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Dom Quixote Ilustrado

No documento Vt pictvra poesis : Dom Quixote e Dali (páginas 49-63)

Mario Vargas Llosa afirmou que a imortal novela de Cervantes, O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha é uma imagem: a de um fidalgo cinqüentenário embutido numa armadura anacrônica e tão esquelético quanto seu cavalo, acompanhado de um camponês baixo e gordo, montado num asno, fazendo-lhe as vezes de escudeiro, percorrendo as paisagens manchegas na busca de aventuras insólitas1.

Esse desenho tem sido reproduzido, independentemente da época ou técnica empregada pelo artista. Seus traços vão se contaminando uns aos outros, mantendo viva a imagem do personagem que é um dos mais conhecidos da literatura. Dom Quixote é uma das obras mais ilustradas da história.

As imagens que retratam os dois personagens não ficaram restritas aos livros. Tapeçarias, no século XVII, gravuras, e toda espécie de produção visual, desde a primeira edição da obra, retrataram os personagens e os inúmeros episódios cômicos da novela.

Por ocasião das comemorações dos quatrocentos anos da primeira publicação de Dom Quixote, várias exposições foram dedicadas à exibição das edições ilustradas. A Fundação Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, que realizou uma mostra em 2001, conta, em seu acervo, com preciosas edições. Em 1992, esse acervo foi enriquecido pela doação de uma grande coleção de um bibliófilo que passou a vida entusiasmado pelas figuras do fidalgo manchego.2 Esse acervo conta com edições ilustradas francesas, espanholas e inglesas do século XIX. A mostra procurou também chamar a atenção do público para a relevante presença do personagem cervantino nas artes gráficas brasileiras. O catálogo apresenta um importante depoimento de Herman Lima, em História da caricatura no Brasil, que nos conta sobre duas revistas batizadas de Dom Quixote no início do século XX:

“Dom Quixote foi sempre um dos heróis prediletos dos nossos artistas do lápis. Seria fastidioso enumerar suas reencarnações, na pele de nossos políticos, desde que a Semana Ilustrada apresentou o Visconde de Itaboraí

1 Llosa, Mario Vargas.”Uma novela para el siglo XXI” em Cervantes, Miguel de. Don Quijote de la

Mancha . Edición Del IV Centenário . Real Academia Española/Asociación de academias de la lengua

española, 2005

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A coleção foi doada pela família de Genival Londres, médico, colecionador de várias edições da obra de Cervantes.

como“o cavaleiro da triste figura” no ataque aos moinhos. Basta lembrar-se as duas grandes revistas ilustradas que em épocas diversas, respectivamente 1895-1903 e de 1917-1926, circularam com o maior êxito, sob a sua invocação: a primeira de Ângelo Agostini, e a segunda sob a direção de Bastos Tigre, com a colaboração artística de Julião Machado, Raul K. Lixto, J. Carlos, Storni, Osvaldo e tantos outros caricaturistas da época.”

Dom Quixote é lido no Brasil desde que foi publicado, em 1605. Rodríguez Marin apurou que esse foi o ano da primeira remessa de Dom Quixote para a América, poucas semanas depois que foi lançada a primeira parte da obra. Segundo o pesquisador, um senhor de nome Pedro Gonzáles Refolio apresentou para exame, à Inquisição, na data de 25 de fevereiro de 1605, quatro caixas de livros, em uma das quais viajariam cinco exemplares de “Don Quixotte de la Mancha”, no navio San Pedro y Nostra Señora del Rosário, de mestre Juan de Alsusta. Os livros iam para Puerto Belo. Dom Quixote fora publicado cinco ou seis semanas antes. O estudioso informa que antes de terminar um ano a partir de sua publicação “habia em las tierras americanas cerca de mil quinientos ejemplares de ella.”3

Embora controvertida, a informação que nos confere a Biblioteca Nacional é de que a primeira referência explícita a Dom Quixote seria identificada no poema atribuído a Gregório de Matos, em que descreve as “festas de cavalo que se fizeram o Terreiro [de Jesus] em louvor das onze mil virgens”, texto provavelmente escrito entre 1684 e 1687 por se referir à presença, na platéia do Conde Prado, filho do então governador da Bahia, o marquês de Minas. Ao se reportar à ação do “sobrinho do Frisão” no cavalo, Gregório assim o apresenta:

Uma aguilhada por lança Trabalhava a meio trote, Qual moço de Dom Quixote, A quem chamam Sancho Pança.

Embora fascinante, prosseguir pela trilha da influência literária de Dom Quixote nas obras brasileiras fugiria de nossos objetivos nesse trabalho. O que queremos ressaltar até aqui foi o grande impacto causado pela obra, não só na Europa, como no Brasil, e que a atração pelos “artistas do lápis” foi um fenômeno que não se restringiu às edições

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Informações contidas no catálogo da Exposição Cervantes & Dom Quixote, na Biblioteca Nacional, Maio, 2001.

luxuosas européias, mas que, desde seu surgimento, a obra de Cervantes fecundou as mentes criativas, passando, das letras às imagens.

Cervantes criou dois personagens convincentes e, graças ao modo como foram caracterizados por ele, seus traços físicos puderam ser captados com a maior clareza de contornos e lançaram uma espécie de desafio aos ilustradores para que conferissem visibilidade ao texto.

São muitos os momentos em que Cervantes introduz uma “imagem” no texto. Por várias vezes o autor se vale da relação ut pictura poesis, o que parece ser um ponto de partida para compreendermos esse forte referencial visual que os artistas têm encontrado na obra literária.

Logo na primeira parte da obra, no capítulo IX, Cervantes serve-se de uma suposta ilustração do manuscrito de um mouro chamado Cide Hamete Benengeli quem, supostamente teria registrado os feitos do Quixote, que o narrador se encarrega de traduzir e comentar. Esse manuscrito, segundo o narrador, é ilustrado, como vemos a seguir:

“Estaba en primero cartapacio pintada muy al natural la batalla de don Quijote com el vizcaíno, puestos em la misma postura que la historia cuenta, levantadas las espadas, el uno cubierto de su rodela, el outro de la almohada, y la mula Del vizcaíno tan al vivo, que estaba mostrando ser de alquiler a tiro de ballestra. Tenia a los pies escrito el vizcaíno um título que decía “Don Sancho de Azpetia”, que, sin duda, debía de ser tu nombre, y a los pies de Rocinante estaba outro que decía “Don Quijote”. Estaba Rocinante maravillosamente pintado, tan largo e tendido, tan atenuado y flaco, com tanto espinazo, tan hético confirmado, que mostraba bien al descubierto com cuánta advertência y propiedad se lê había puesto el nombre de “Rocinante”. Junto a él estaba Sancho Panza, que tenia del cabestro a su asno, a los pies del qual estaba outro rétulo que decía “Sancho Zancas”, y debía de ser que tenia, a lo que mostraba la pintura, la barriga grande, el talle corto y las zancas largas, y por esto se le debió de poner nombre de “Panza” u de “Zancas”, que com estos dos sobrenomes le llama algunas veces la historia. Otras algunas menudencias había que advertir, pero todas son de poca importancia y que non hacen al caso a la verdadera relación de la historia, que ninguna es mala como sea verdadera.”4

4As referências em castelhano do texto de Cervantes remetem à edição do IV Centenário da Real Academia

Española: Don Quijote de La Mancha . Para as traduções foi utilizada: Cervantes, O Engenhoso fidalgo

Dom Quixote de La Mancha, (Belo Horizonte:, Itatiaia, 1997) - “No primeiro caderno se achava desenhada

muito ao natural a batalha de Dom Quixote com o biscainho, os dois na mesma postura que a história conta: espadas erguidas, um, coberto pela rodela; outro pela almofada; e a mula do biscainho tão ao vivo que mostrava a tiro de besta ser de aluguel. Nos pés do biscainho, via-se escrito o título: “Dom Sancho de Azpeitia”, que, sem dúvida, devia ser o seu nome; e aos pés do Rocinante havia outro, dizendo: “Dom Quixote”. Estava o Rocinante tão maravilhosamente desenhado, tão comprido e arriado, tão enfraquecido e

No terceiro capítulo da segunda parte, Dom Quixote recebe a visita do Bacharel Sansón Carrasco, portador da notícia da existência de uma obra intitulada “O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha”, e trava com este uma palestra na qual discutem a relação da literatura e do seu compromisso com a verdade, preocupação manifestada pelo manchego ao saber que um mouro havia escrito a história.

Em um certo momento do diálogo, Carrasco diz que uma das críticas que se fazem à história é a inserção de uma novela intitulada “O Curioso Impertinente” no livro, não tendo esta uma relação direta com as aventuras do fidalgo. Ao que rebate Dom Quixote desta maneira:

“Ahora digo – dijo Don Quijote – que no ha sido sabio el autor de mi historia, sino algún ignorante hablador, que a tiento y sin algún discurso se puso a escribirla, salga lo que saliere, como hacía Orbaneja, el pintor de Úbeda, al qual preguntándole qué pintaba respondió: “Lo que saliere”. Tal vez pintaba um gallo de tal suerte y tan mal parecido, que era menester que com letras góticas escribiese junto a él: “Este es gallo”. Y así debe de ser de mi historia, que tendrá necesidad de comento para entenderla.”5

Apesar de se valer de uma anedota, Dom Quixote recorre à pintura para referenciar o compromisso da literatura com a verdade. A má pintura, ou aquela que não exercia sua função imitativa com eficácia, necessitava recorrer aos caracteres gráficos para testemunhar a veracidade daquela representação. Assim seria a má literatura, que dispersa de seu compromisso com a verdade, necessitaria de reforços para seu entendimento.

magro, com a espinha tão saliente, e com tamanha aparência de tísico, que bem a descoberto mostrava com quanto alvitre e propriedade se lhe havia posto o nome de Rocinante. Junto dele estava Sancho Pança, que segurava o asno pelo cabresto, e a cujos pés havia outro título onde se lia: “Sancho Zancas”; e talhe curto e as ancas largas, razão pela qual lhe deram o nome de Pança”e o de “Zancas”, sobrenomes pelos quais é às vezes designado na história. Podiam assinalar-se ainda outras minudencias, porém todas de pouca importância e que não vêm ao caso para a verdadeira relação da história, pois, caso sejam verdadeiras, nenhuma delas é má.”

5 Agora digo – interveio Dom Quixote – que não foi sábio o autor dessa minha história, mas algum

ignorante palrador, que às tontas e sem qualquer meditação se pôs a escrevê-la, saísse o que saísse, como fazia Orbaneja, o pintor de Úbeda, o qual, quando lhe perguntavam o que pintava, respondia: “O que sair”. Por vezes pintava um galo, de tal sorte e tão mal parecido, que mister era com letras de forma escrever ao lado: “Isto é um galo”. E assim deve ser com minha história, que terá necessidade de comentários para ser entendida.

Em outros momentos do texto o ofício do pintor e do escritor são relacionados, mostrando que o termo pintar, muitas vezes equivale a contar, narrar, quando se trata de imitar cuidadosamente a realidade. Desta forma, podemos afirmar que o texto constantemente incita o leitor a visualizar essa iconografia textual quixotesca, imaginada por Cervantes, como se pode constatar na continuação do diálogo entre Dom Quixote e Sansón Carrasco:

“Eso no – respondió Sansón -, porque es tan clara, que no hay cosa que dificultar en ella: los niños la manosean, los mozos la leen, los hombres la entienden y los viejos la celebran; y, finalmente , es tan trillada y tan leída y tan sabida de todo gênero de gentes, que apenas han visto algún rocín flaco, cuando dicen: ‘Allí va Rocinante’.”6

Está documentado que este comentário corresponde à grande ressonância que Dom Quixote provocou na Espanha poucos meses depois de sua primeira publicação em 1605. As descrições dos personagens, assim como a do próprio Rocinante vêm tão carregada de apelos visuais, que é impossível deixar de identificar na realidade as imagens que apresentem alguma semelhança com o descrito no texto.

Em outro trecho, na Primeira Parte da obra, Cervantes faz outra referência à presença da imagem no interior da obra. No capítulo XIX Sancho apresenta o fidalgo a passantes, como “O Cavaleiro da Triste Figura”. Ao ser indagado pelo amo o motivo de tal alcunha, Sancho demonstra que a inspiração lhe veio sobretudo da contemplação:

“Yo se lo diré – respondió Sancho -, porque lê he estado mirando um rato a la luz de aquella hacha que lleva aquel malandante, y verdaderamente tiene vuestra merced la más mala figura, de poço aça, que jamás he visto; y debelo de Haber causado, o ya el cansacio de este combate, o y ala falta de lãs muelas y dientes.”7

No prosseguimento do diálogo, Dom Quixote, encantado com sua nova alcunha, decide que, para sua identificação deve ser pintado no escudo não o nome, mas a

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Isso não (...) porque é tão clara que nada tem de dificultoso. Manuseiam-na as crianças, lêem-na os moços, entendem-na os homens, e os velhos a celebram; em suma, é tão folheada e lida, tão conhecida de todos os gêneros de gentes, que apenas vêem um rocim magro e logo dizem: “Ali vai Rocinante”.

7 Vou dizer – respondeu Sancho. – Foi porque estive a mirá-lo um pouco à luz daquele archote que vai na

mão daquele mal-andante cavaleiro, e verdadeiramente tem Vossa Mercê a mais desfigurada figura que jamais vi, o que deve ser por causa do cansaço produzido por este combate, ou da falta de dentes de sua boca.

imagem, ao que Sancho responde, de forma muito divertida, que não é necessário já que a realidade o mostra claramente:

“No es eso – respondió Don Quijote -, sino que el sabio a cuyo cargo debe de estar el escribir la historia de mis hazañas lê habrá parecido que será bien que yo tome algún nombre apelativo como lo tomaban todos los caballeros pasados: cuál se llamaba el de la Ardiente Espara; cuál, el Del Unicórnio; aquél, el de lãs Doncellas; aquéste, el Del Ave Fênix; el outro, el Caballero Del Grifo; estotro, el de la Muerte; y por estos nombres e insígnias eran conocidos por toda la redondez de la tierra. Y, asi, digo que el sabio ya dicho te habrá puesto em la lengua y em el pensamiento ahora que me llamases el Caballero de la Triste Figura, como pienso llamarme desde hoy em adelante; y para que mejor me cuadre tal nombre, determino de hacer pintar, cuando haya lugar, em mi escudo uma muy triste figura.

- No hay para qué gastar tiempo y dineros em hacer esta figura – dijo Sancho-, sino lo que se há de hacer es que vuestra merced descubra la suya y dé rostro a los que lê miraren, que sin más ni más, y sin outra imagen ni escudo, lê llamarán el Del la Triste Figura; y créame que lê digo verdad, porque lê prometo a vuestra merced, señor (y esto sea dicho em burlas) que lê hace tan mala cara la hambre y la falta de las muelas, que, como ya tengo dicho, se podrá mui bien excusar la triste pintura.

Riose Don Quijote Del donaire de Sancho; pero, com todo, propuso de llamarse de aquel nombre, em pudiendo pintar su escudo o rodela como había imaginado.”8

Em outro trecho, na Segunda Parte, Capítulo LXXI, a comparação é feita novamente. Desta vez, Cervantes, nas palavras de Sancho, recorre à pintura, ou à má pintura, para parodiar o texto de Avellaneda:

“Yo apostaré – dijo Sancho – que antes de mucho tiempo no há de Haber bodegón, venta ni mesón o tienda de barbero donde no ande pintada la

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Não é por isso – corrigiu Dom Quixote; - é que ao sábio a cujo cargo deve estar o escrever a história das minhas façanhas, lhe haverá ser parecido ser bom que eu tome algum apelido, como o tomavam os passados cavaleiros: esse se chamava O da Ardente Espada; aquele O do Unicórnio; aqueloutro, O das Donzelas; outro, O da Ave Fênix; um outro, Cavaleiro do Grifo; estoutro, O da Morte; e por esses nomes e insígnias eram conhecidos por toda a redondeza da terra. Assim, digo que o referido sábio te pôs na língua e no pensamento o chamar-me agora Cavaleiro da Triste Figura, alcunha que adotarei de agora em diante; e para que melhor me calhe tal nome, resolvo mandar que se pinte no meu escudo, tão logo tenha a oportunidade, uma figura muito triste.

Não vejo por que gastar tempo e dinheiro em fazer tal figura – disse Sancho; - basta que Vossa Mercê descubra a sua e mostre o rosto aos que o mirarem, que, sem quê nem mais, e sem qualquer outra imagem ou escudo, o chamarão todos O da Triste Figura. E creia-me que lhe falo a verdade, Senhor, pois garanto a Vossa Mercê (agora em tom de gracejo) que a fome e a falta dos queixais lhe dão uma tão má catadura, que, como já disse, poder-se-ia muito dispensar-se a tal pintura triste.

Riu-se Dom Quixote dos chistes de Sancho, mas continuou no firme propósito de adotar aquele nome, logo que o pudesse pintar no seu escudo ou rodela, conforme imaginara.

historia de nuestras hazañas; pero querría yo que la pintassen manos de outro mejor pintor que el que há pintado a éstas.”9

A força dessas imagens provocadas pelo texto levou o escritor Jorge Luis Borges a um comentário que “ilustra” nossa trajetória até o momento: “Poderiam perder-se todos os exemplares do Quixote, em castelhano e nas traduções; poderiam perder-se todos, mas a figura de Dom Quixote já é parte da memória da humanidade”.10

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A tradição iconográfica contribuiu de maneira fundamental para o conhecimento e interpretação do texto, e como aponta Rachel Schmidt para a iconização e canonização da figura de Dom Quixote como mito e símbolo cultural nacional, reafirmando a interpretação crítica prevalente em seu momento histórico. Raquel Schmidt em Critical Images: The canonization of ‘Don Quixote’ through illustrated editions of the eighteenth century11 , elaborou um extenso estudo sobre a influência das ilustrações na recepção de Dom Quixote nos séculos dezessete e dezoito. A autora nos mostra como as ilustrações, através do gestual e do acréscimo de elementos simbólicos, vão paulatinamente excluindo a comicidade do personagem, enquanto reforçam as evidências de uma nobreza de caráter e sugerem valores como coragem e brio, num movimento paralelo ao da crítica. As edições do século dezoito, consideradas luxuosas e destinadas às estantes dos homens cultos, marcam um ponto crucial de uma ruptura que levou no Romantismo, a sagração de Dom Quixote como herói.

O texto de Cervantes atraiu, em seu desejo de tornar realidade as percepções visuais de Dom Quixote, uma rica tradição artística. Os artistas foram compelidos a se lançarem ao desafio de pintar o que, no texto, está sob a pele das palavras e tornar visíveis os personagens. No caso de Dom Quixote arriscaríamos dizer que Cervantes traçou de forma tão nítida os contornos dos personagens e descreveu-lhes tão bem a alma, que o personagem é trazido bem próximo do leitor, dentre os quais incluo os artistas.

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Posso apostar – disse Sancho – que antes de muito tempo não haverá bodega, venda, estalagem ou tenda de barbeiro em que não ande pintada a história de nossas façanhas. Mas bem que gostaria eu de que a pintassem mãos de melhor pintor do que este que andou por aqui.

10 Citado no texto de abertura do catálogo da Exposição Cervantes & Dom Quixote, na Biblioteca Nacional.

Maio, 2001.

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Schmidt, Rachel. Critical Images: The canonization of ‘Don Quixote’ through illustrated editions of the

Essa sensação de “realidade” em relação a Dom Quixote e Sancho, aliada a uma grande proliferação de imagens fez com que a novela se tornasse tão conhecida, que muitas pessoas acreditam ter lido o livro em algum momento da vida, no entanto sem tê- lo feito, por saber descrever tão bem as características físicas e “psicológicas” do personagem, assim como alguns de seus feitos heróicos. A famosa cena da batalha contra os moinhos de vento está arraigada em nosso imaginário e foi uma das cenas mais

No documento Vt pictvra poesis : Dom Quixote e Dali (páginas 49-63)