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LISTA DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS

5.8 Doseamento das protoporfirinas eritrocitárias

O chumbo interfere com a incorporação do ferro na protoporfirina IX, que dá origem ao heme, com a consequente acumulação daquele substrato.

Nestas condições, a maior parte da protoporfirina não se encontra, de facto, na forma livre, mas antes ligada ao zinco, originando o complexo protoporfirina-zinco (PPZ) (LAMOLA e YAMANE, 1974; PIOMELLI et al., 1975; GRANDJEAN e LINTRUP, 1978; WALDRON, 1980; MARSH, NELSON e KOENIG, 1983; ESPAÑA, 1987; STANTON et al., 1989; IPCS, 1995; BO-JIAN, 1996; GOYER, 1996; LABBÉ, VREMAN e STEVENSON, 1999). É este novo complexo que se liga à globina aí permanecendo, por isso, durante toda a vida do eritrócito (PIOMELLI, 1977; ZHANG, 1993). Deste modo, a concentração da protoporfirina-zinco, num determinado momento, resulta da acção do chumbo sobre os eritroblastos no período de 1 a 3 meses anteriores (GRANDJEAN e LINTRUP, 1978; LABRÈCHE e P’AN, 1984; VYSKOCIL, VIAU e BRODEUR, 1993; LAUWERYS, 1999).

O grande interesse deste conhecimento reside, essencialmente, nos aspectos de natureza prática que daí advêm, já que o doseamento da PPZ, ao contrário do da protoporfirina IX (PPE), se pode efectuar por métodos de fácil execução técnica e baixo custo. A PPZ apresenta propriedades fluorescentes, com um espectro característico que pode facilmente ser detectado por fluorimetria. Tal facto permitiu a concepção de um equipamento designado por hematofluorímetro, no qual a unidade funcional contém uma lâmpada de halogéneo cuja luz, colectada e filtrada, produz um feixe que excita a PPZ contida no sangue da amostra em leitura. Esta excitação origina um novo feixe que, colectado num tubo fotomultiplicador, produz uma nova corrente, cuja intensidade é proporcional à concentração de PPZ. O equipamento é portátil, de muito fácil manuseamento e o doseamento do produto requer apenas uma pequena porção de sangue, que pode ser colhido por punção da extremidade de um dedo. O resultado é apresentado em cerca de 2 segundos, sendo seleccionáveis as unidades de concentração a utilizar (µmol/mol de heme, µg/g de hemoglobina, µg/dL de sangue) (BLUMBERG et al., 1977; BUHRMANN, MENTZER e LUBIN, 1978; KARACIC, MAJIC e TELISMAN, 1980; FISCHBEIN et al., 1982; MARSH, NELSON e KOENIG, 1983; PARSOSNS et al., 1989; STANTON et al., 1989; ZWENNIS, FRANSSEN e WIJNANS, 1990; ROLFE et al., 1993; PRISTA, PINTO e AGUIAR, 2002).

Para além de se elevar pela acção do chumbo, a PPZ regista, igualmente, aumento nas situações de deficiência em ferro (LAMOLA, JOSELOW e YAMANE, 1975; LABBÉ, 1977;

GRADJEAN e LINTRUP, 1978 e 1981; HARADA e MIURA, 1984; ESPAÑA, 1987; MARCUS e SCHWARTZ, 1987; WILDT, BERLIN e ISBERG, 1987; ZWENNIS, FRANSEN e WIJNANS, 1990; KONONEN, 1991; FISCHBEIN, 1992; HASTKA et al., 1994; NELSON et al., 1998; LAUWERYS, 1999).

KAPOOR et al. (1984) postularam que, na presença de um défice férrico, a ferroquelatase seria ainda mais sensível à acção do chumbo. Nesta sequência, AHN et al., em estudo abrangendo 360 trabalhadores expostos a chumbo, divididos em dois grupos consoante os níveis de siderémia, verificaram que a associação entre Pb-S e PPZ era duas vezes mais forte no sub-grupo de indivíduos com mais baixa siderémia, sugerindo que a deficiência em ferro, em trabalhadores expostos a chumbo, pode constituir um factor de susceptibilidade para os efeitos tóxicos, como o reflectem os maiores níveis de PPZ registados no grupo de mais baixa siderémia (AHN et al., 1999).

Acresce, ainda, que os níveis de PPZ podem encontrar-se elevados em mais algumas circunstâncias pontuais: na porfiria eritropoiética (patologia rara) e quando se encontram aumentados os níveis de bilirrubina ou de riboflavina (ORFANOS, MURPHEY e GUTHRIE, 1977; KARACIC, MAJIC e TELISMAN, 1980; GRANDJEAN e LINTRUP, 1981; STANTON et al., 1989; NELSON et al., 1998; LABBÉ, VREMAN e STENVENSON, 1999; SAKAI, 2000).

Nos indivíduos expostos a chumbo a elevação da protoporfirina-zinco no sangue inicia- se a níveis de plumbémia inferiores aos verificados para o aumento do ALA-U. Embora na generalidade seja aceite que a taxa de Pb-S a partir da qual a PPZ se eleva significativamente se situa próximo dos 40 µg/dL, existem referências a valores ligeiramente mais baixos: a partir de 25 µg/dL (TURCK et al., 1992); entre 25 e 30 µg/dL (METS, 1981); a partir de 30 µg/dL (SCHUMACHER et al., 1997; TRUCHOM, 1999); entre 30 e 40 µg/dL (LANDRIGAN, 1994); entre 35 e 40 µg/dL (LAUWERYS, 1999). (Quadro I.15)

A restante protoporfirina, não ligada ao zinco, por seu lado, igualmente aumenta nos glóbulos vermelhos em paralelo com a plumbémia (HARADA e MIURA, 1984).

Uma boa correlação entre a plumbémia e a protoporfirina (PPZ ou PPE) é comprovada por inúmeros estudos e diversos autores (KAMMHOLZ et al., 1972; PIOMELLI, 1973; PIOMELLI et al., 1973; CHISOLM et al., 1974; REIGART e WHITLOCK, 1976; EISINGER et al., 1978; KARACIC, MAJIC e TELISMAN, 1980; SUGA, FISCHINGER e KNOCH, 1981; FISCHBEIN et al., 1982; GRUNDER e MOFFITT, 1982; URBIETA, 1982; NICULESCU et al., 1984; WILDT, BERLIN e ISBERG, 1987; BRUNET et al., 1988; BOTTA et al., 1990; HANSEN et al., 1990; ZWENNIS, FRANSEN e WIJNANS, 1990; MEDINILLA e ESPIGARES, 1991; VAN HEERDEN e METS, 1991; FISCHBEIN, 1992; CARDENAS et al., 1993; CHISOLM et al., 1993; TIMÁR et al., 1995). (Quadro I.16)

Quadro I.15: Níveis de Pb-S a que se eleva a PPZ (algumas referências).

Referência Nível de Pb-S

METS, 1981 entre 25 e 30 µg/dL

TURCK et al., 1992 a partir de 25 µg/dL

LANDRIGAN, 1994 entre 30 e 40 µg/dL

SCHUMACHER et al., 1997 a partir de 30 µg/dL

LAUWERYS, 1999 entre 35 e 40 µg/dL

TRUCHON, 1999 30 µg/dL

Quadro I.16: Correlação entre Pb-S e PPZ (algumas referências).

Referência Coef.

Correlação

Prob. Significância

KARACICC, MAJIC e TELISMAN, 1980 r= 0,77 p< 0,001

ALESSIO et al.,1981 cit. por FERNANDEZ et al., 1982 r= 0,85 p< 0,001

BRUNET et al., 1988 r= 0,79 p< 0,025

BOTTA et al., 1990 r= 0,57 p= 0,01

MEDINILLA e ESPIGARES, 1991 r= 0,83 p< 0,01

VAN HEERDEN e METS, 1991 r= 0,76 p< 0,005

FISCHBEIN, 1992 r= 0,74 p< 0,001

CARDENAS et al., 1993 r= 0,80 p< 0,001

CHISOLM et al., 1993 r= 0,60 p< 0,001

Uma vez que permanece nos eritrócitos durante toda a sua vida (cerca de 120 dias) o doseamento da PPZ será um bom indicador do efeito biológico do chumbo no período dos cerca de três meses anteriores (FISCHBEIN, 1992; SASSAROLI et al., 1992; OSHA, 1993).

GRANDJEAN et al. estudaram um grupo de trabalhadores que, ao longo de um ano, registaram uma diminuição da exposição ao chumbo. Constataram que a Pb-S sofria um significativo e generalizado decréscimo (20%), mas que a PPZ apresentava variações inter-individuais, apenas decrescendo em alguns trabalhadores enquanto em outros se mantinha estável. Em conclusão, sugeriram que as situações de longo tempo de exposição podem determinar que o chumbo depositado no tecido ósseo mantenha uma acção sobre a síntese do heme, impedindo que, face a uma diminuição da exposição, se verifique um decréscimo da PPZ enquanto a Pb-S se vai reduzindo (GRANDJEAN, JORGENSEN e VISKUM, 1991).

É nesta perspectiva que se entende o que afirma LAUWERYS, para quem a correlação entre a plumbémia e a protoporfirina está longe de ser perfeita, uma vez que a acumulação desta é sobretudo determinada pela acção dos níveis de chumbo na medula óssea (LAUWERYS, 1999).

EISINGER et al. estudaram 158 trabalhadores expostos para avaliar a utilidade da utilização da PPZ como indicador da exposição. Para além de verificarem uma boa correlação da PPZ com a Pb-S, constataram que utilizando o valor de 100 µg/dL da PPZ, para detectar plumbémias de 60 µg/dL ou mais, apenas se registavam 3 falsos negativos (1,9%) dos quais 2 estavam expostos há menos de 3 meses. Nesta base, concluíram pela adequabilidade do doseamento da PPZ como teste preferencial na monitorização de primeira linha dos trabalhadores expostos a chumbo (EISINGER et al., 1978).