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LISTA DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS

4.2 Quadros clínicos particulares

A clássica Cólica Saturnínica desencadeia-se nas intoxicações graves (Pb-S> 100

µg/dL).

A dor, inicialmente peri-umbilical, tornando-se progressivamente de localização difusa, é geralmente precedida de obstipação, chegando a patentear um quadro pseudo-oclusivo que se acompanha de palidez, sudação abundante e vómitos. A níveis mais baixos de impregnação é possível registarem-se quadros de desconforto abdominal com anorexia, queixas dispépticas vagas, náuseas, obstipação ou, por vezes, episódios diarreicos (DUC, KAMINSKY e KLEIN, 1994).

A chamada Linha de Burton, zona azul-escuro ao longo do rebordo gengival, a cerca de 1 mm da transição gengivo-dentária, deve-se à deposição local de partículas de sulfureto de chumbo, produzidas pela acção de hidrogénio sulfuretado, proveniente da decomposição de proteínas dos alimentos ou mesmo das gengivas, sobre o chumbo circulante local (LANE, 1993).

Este sinal, antigamente considerado clássico, é raramente observável na actualidade, face ao desenvolvimento dos hábitos de higiene oral. De notar, além disso, que não é específico da intoxicação por chumbo, já que semelhantes colorações aparecem por acção de outros metais, designadamente o mercúrio, a prata e o bismuto (LAUWERYS, 1999).

Sintomas relacionados com o SNC são detectáveis em trabalhadores, expostos vários anos, com plumbémias que podem não exceder os 70 µg/dL. Alguns testes comportamentais e electrofisiológicos revelaram mesmo que as alterações podem surgir em situações de plumbémia a partir de 40 µg/dL (IPCS, 1995).

A Encefalopatia Saturnínica, rara no adulto e só excepcionalmente observada em trabalhadores expostos, é um quadro grave, mais associado a intoxicações agudas, embora possa instalar-se numa intoxicação crónica severa (LAUWERYS, 1999; HU, 2002).

A intoxicação (do tipo crónico) é susceptível de conduzir a alterações de natureza cognitiva, somática e afectiva, que se podem manifestar por diminuição das capacidades intelectuais, perturbações da memória e do sono, fadiga, irratibilidade, cefaleias, alterações da personalidade e do humor, surdez, afasia transitória, hemianópsia e amaurose. Em alguns casos são observáveis, também, tremor intencional e discinésias bucais (FISCHBEIN, 1992; FRUMKIN e GERR, 1993; OSHA, 1993; DUC, KAMINSKY e KLEIN, 1994).

A mais baixos níveis de impregnação, alguns autores referem uma maior prevalência de sintomatologia subjectiva vaga, como alterações da memória e dos tempos de reacção psicomotora (HOGSTED et al., 1983) e alteração das performances psicológicas (MANTERE et al., 1982). Contudo, parece que este tipo de perturbações está associado a exposições recentes, regredindo com a diminuição dos níveis de impregnação (LAUWERYS, 1999).

Ao nível do Sistema Nervoso Periférico os axónios motores são o principal alvo da intoxicação por chumbo (LANDRIGAN, 1994; GOYER, 1996).

Na fase de impregnação podem detectar-se perturbações dos potenciais auditivos (DISCALZI et al., 1992), redução da velocidade de condução nos nervos periféricos (LANDRIGAN et al., 1975) e perturbações oculomotoras (BALOH et al., 1979) (LAUWERYS, 1999).

O compromisso neurológico periférico é caracterizado por uma Polinevrite Motora resultante de degenerescência axonal. A forma clássica é a paralisia radial, com mão pendente, iniciando-se geralmente à direita e progredindo para bilateral. A paralisia atinge primeiro os extensores dos dedos médio e anelar estendendo-se, depois, aos restantes dedos e ao punho. Atinge, também, os membros inferiores, afectando sobretudo os peroniais e os extensores do tornozelo, originando um pé pendente. Embora raramente, pode ser generalizada, provocando asfixia por paralisia laríngea e dos músculos respiratórios (LAUWERYS, 1999).

É uma neuropatia puramente motora (OSHA, 1993) e sinais de compromisso sensitivo devem pôr em causa o diagnóstico (GIGNOUX et al., 1998). Nos estadios precoces é geralmente reversível e, nos quadros de menor intensidade, pode manifestar-se por parestesias, fraqueza muscular, mialgias e caimbras. A clássica neuropatia pseudo-radial de origem profissional tornou-se, contudo, hoje em dia, um quadro muito raro (DALLY, 1988; FISCHBEIN, 1992).

À luz dos actuais conhecimentos não é, ainda, possível estabelecer com exactidão uma relação dose-efeito entre os níveis de impregnação de chumbo e o aparecimento de manifestações do SNC mas, o risco de alterações ao nível das funções cognitivas parece evidenciar-se a partir de plumbémias de 40 µg/dL (STOLLERY et al., 1991). Quanto aos

efeitos sub-clínicos relacionados com o compromisso do SNP, têm um limiar de manifestação provavelmente um pouco superior.

Uma Nefrite Crónica Intersticial pode desenvolver-se em situações de exposição elevada (Pb-S> 60 µg/dL) de longa duração (LAUWERYS, 1999).

O quadro pode lenta e progressivamente evoluir para uma insuficiência renal, em regra hipertensiva. O clearance da ureia é o primeiro parâmetro renal a evidenciar alterações; a proteinúria é moderada e não se verifica nem hematúria nem leucocitúria (CARDENAS et al., 1993; DUC, KAMINSKY e KLEIN, 1994).

A nefropatia é tipicamente hiperuricémica e, em cerca de metade dos casos, acompanha- se de episódios de artrite gotosa aguda (gota saturnínica), contrariamente às insuficiências renais de outra etiologia (DUC, KAMINSKY e KLEIN, 1994; YU e BRENNER, 2002).

A evolução é habitualmente silenciosa e a elevação da ureia e da creatinina no sangue apenas são evidentes quando 50 a 75% dos nefrónios estão lesados (LANDRIGAN, 1994). As biópsias revelam esclerose glomerular global com fibrose e atrofia tubular e intersticial (KIM et al., 1998).

Embora raros, têm sido descritos casos de Hipertensão Arterial Paroxística associada às crises de cólica, provavelmente devido a vasoconstrição das arteríolas renais (LAUWERYS, 1999).

No que respeita à Hipertensão Arterial Permanente, os dados actualmente disponíveis sugerem a possibilidade de uma fraca associação entre a tensão arterial e a plumbémia. Segundo LAUWERYS, esta associação pode não ser de natureza causal e, provavelmente, não apresenta consequências em termos de Saúde Pública (LAUWERYS, 1999). Contudo, para DUC et al. a intoxicação crónica por chumbo majora o risco hipertensivo e é responsável por um aumento significativo de cardiomiopatias e de insuficiência coronária (DUC, KAMINSKY e KLEIN, 1994).

A intoxicação crónica pelo chumbo pode conduzir a uma Anemia, regra geral pouco acentuada.

O limiar de plumbémia associado a um decréscimo da hemoglobina foi estimado em 50

µg/dL (OSHA, 1993; IPCS, 1995). Mas uma anemia franca só é, em regra, detectável a partir de 80 µg/dL (OSHA, 1993; SCHÄLLER, 1996; LAUWERYS, 1999).

Segundo KENTNER e FISCHER, a exposição profissional a chumbo implicando plumbémias inferiores a 80 µg/dL não afecta substancialmente a síntese do heme, pelo que não determina uma diminuição efectiva da hemoglobina (KENTNER e FISCHER, 1994).

Normocrómica ou hipocrómica, a anemia, quando se acentua, acompanha-se de reticulocitose e hipersiderémia. Se o aumento concomitante da siderémia e a presença frequente de sideroblastos a permitem considerar como uma anemia sideroacréstica, a destruição dos glóbulos vermelhos, igualmente induzida pelo chumbo, dá-lhe as características de uma anemia hemolítica (LAUWERYS, 1999).

As mulheres expostas a chumbo podem apresentar alterações menstruais incluindo dismenorreia, menorragias e amenorreia (OSHA, 1993).

Finalmente, e embora raramente observadas, podem verificar-se parotidite e pancreatite, com amilasémia e amilasúria moderadamente elevadas (FRANCE, 2001).

5.

Indicadores Biológicos da Exposição Profissional a Chumbo

Um importante conjunto de indicadores biológicos tem sido alvo de investigação, na perspectiva de favorecerem uma vigilância o mais adequada e eficaz, fornecendo dados que, qualitativamente, proporcionem um melhor e mais precoce conhecimento das interacções do chumbo com o organismo dos trabalhadores expostos.

Quer de dose quer de efeito, tais indicadores encerram utilidade e importância diferentes, designadamente consoante a sua exequibilidade e a pertinência da informação que transmitem. (Quadro I.13)

Quadro I.13: Indicadores Biológicos da exposição a chumbo.

Indicador Aptidão para a utilização

Chumbo no sangue (Plumbémia; Pb-S) Em situação estável é o melhor indicador da concentração de chumbo nos tecidos moles e da exposição recente

Chumbo na urina (Plumbúria; Pb-U) Reflecte a quantidade de chumbo recentemente absorvida

Chumbo nas fezes Indicia sobre o aporte de chumbo na dieta; não praticável em monitorização

Chumbo ósseo Sem utilidade para monitorização da exposição corrente; útil como parte da avaliação clínica da exposição de longa duração

Chumbo no cabelo Dificuldade na recolha de amostras, preparação e interpretação; limitado interesse em monitorização ocupacional

Chumbo quelatado na urina Provavelmente reflecte o chumbo metabolicamente activo; Não fornece informação adicional à da Pb-S; não prático para monitorização

Ácido δ-aminolevulínico urinário (ALA-U) Utilizado para monitorização na exposição profissional Desidratase do ácido δ-aminolevulínico

nos eritrócitos (ALA-D)

Alto grau de sensibilidade; instabilidade torna-o inutilizável em monitorização

Protoporfirinas eritrocitárias (PPE, PPZ) Útil na investigação dos efeitos relacionados com o chumbo; recomendado para rastreio em saúde ocupacional; de igual interesse em monitorização individual e colectiva

Coproporfirina urinária (Copro-U) Não específico; não recomendado para monitorização Pirimidina 5-dinucleotidase Não experimentado em saúde ocupacional