esferas ´e um dom´ınio fundamental